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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Brasil e o desemprego de massa

RUBENS RICUPERO

Em meio a tudo o que de pior se abateu sobre nós nos últimos tempos, o mas grave foi o Brasil ter-se deixado arrastar para o círculo do inferno do desemprego de massa. Prisão sinistra da qual não é fácil escapar, em sua porta poderia escrever-se o que Dante afixou na do verdadeiro Inferno: "Lasciate ogne speranza, voi ch" intrate".
Não pensem que exagero por algum pessimismo injustificável. A França e a Alemanha estão quase completando 30 anos, um terço de século, dessa situação na qual tombaram em 1975, após o primeiro choque do petróleo. Em outubro daquele ano, os desempregados franceses superavam a barreira, até então jamais atingida, de 1 milhão. Desde aquela data, melhorias passageiras e inconstantes alimentaram a esperança prematura de que o problema estava em vias de solução. A ocasião mais recente foi antes dos atentados de 2001, quando o governo Jospin se vangloriava de haver criado 1,8 milhão de empregos. Cada vez que se anunciou vitória antes da hora a desilusão foi mais amarga.
Ricos e inventivos, os franceses adotaram mais de cem medidas para combater o desemprego. Reduziram a 35 horas a jornada de trabalho, diminuíram os encargos e taxas sobre os baixos salários, criaram os "empregos jovens" e milhares de vagas mediante os "contratos de solidariedade", isto é, os postos de trabalho subsidiados pelo governo (na Suécia, alcança às vezes 80% a parte do salário coberta pelas subvenções). Chegou quase ao exagero a tolerância com os contratos de tempo parcial, a terceirização, a flexibilização das regras levada ao extremo. O máximo que se logrou com esse arsenal de políticas foi, segundo análise recente, "mudar a ordem de espera na fila dos desempregados, escolhendo como alvo prioritário ora uma categoria ora outra".
O resultado líquido é que, após ter deslizado até um mínimo de 8,9%, em 2001, o índice de desemprego voltou a subir de novo, a 9,3%, com tendência a alta. Em momentos de desalento como o atual, os franceses sentem-se inclinados a concordar com o que dizia Mitterrand em 1993: "Em matéria de luta contra o desemprego, já se tentou tudo".
Não é melhor a situação da Alemanha, onde a taxa ultrapassou 10%. O desemprego de massa é, aliás, fenômeno característico da União Européia, cujo índice de desocupação flutua em torno de 8%. Atualmente, é de 7,7%, média que esconde fortes disparidades -mínima de 2,8%, em Luxemburgo, máxima de 11,3%, na Espanha. Mesmo os Países Baixos, que pareciam ter descoberto o modelo para eliminar o desemprego (2,7% em 2002), entraram em recessão, com previsões de que a taxa de desemprego atinja 5,5% neste ano e 8% no próximo.
A média dissimula também outras assimetrias. Na Itália, por exemplo, a taxa nacional de 9% mascara uma estrutura dualista, que esconde o alarmante índice de 18% no sul, diluído nos 4% do norte. De igual maneira, as médias estatísticas escamoteiam o fato de que, na Europa, o desemprego de massa afeta de preferência os jovens -sobretudo as mulheres jovens- e os de mais de 55. Os homens de 22 a 55 anos e os qualificados e diplomados sofrem muito menos.
Nos EUA, as condições do mercado de trabalho não são tão graves, mas o desemprego passou a barra dos 6%, com aumento de dois pontos percentuais desde 2001. A breve recessão daquele ano ocasionou a destruição de 2,5 milhões de empregos no setor privado, o que levou Larry Mishel, presidente do Employment Policy Institute, a descrevê-la como "a maior contração do emprego no setor privado desde a Grande Depressão". As preocupações americanas concentram-se hoje na característica inesperada da corrente recuperação econômica, que, até o momento, não tem gerado novos empregos.
Atribui-se a tendência a dois fatores. De um lado, os ganhos de produtividade, quer dizer, o aumento de produção per capita por hora de 4% em 2002, permitiram à economia expandir-se moderadamente, sem contratar trabalhadores. Do outro, a taxa de crescimento econômico não foi ainda suficiente para tornar mais equilibradas as expectativas dos principais executivos americanos. Foi o que mostrou a última pesquisa do "Business Roundtable": 70% deles esperam aumentar as vendas nos próximos seis meses, mas só 16% estimam que terão de fazer contratações novas.
Esbocei esse panorama do desemprego no mundo desenvolvido para tentar alertar os que acaso me lêem para o perigo da indulgência em relação ao que está ocorrendo entre nós. Não escapará aos leitores que nossa situação é muito pior. A taxa nacional de desemprego -13%- é superior à máxima da Europa, a espanhola. Na Grande São Paulo, chega a quase 20%, índice espantoso e assustador, só comparável ao argentino. O desemprego de massa aqui não poupa ninguém, nem os diplomados nem os homens entre 22 e 55 anos. É ruim de norte a sul, diferentemente da Itália. No Brasil, assola mais a região "próspera".
Somos muito menos ricos que os europeus em dinheiro para minorar o problema e mais lentos em adotar políticas de emprego. Padecemos, finalmente, de aguda falta de crescimento e de desindustrialização precoce, que fazem nossa produção industrial ser igual à que era dez anos atrás. Sem emprego, a equação brasileira não fecha. Sem crescimento acelerado e reindustrialização, o Brasil não tem conserto.


Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).



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