|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ao gosto do consumidor
Cheiro e sabor tornam-se ingredientes cada vez mais manipuláveis nos alimentos industrializados, e empresas começam a investir no marketing olfativo
RODRIGO GERHARDT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Por trás daquele gostinho preferido que comemos ou bebemos, um sofisticado
setor da indústria química trabalha para fisgar o consumidor, oferecendo como nunca uma variedade de sabores e cheiros. Mas a conquista não é pela boca.
Ela é o portal para as emoções que as indústrias querem despertar. De biscoito recheado sabor quindim a macarrão instantâneo com tempero de estrogonofe, as
fórmulas têm se sofisticado. Essa diversidade é possível graças aos aromas -aditivos alimentares responsáveis por até 90% do cheiro e do sabor- dos alimentos industrializados. Sem eles, enlatados, congelados, empacotados e desidratados não
teriam nenhum atrativo, já que os processos industrial e de armazenamento destroem grande parte do sabor original.
Porém antes de realizar o lançamento de um novo "gosto" no
mercado, as empresas querem entender as motivações que formam as preferências dos consumidores. Alimentar-se, há muito
tempo, deixou de ser apenas uma forma de nutrir o corpo. É um
meio de obter prazer, algo que qualquer chefe de cozinha almeja e
entende bem. Com a indústria de aromas não é diferente.
"Nós vendemos sensações", resume Catarina Polh, química e
gerente de avaliação sensorial da IFF Essências e Fragrâncias,
multinacional de origem americana que produz aromas para as
indústrias de alimento, perfumaria, higiene e limpeza. Em seu departamento, ela realiza testes de degustação com consumidores
em busca de suas reações emocionais. Em cada reunião com esse
grupo, observa suas expressões faciais e anota seus comentários.
"Tentamos evocar suas memórias, desvendar anseios e traduzir
esse mundo subjetivo para o nosso corpo técnico", explica. O objetivo, é claro, é agradar sempre.
Para isso, nessas investigações, os pesquisadores tentam entender o funcionamento da memória olfativa, formada pela associação de cheiro e de sabor com momentos da história pessoal.
Quem não se lembra com felicidade dos quitutes da infância que
enchiam a cozinha de cheiros deliciosos a ponto de nos fazer correr de onde estivéssemos para a beira do fogão? Apenas uma lembrança pode ser suficiente para começar a salivar.
Segundo pesquisadores, comer um desses quitutes novamente
-ou algo com o mesmo sabor- pode abrir gavetas esquecidas
na mente e fazer reviver sensações. "É um gatilho para a volta no
tempo. Podemos acionar estímulos positivos ou negativos, dependendo das experiências vividas. Não sabemos ainda como isso funciona, mas temos certeza de que é possível", diz Catarina.
Segundo a química, a explicação para que muitos pratos prontos
não façam sucesso entre os consumidores pode estar na memória
olfativa. "Eles não resistem à comparação com a comida caseira."
Perpetuar sensações
O que a indústria de aromas parece ter
descoberto é que as pesquisas, até então comuns à sua divisão de
perfumaria, poderiam ser muito úteis na área da alimentação. A
IFF, por exemplo, cria desde a fragrância de um novo perfume
masculino até o sabor de um salgadinho, de uma marca de café
solúvel ou mesmo fragrâncias para produtos de limpeza. A técnica de criação para cada um deles é praticamente a mesma, o que
varia é a sua forma de aplicação.
"O que buscamos é descobrir quais as nuances que mais agradam ao consumidor. Um morango não é só doce ou ácido. Ele
pode ser verde, floral, geléia, polposo", explica a coordenadora de
avaliação sensorial da Givaudan, Giuliana Castro. A empresa, de
origem suíça, atende gigantes como a Unilever. No caso dos alimentos, a percepção sensorial precisa ser mais objetiva do que a
dos perfumes, segundo os especialistas da área.
Mesmo com todas as variáveis, o consumidor tem de reconhecer qual é o sabor ou cheiro que o produto oferece. Se o morango
no iogurte anunciado na embalagem não for percebido, o produto será rejeitado.
Em alguns casos, moléculas aromáticas que nada têm a ver com
alimentos -mas que reproduzem um sabor marcado na memória
olfativa- podem entrar na composição química para acentuar alguma característica, sendo mais ou menos perceptíveis pelo olfato.
As moléculas presentes na fumaça, por exemplo, são usadas tanto
para criar molhos com sabor de churrasco como para dar o gosto
"defumado" a queijos e embutidos.
"Detectamos que as moléculas aromáticas do plástico são altamente prazerosas. As pessoas associam esse cheiro às lembranças
agradáveis da infância, como o do material escolar novo e até o da
piscina montada no jardim", informa o aromista Maurício Poulsen, responsável pela criação de grande parte dos aromas da IFF.
Segundo Catarina Pohl, as preferências surgem, em parte, como
uma forma de perpetuar emoções que determinado momento
proporcionou. "Um jantar em que você foi promovido pode ser
marcado pelo vinho tomado na refeição", diz a pesquisadora.
Segredo industrial
Na indústria do sigilo, entretanto, nada é
confirmado ou descartado. Com a forte concorrência no setor, as
empresas não divulgam suas pesquisas nem abrem suas fórmulas
-a alma do negócio. "Quem descobrir como esses processos de
memória olfativa funcionam estará na frente", afirma Joerg Miller,
aromista da Takasago, multinacional de origem japonesa que
criou o sabor do Yakult.
