São Paulo, quinta-feira, 01 de junho de 2000
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drible a neura

Elas estão por toda parte, exigindo paciência zen

DINAH FELDMAN FREE
LANCE PARA A FOLHA

"Nos Estados Unidos e em países da Europa, a formação de uma fila é sinal de incompetência. No Brasil, é sinal de "ser bom", é marketing", diz o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP. E, o mais incrível, há quem goste de enfrentar filas. Mas a idéia aqui é ajudar o cidadão que foge dela feito o diabo da cruz.
A psicanalista Mara Cristina Souza de Lucia, diretora da divisão de psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas, defende uma tese que, além de curiosa, pode ajudá-lo a identificar quando você é obrigado a enfrentar a fila e quando dá para escapar. Segundo ela, existem dois tipos: a fila efêmera e a essencial.
"A primeira revela a importância do evento a que o indivíduo está indo. É a fila da vaidade, regada a caipirinha", diz. Esperas em restaurantes concorridos, cinemas, estacionamento de shopping center, churrascarias e parques de diversão são exemplos dessa modalidade, na qual a pessoa pode optar por estar ali ou não.
"No domingo, um senhor de 70 anos estava com sua família esperando uma mesa havia umas duas horas e disse que preferia estar na fila a estar se aborrecendo em casa", conta Fernanda Arruda Meireles, caixa da churrascaria paulistana Boi Preto. "É uma forma de diversão", conclui a funcionária.
Já as filas essenciais, como as de ônibus, trânsito, banco, seguro-desemprego, doação de órgãos, para marcar consultas e pegar remédio em hospitais públicos massacram a auto-estima do brasileiro, diz a psicanalista.
"Trabalhar o dia inteiro e esperar o ônibus lotado por 40 minutos na volta dá ao trabalhador angústia e sensação de ter tido seu tempo roubado", afirma Mara.
Para Rehfeld, a solução para as filas, em geral, existe, apenas é preciso reclamar por elas. Para ilustrar, ele relata uma cena que presenciou num banco: "Uma pessoa na fila começou a, literalmente, mugir alto. Depois disse que parecíamos vacas em uma fila de matadouro. Em pouco tempo, apareceram novos caixas, e a fila andou". Porém o brasileiro não está acostumado a reclamar, diz ele. "Faz parte de uma cultura no Brasil a idéia de que fazer o outro esperar dá status. Minha hipótese é que isso é uma herança colonial, da época da escravidão."
Ele acredita que, por ter sido o país que mais tarde saiu da escravidão, a elite brasileira acostumou-se a ser servida, e a fila passou a ser uma questão cultural, reforçada pelo uso contínuo.
E aí vai a orientação dele: "Se tiver oportunidade, evite a fila. Caso contrário, exerça seu direito e mostre sua indignação".
Agora, se a fila é inevitável, pelo menos evite o estresse durante a espera. Uma solução é buscar algo para fazer enquanto aguarda a vez, como ler um livro, um jornal, ouvir walkman, colocar a bolsa em ordem, por exemplo.
"Uma atividade que não deixe a pessoa parada evita que ela tenha a sensação estar sendo lesada", diz a psicanalista Mara.


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