São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004
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Investimento para o plano B começa cedo

Jovens se dedicam à segunda carreira para ganhar qualidade de vida, satisfação ou segurança em caso de desemprego

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O plano B deixou de ser um projeto exclusivo de quem ultrapassou a casa dos 50 e começa a vislumbrar o estilo de vida na aposentadoria. Ele agora é preocupação de gente jovem, que não apenas já sonha com o projeto futuro de vida como investe nele para, na hora H, executá-lo como manda o figurino. Não é raro encontrar jovens freqüentando cursos totalmente fora de sua área de trabalho, consultando profissionais ou colecionando material de pesquisa sobre o objetivo futuro.
Por que essa precocidade toda, dedicar-se a um plano B quando o A mal foi iniciado? "Impulsionadas pelo desejo de buscar felicidade ou qualidade de vida ou ainda obrigadas pela caótica situação financeira do país, parece que as pessoas estão hoje se movimentando mais. Ter mais de um interesse na vida virou uma forma de sobrevivência", diz a psicóloga Dorli Kamkhagi, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Igor Correa dos Santos, aos 27 anos, guarda quase todo o salário que ganha no mercado financeiro para capitalizar o seu plano B: mudar-se de mala e cuia para a praia. "Saber que posso continuar mudando sempre que precisar é algo que me faz seguir em frente. E meu pai sempre me apoiou. Isso também pesa bastante", diz o administrador de empresas.
Dorli Kamkhagi confirma a importância do incentivo da família, desde a infância, para que as crianças tenham mais de um interesse. "Acredito que os jovens hoje parecem estar mais livres para escolher, têm mais consciência e opções de busca de qualidade de vida. Isso é muito positivo, pois assim não ficam presos a um sonho só e infelizes", diz a psicóloga.
Daniel Tonet, 26, é outro exemplo dessa nova geração. Empresário, ele faz um curso de formação de professores de ioga. "Acho até que tive muita sorte por descobrir um plano B antes dos 30 anos. Muitas pessoas demoram anos para reconhecê-lo", diz ele.
Mas todo mundo tem o seu plano B na manga, aliás, mantém secretamente um ou mais projetos de vida futuros. Se esse não é o seu caso, pode ser que esteja com dificuldade de identificá-lo. "Nem todos conseguem enxergá-lo ou têm coragem para realizá-lo, mas ele está lá. Aliás, quem não concretiza o sonho não se completa, fica sempre no meio do caminho. E, assim, partir para um segundo estágio de vida é sempre mais complicado", diz a psicanalista Vera Rita de Mello Teixeira, acostumada a dar consultoria para quem busca uma guinada profissional.
Especialistas da área de recursos humanos e psicólogos estimulam estratégias de mudança. "São sempre bem-vindas, ainda mais em um país onde o desemprego é preocupante. O plano B é saudável por representar até uma saída de segurança para momentos difíceis", diz Silvana Case, vice-presidente executiva do grupo Catho. Depois de trabalhar como "headhunter" por 18 anos, ela agora está envolvida em seu plano B: escrever livros.
Mas aquela vontade de "quero mudar, fazer outra coisa", que volta e meia martela a cabeça de muita gente, tem de ser bem analisada. "Às vezes, o plano B pode não ser um sinal de amadurecimento, mas apenas um sonho da adolescência", diz o psicanalista Armando Colognese, supervisor do Departamento de Formação em Psicanálise do Sedes Sapientiae.
Para não cair nessa armadilha, ele aconselha as pessoas a fazerem uma auto-observação. Um dado que ajuda: "O que indica quase sempre um plano B é a sensação de confiança", diz ele.
Confiar no próprio taco é realmente um requisito indispensável, já que mudanças, em geral, prevêem dificuldades.
"É claro que as dificuldades existem, mas só o fato de ver o projeto pronto é o máximo", conta Paulo Roberto Gomes de Oliveira, que largou um emprego estável em uma empresa de exportação para abrir uma pousada em Visconde de Mauá (RJ). "Estou trabalhando muito mais, mas aconselho a troca. Estou hoje morando em um lugar maravilhoso", diz o proprietário de pousada.
Quando isso envolve mudanças de vida estruturais, como troca de cidade ou viagens prolongadas, a situação se complica. A orientação, nesses casos, é procurar apoio num trabalho psicoterapêutico ou pedir ajuda dos amigos mais próximos e dos familiares. Eles conhecem bem você, a sua personalidade, e podem ajudá-lo nessa busca.
Foi o apoio da família que levou o médico Eduardo, 35 (ele prefere não ter seu nome identificado) a investir no plano. Há cinco meses, é aluno assíduo de um curso técnico de mecânica. Durante o dia, trabalha na UTI de um hospital e, à noite, volta à sala de aula para entender melhor o que faz um motor se fundir. "Sempre gostei de mecânica. Hoje tenho tempo e dinheiro e estou investindo em um sonho antigo. Quero abrir uma oficina mecânica quando ficar mais velho. Muita gente acha que eu sou louco, mas estou em paz e feliz com a minha decisão", diz o médico.


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