Nem a associação que reúne 45 empresas do setor sabe avaliar de
quanto é o faturamento desse mercado no país. "Chegamos a US$
113 milhões em 2003, mas, pela falta de transparência, acredito que
esse número seja muito maior. Muitos contratos possuem cláusulas de confidencialidade que impedem a sua divulgação", informa
Bárbara Lajus, gerente executiva da Abifra (Associação Brasileira
das Indústrias de Óleos Essenciais, Produtos Químicos, Fragrâncias, Aromas e Afins).
Tudo indica que esse mercado tende a crescer. Com a propagação do marketing olfativo nas empresas, a utilização dos aromas
extrapola a sua principal função para que eles sirvam também como anunciantes e prendam a atenção do consumidor.
Em sua campanha de Natal do ano passado, a Bauducco apostou
no marketing olfativo para promover o seu novo panetone. Em algumas salas de cinema de São Paulo, cada vez que o comercial do
produto era exibido na tela, o aroma do pão era lançado no ar. "Enquanto algumas pessoas se sentiram enjoadas com o cheiro, outras
saíram do cinema com água na boca, querendo provar o produto
na saída", conta Vanice Zanari, diretora da Croma, empresa que
executou a ação.
Esse é um exemplo de como as reações emocionais podem ser diferentes. "Não é possível agradar a todos porque a memória olfativa é individual, formada por nossas experiências pessoais somadas
a fatores geográficos e culturais do local em que vivemos", explica
Catarina Pohl, da IFF.
No Brasil, quanto mais se avança para o norte, maior a preferência por sabores intensos e mais doces, segundo os especialistas no
assunto ouvidos pelo Equilíbrio. Aliás, pela diversidade étnica em
nosso país, somos considerados um dos povos mais abertos às novidades em relação aos outros países da América Latina, que têm
um perfil mais conservador.
Sabor direcionado
Para agradar ao maior número de pessoas,
sem erro, as empresas focam seus produtos em nichos de mercado.
Aromas específicos já são criados para determinada faixa etária,
região geográfica e até comportamento social. O sabor das bebidas
energéticas foi feito especificamente para os modernos, adeptos de
uma vida social agitada, que gostam de sair à noite. "O sabor causou estranheza no início, quando os energéticos foram lançados,
mas estão plenamente aceitos", diz Giulina Castro. E a psicologia
estuda como reagimos aos estímulos em cada fase da vida.
Segundo a psicóloga experimental Nielse Bergamasco, a partir da
sétima semana de gestação, o embrião começa a desenvolver suas
percepções sensoriais. As papilas gustativas aparecem e, com elas,
o reconhecimento do sabor doce. "O próprio líquido amniótico é
adocicado", diz a pesquisadora, que analisou, nos últimos dois
anos, as reações de mais de 60 bebês às mais variadas substâncias e
suas preferências.
Nessa primeira fase da vida, o bebê adora o sabor doce, cospe o
amargo e faz cara feia para o ácido. A percepção do salgado só vai
se manifestar depois de desmamar. Até os cinco anos de idade, as
tradições sensoriais da mãe são
passadas ao filho. "Por isso,
quando um produto se torna
habitual, é muito difícil desbancá-lo", diz Poulsen, da IFF.
Quimiofobia
Mas se os efeitos sensoriais estão em estudo,
o impacto do consumo desses
aditivos na saúde também não
está claro, pelo menos para os
consumidores. Muitos compram produtos com aromas
naturais acreditando serem
mais saudáveis que os artificiais, o que não é necessariamente verdade. "Não há provas
de que o metabolismo das substâncias artificiais pelas células
seja melhor ou pior do que o
das naturais", diz o aromista da
Givaudan Julian Harada.
"Os aromas naturais são os
mais caros, em razão dos métodos de produção, que são mais lentos e de baixo rendimento", explica o aromista da IFF, Mauricio
Poulsen. No entanto são os preferidos das empresas. "A indústria
de alimentos foge da inscrição "artificial" no rótulo dos seus produtos por conta da "quimiofobia" que existe entre os consumidores",
afirma Gláucia Pastore, bioquímica responsável pelo Laboratório
de Bioaromas da Unicamp. Fica fácil entender por que a maior
parte do público não conhece as empresas que desenvolvem essas
substâncias.
Porém, independentemente de ser natural ou artificial, quando
uma molécula nova é descoberta e a sua viabilidade para o uso em
aromas é confirmada, o primeiro passo é encaminhá-la para testes
de toxicologia em instituições de saúde ou pesquisa independentes. Apenas substâncias consideradas Gras -a sigla em inglês para
"geralmente reconhecida como segura"- podem ser usadas.
No Brasil, esses testes não são feitos. "Avaliações dos efeitos para
a saúde dessas substâncias são caras e demandam tempo. A legislação brasileira segue as recomendações do Codex Alimentarius [organismo internacional formado por representantes da ONU
-Organização das Nações Unidas- para a Agricultura e a Alimentação e pela Organização Mundial da Saúde] e do FDA [órgão
de saúde americano]", informa o gerente-geral de alimentos da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Cleber Ferreira
dos Santos.
Para receber a autorização da Anvisa, as empresas submetem a
fórmula e uma amostra do aroma a institutos nacionais -como o
Adolfo Lutz-, que fazem o trabalho analítico e atestam se as substâncias utilizadas estão entre as permitidas pela legislação brasileira. Se tudo estiver dentro dos conformes, a produção industrial é
iniciada e, em pouco tempo, o aroma será o gosto de mais uma novidade nos supermercados, oferecido para degustação por simpáticas promotoras de venda. "O senhor gostaria de provar?"
Texto Anterior: Alecrim Próximo Texto: Os "top 5" do paladar Índice
|