São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004
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Soluções inventivas à mão

Criatividade e tecnologia facilitam o dia-a-dia dos portadores de deficiência

LUANDA NERA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O deficiente visual Antonio Carlos Barqueiro já perdeu as contas de quantas vezes passou pela constrangedora experiência de ganhar objetos que não têm para ele a menor utilidade. "Já fui presenteado com relógios comuns que, para mim, não servem para nada. É claro que fico sem graça, mas procuro levar na brincadeira", conta Barqueiro.
Exemplos como esse serviram de motivo para que a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual Laramara inaugurasse, no mês passado, a Laratec, uma loja de equipamentos que facilitam o dia-a-dia das pessoas que não enxergam ou têm pouca visão. Relógios, calculadoras e termômetros que falam, acessórios que permitem identificar luzes acesas ou apagadas e artefatos para cozinhar são alguns dos produtos oferecidos. Na associação, há também a Brincanto, loja especializada em brinquedos, jogos e livros para crianças com deficiência visual. A novidade principal dessas lojas não são os produtos, mas os preços. Os importados são quase inacessíveis à população menos abastada. Maria Elisa Nagashima, proprietária da MN, uma loja que oferece produtos adaptados importados, argumenta que os impostos para esses produtos são responsáveis por 80% do preço pago pelo consumidor. Não há uma taxação específica para esse tipo de material. Segundo a empresária, um prato com design específico para facilitar a vida de um deficiente -com aparador, por exemplo, para evitar que a comida caia- exige o mesmo imposto de um prato comum. "Sei que é possível adaptar materiais, mas acho que o deficiente tem direito a ter acesso aos produtos de melhor qualidade, até esteticamente mais bonitos. O ideal é barateá-los", concorda. Por isso são milhares os brasileiros com algum tipo de deficiência que também buscam soluções criativas e caseiras -e, se possível, não muito caras- para melhorar a qualidade de vida e garantir independência no dia-a-dia. A terapeuta ocupacional Adriana Klein, do ambulatório que trata de disfunções neuromusculares da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), defende que soluções simples podem transformar para muito melhor a vida de quem tem algum tipo de deficiência. Colocar um sabonete numa meia-calça para facilitar o banho, usar uma argola de chaveiro no zíper para dar autonomia na hora de vestir ou um apoio de partitura para ajudar na leitura são soluções que podem garantir essa independência. "Ou adaptamos os materiais ou não há como reabilitar os pacientes. Os produtos importados ainda são de difícil acesso. Improvisar e ser criativo são requisitos básicos em nosso trabalho." Com cerca de R$ 1.000, Adriana e sua equipe montaram uma oficina de produtos adaptados na universidade. Especializada em reumatologia, ela também estimula seus pacientes a encontrarem soluções próprias. É esse o caso de Osvaldir de Lima, portador de uma doença neuromuscular degenerativa que precisa do auxílio da cadeira de rodas para se locomover. A experiência como soldador fez com que Lima colocasse seu conhecimento para criar seu principal instrumento de independência: um elevador que o transporta diretamente da rua para a sala de sua casa, espaços que são separados por uma escada de 28 degraus. Sem condições de pagar quase R$ 30 mil pelo equipamento que existe no mercado, ele fez um desenho e pediu à empresa em que trabalhava que fabricasse o elevador. O custo? R$ 3.500. "Quando não consigo fazer alguma coisa sozinho, logo começo a pensar em objetos que possam me ajudar. Toda idéia que tenho, eu passo para a terapeuta para que ela possa orientar outros pacientes também", diz Lima.

Investimento em pesquisa
Algumas empresas já começaram a trabalhar com tecnologia nacional e, assim, conseguiram diminuir o preço para o consumidor. É o caso do telefone residencial Surtel 2, o primeiro desenvolvido no país para auxiliar a comunicação dos deficientes auditivos. O aparelho foi criado pela Koller&Sindicic, em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), e pode ser adquirido por meio de financiamento do banco Nossa Caixa. O aparelho custa em média R$ 800.
Uma opção barata e acessível para quem não pode adquirir um aparelho de telefone especial é utilizar o serviço oferecido em São Paulo pela Telefônica, o Siso (Serviço de Intermediação Surdo-Ouvinte). O sistema auxilia tanto o deficiente auditivo (que pode utilizar um dos 405 telefones públicos adaptados em todo o Estado) quanto quem quer se comunicar com ele (por meio do número 1402). O serviço é gratuito e funciona 24 horas por dia.
O computador é também um dos responsáveis pela inclusão de deficientes na hora de oferecer serviços para o dia-a-dia. A psicóloga Márcia Benevides, deficiente visual, atua no departamento de recursos humanos do IBDD (Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos dos Portadores de Deficiências) e tem o software Dos Vox como ferramenta indispensável.
O criador e responsável pelo software é o professor Antônio Borges, do núcleo de computação eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que, desde 1993, pesquisa novas formas de colocar a informática a serviço dos deficientes visuais: "O sistema não exige nenhum equipamento específico e qualquer um pode adquiri-lo gratuitamente pela internet". O programa converte em voz as informações que aparecem na tela. Apesar de existir há mais de dez anos, o software Dos Vox é usado só por 5% da população cega do país.
Sistema semelhante ao Dos Vox foi desenvolvido por engenheiros da Fundação Paulo Feitoza. Trata-se do projeto "Leitor para Cegos": qualquer texto, ao ser transferido para o computador por meio de um scanner, é reconhecido pelo programa e convertido em voz.
Referência internacional em diagnóstico e reabilitação de crianças deficientes, a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) produz próteses e materiais de adaptação com alta tecnologia. Segundo Antonio Carlos Fernandes, diretor clínico da instituição, a filosofia é fazer com que a população mais pobre também tenha acesso a equipamentos adequados. "Isso é possível porque investimos em materiais nacionais e alternativos", afirma.


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