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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A vitória dos dinossauros
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Os gigantes da velha economia norte-americana -os
dinossauros acusados de serem
"rígidos" e de usarem estratégias
ultrapassadas- levaram a melhor sobre o "capital intelectual"
das grandes empresas da nova
economia na crise que começou
antes de 11 de setembro.
O conglomerado Exxon-Mobil,
o maior grupo mundial de petróleo integrado verticalmente, continua sólido enquanto a "flexível"
e ágil Enron foi para o espaço em
2001. Seus ativos viraram pó. Isso
levará prejuízo a vários "mercados emergentes", entre os quais o
brasileiro, além de causar problemas à administração Bush.
A velha GM continua a maior
produtora de automóveis e vai engolindo parte do mercado das empresas européias e asiáticas mais
inovadoras. A GM, como a maioria dos grandes grupos norte-americanos originários dos setores automobilístico e elétrico, expande-se também nas áreas de
tecnologia sensível. Os nomes dos
grandes bancos norte-americanos
com presença global também continuam os mesmos. Depois do
processo de fusões e concentrações, permitidas pela nova lei
bancária, voltaram a ser dominantes, passadas as ameaças sofridas pela crise do começo dos 80.
Trata-se de grandes grupos que
se constituíram, no início do século 20, apoiados na construção de
um mercado interno colossal, a
partir do qual se expandiram pelo
mundo durante quase todo o século, construindo as bases de sustentação geoeconômica da hegemonia norte-americana no pós-guerra. Em situações de crise (como a de 30 e a de agora), sempre é
possível ao governo americano
(republicano ou democrata)
apoiá-los e reestruturar as suas
dívidas, enquanto raramente pode salvar os "aventureiros", mesmo quando eles sejam influentes
na política por suas redes de conexões.
O poder dos velhos dinossauros
voltou a ficar evidente no final da
década de 90, depois de um processo de megafusões e concentração de empresas e bancos, que teve entre os seus protagonistas de
sucesso alguns dos gigantes que se
consolidaram em 1902 -ano que
é um marco na centralização do
capital monopolista norte-americano de porte internacional. Já o
endividamento colossal das empresas "modernas" e "competitivas" da nova economia, provocado pelo superinvestimento na década de 90, sem patrimônio sólido
para aguentar o tranco da alavancagem, levou-as a uma posição financeira frágil e a uma possível derrota ante os dinossauros
da indústria e do capital financeiro norte-americanos.
As empresas de telecomunicações estão entre as mais atingidas
pela crise (ver "Carta Capital" nš
169). A desregulamentação e o superinvestimento levaram a uma
rivalidade acirrada dentro e fora
dos EUA que ainda não está resolvida. A World Com, com suas pretensões à nova globalização nos
"mercados emergentes" que a tornou controladora da MCI (cuja filial no Brasil é a Embratel), dá
cambalhotas para resolver a situação da sua filial e a sua própria, pois precisa reestruturar as
dívidas que comprometem o seu
patrimônio líquido.
Na América Latina, as novas filiais globais que comandaram as
privatizações têm relações de endividamento pesadas sobretudo
com bancos europeus de menor
peso internacional e arriscaram-se demais no mercado de capitais
fluido e sem regulação. A menos
que venham a ser resgatadas pelos grandes grupos financeiros
tradicionais, que venham a encarregar-se da reestruturação das
suas dívidas, correm sérios riscos
de sucumbir à atual crise mundial
e levar de roldão a situação financeira externa e interna de vários
países da periferia.
Os países hegemônicos ao longo
da história sempre se afirmaram
pela supremacia das armas e do
dinheiro, mas tentaram, em geral
sem sucesso prolongado, enquadrar o mundo de cuja "Pax" tinham sido os fiadores, impondo-lhe uma estrutura de direito, privado e público, com pretensões
universais. A tentativa mais
abrangente foi a executada pelos
EUA no pós-Segunda Guerra
Mundial. Começou em Bretton
Woods e foi-se estendendo por
meio de "consensos" sucessivos,
cada vez mais duros, que ditam as
regras para os outros países (sobretudo os periféricos) e são permissivos e protecionistas para
com os interesses do grande capital e da superpotência. Em geral
as grandes crises do sistema capitalista internacional levam a rupturas de contratos e a quebras financeiras de Estados e empresas
que obrigam a mudar as "regras"
por algum tipo de pacto entre os
governos dos países centrais. Antes, porém, o país hegemônico tende a endurecê-las sobretudo para
os países com menor importância
geopolítica e geoeconômica. O
exemplo recente da agonia da Argentina e o de outros países latino-americanos, para não falar da
África, são reveladores.
A recente versão do "fast track"
para implantar a Alca e a legislação antidemocrática a ser aplicada a "estrangeiros" depois do ataque terrorista de 11 de setembro,
recém-aprovada pelo Congresso
dos EUA, são exemplos extremos
de conduta unilateral que não
respeitam nenhuma noção de direito internacional. Trata-se, portanto, do comportamento de um
império, um dinossauro da política internacional, que se sente
ameaçado, e não de um país que
exerce a hegemonia por regras negociadas.
Na atual conjuntura internacional, a conquista da "hegemonia moral" no sentido gramsciano
parece ser a única tentativa política de "resposta global" para os povos oprimidos e para as classes subordinadas. Daí a importância
que assume o Fórum Social Mundial, a ser realizado em Porto Alegre no final de janeiro de 2002.
Maria da Conceição Tavares, 70, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br
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