|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Sangria desatada
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A história da medicina tem
passagens medonhas. O ministro Palocci certamente sabe
que a medicina primitiva recorria
a métodos como a sangria, por
exemplo. Era tenebroso. Cada
sangria podia significar a extração de meio litro de sangue. Às vezes, o paciente era submetido a
três ou quatro sangrias em um
único dia. As mortes causadas por
esse tratamento eram numerosas.
Nos séculos recentes, a medicina
evoluiu muito. A economia, nem
tanto. A equipe do dr. Palocci, por
exemplo, aplica obstinadamente
o equivalente econômico da sangria. E são cada vez mais nítidos
os sintomas de que o tratamento
está debilitando seriamente o paciente. Se ficarmos na dependência da ortodoxia primitiva da Fazenda e do Banco Central, corremos sério risco de mergulhar em
grave recessão.
Praticamente todos os indicadores da economia brasileira sugerem que está havendo "overkill" fiscal e monetário. Não passa
uma semana sem que apareçam
novos sinais de que a política econômica é excessivamente restritiva.
Formou-se um consenso de que
o paciente já sangrou demais. Todos estão de acordo em relaxar a
política monetária. Cresce também a avaliação de que as metas
fiscais do acordo com o FMI precisam ser redefinidas para acomodar alguma ampliação do investimento público. As divergências residem agora basicamente
na velocidade que se deve imprimir ao relaxamento monetário e
fiscal.
Não basta, porém, aliviar a dose. O mais importante é identificar as restrições ao crescimento
da economia e enfrentar sem demora os problemas de fundo.
Num ambiente de escassez de recursos, é fundamental estabelecer
a hierarquia correta de prioridades e lançar o foco sobre as questões principais.
Nesse aspecto, a área econômica do governo vem falhando desde o início. Apostou as suas fichas
na recuperação de uma bisonha
"agenda perdida" e na busca do
"ajuste fiscal permanente". Pouco
ou nada fez, volto a dizer, para
enfrentar aquele que tem sido o
obstáculo primordial ao crescimento vigoroso da economia nacional: a crônica vulnerabilidade
das contas externas.
Quem examinar a trajetória
econômica do Brasil nos últimos
dez anos não deixará de registrar
a impressionante repetição de crises nas contas externas. Todas as
tentativas de retomada da produção e do emprego foram abortadas por estrangulamentos de balanço de pagamentos. De fins de
1998 em diante, o Brasil virou
cliente cativo do FMI. Em menos
de quatro anos, assinou três acordos com essa instituição. Tornou-se rotina buscar empréstimos em
Washington para financiar desequilíbrios nas contas internacionais do país.
O que aconteceu de positivo na
área das contas externas no passado recente -o rápido ajustamento da conta corrente do balanço de pagamentos desde meados de 2002- não é mérito do governo brasileiro, pois reflete basicamente o colapso cambial e a estagnação da economia. A política
econômica atual ameaça até
comprometer esse resultado positivo ao permitir uma exagerada
revalorização do real.
O problema da vulnerabilidade
externa não se reduz à conta corrente do balanço de pagamentos.
Como nada foi feito para disciplinar os fluxos financeiros, a economia brasileira continua excessivamente vulnerável pelo lado da
conta de capitais do balanço de
pagamentos. Além disso, as reservas internacionais do país estão
muito abaixo do que poderia ser
considerado um nível razoavelmente seguro. Excluídos os empréstimos do FMI, as reservas
próprias do Brasil vêm oscilando
em torno de US$ 16 bilhões a US$
18 bilhões.
Não por acaso, estamos dedicados, mais uma vez, à melancólica
discussão sobre se convém ou não
fazer novo acordo com o FMI no
final do ano.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Dólar sobe pelo 4º dia e vai a R$ 2,97 Próximo Texto: Energia: Bush faz lobby por gasoduto no Peru Índice
|