São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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EFEITO CASCATA

Pecuaristas com gado pronto confinado são os mais afetados

Crise da aftosa prejudica vasta cadeia do agronegócio

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

Vinte dias após o anúncio do foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul, a sensação é que o susto foi maior do que a crise, mas que ninguém está sorrindo. Os efeitos do reaparecimento da doença em uma região livre de aftosa respingaram por toda a cadeia da carne.
Perdem todos, principalmente após as suspeitas de a doença ter ultrapassado as fronteiras de Mato Grosso do Sul com o vizinho Paraná, Estado responsável pelo terceiro maior volume de exportações de carne suína.
Os mais prejudicados são os pecuaristas. Pior ainda para os que têm gado pronto em confinamentos. No momento em que a arroba de boi gordo começava a reagir, a febre aftosa derrubou os preços.
Cotada a R$ 58,43 às vésperas do anúncio da doença, a arroba estava a R$ 53,97 no mercado físico na sexta-feira, mostra o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), órgão da Esalq/USP.
Perdem também os frigoríficos. O mercado externo é a fatia mais lucrativa, e as renegociações, após os embargos, vão ser mais árduas, mesmo com a demanda externa por carne bovina aquecida.
Olham ainda com atenção o desenrolar da crise os exportadores, que lutaram nos últimos anos para conseguir uma boa imagem para a carne brasileira. Após liderar os embarques mundiais em volume, o país buscava uma remuneração melhor para seus produtos.
A desconfiança aparece também no setor de suplementação alimentar, que já apostava na retomada das vendas com a recuperação dos preços da arroba de boi.
Até o mercado futuro da Bolsa de Mercadorias & Futuros, que deslanchava com os bons ventos no setor, pisou no freio e reduziu volumes negociados. Perde também o setor de leilões, proibidos em vários Estados.
Até o setor de grãos teme pelo desfecho dessa crise. Os focos parecem estar controlados, mas um avanço da doença colocaria em risco as produções de milho e de soja, dois itens importantes na composição das rações.
Gilman Viana Rodrigues, vice-presidente para Assuntos Internacionais da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), diz que os efeitos temporários da crise são menores do que se esperava. Há, no entanto, um efeito duradouro de credibilidade a ser renovado.
Luiz Nabhan, presidente da UDR, diz que a aftosa mascarou um pouco o quadro de oferta de carne no país. Os preços estavam em alta e, baixada a poeira, vão voltar a subir porque há uma falta de boi gordo pronto para abate.
Um comprador independente de boi, que não quis se identificar, confirma essa escassez. Os frigoríficos forçaram uma baixa dos preços, aproveitando a aftosa, mas são obrigados a pagar mais pelo produto porque não conseguem fechar a escala de abate -comprar o número suficiente de animais que necessitam. "O mercado está sem carne e o curral vazio."
Marcos Molina, diretor presidente do frigorífico Marfrig, diz que a ocorrência da aftosa gerou a necessidade de uma readequação industrial. Foram mais afetados os frigoríficos que estão com até 80% dos volumes produzidos voltados para o mercado externo.
No caso do Marfrig, o mercado externo responde por 50% dos abates e, mesmo assim, 25% desse volume é de carne cozida, que não tem restrições. Com plantas em São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o Marfrig teve de fazer remanejamentos de produção entre essas unidades. Apesar da aftosa, está mantida previsão de faturamento de R$ 1,5 bilhão para este ano e os investimentos na construção de uma unidade em Porto Murtinho (MS).
Para Antônio Camardelli, diretor-executivo da Abiec (associação dos exportadores), "os efeitos mais perversos dessa crise são a destruição de uma imagem e a desestruturação da carteira de clientes". Além disso, acrescenta, há uma desarrumação no processo de compra e de venda e os clientes deixam de ser permanentes.
Muito mais grave do que o estrago financeiro de quatro ou cinco meses é o que vem depois, diz Camardelli. O Japão, por exemplo, começava a aceitar o conceito de regionalização, o que poderia favorecer a compra de carne "in natura" de parte do Brasil. Volta-se à estaca zero, diz ele.
No setor de suplementação alimentar, Marcos Mantelato, diretor da Asbram (Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais), diz que a redução de preços da arroba de boi vai fazer os pecuaristas se preocuparem mais com os custos.
Se o problema for sanado rapidamente e a arroba de boi voltar a US$ 22, as vendas serão retomadas. Mario Sergio Cutait, do Sindirações, concorda com Mantelato e diz que "essa surpresa" veio bem na hora em que a pecuária voltava a investir em alimentação.
Mirlaine Barbosa de Mello, da Ágora Senior, diz que o mercado futuro também ficou tenso e mostrou fortes quedas, que já chegaram no limite. Félix Schouchana, diretor de mercados agrícolas da BM&F, diz que os limites de baixas serviram como antipânico para o mercado.


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