São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005
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Entrevista

Economista faz doutorado sobre o significado e a medida de ser feliz

Doutor felicidade

CEJANA MONTELO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Dinheiro traz felicidade? O economista alemão Johannes Hirata sempre duvidou do senso comum e resolveu se aprofundar no assunto. Com a ajuda da psicologia, da filosofia e da matemática, ele está fazendo seu doutorado sobre o tema "felicidade". Hirata é da Universidade de St. Gallen, Suíça, mas fica no Brasil até o final do ano como professor convidado do Ibmec São Paulo.


Os países mais felizes são os nórdicos, além da Irlanda e da Holanda. Os países da América Latina, em geral, estão bem e variam de 6,5 a 7 pontos numa escala de 0 a 10


Filho de um japonês e uma alemã e casado com uma brasileira, Hirata fala cinco idiomas. Aos 28 anos de idade, ele está concluindo o doutorado e pesquisa o papel da felicidade como objetivo das políticas de desenvolvimento.
 
Folha - Quais países adotam a felicidade como referência de desenvolvimento?
Johannes Hirata -
O Butão é o único país que faz isso de forma sistemática. O rei Singye Wangchuck adotou o conceito de Felicidade Interna Bruta ou FIB na década de 70 e, desde então, as políticas públicas são adotadas com o objetivo de aumentar a felicidade da população. Os ingleses também valorizam o tema e recentemente aprovaram uma lei que autoriza as cidades a investir em programas de fomento ao bem-estar subjetivo da população.

Folha - Quais são os critérios para medir a felicidade?
Hirata -
Não dá para medir a felicidade, que é um conceito filosófico complexo, mas dá para medir um conceito psicológico vinculado, o bem-estar subjetivo. Existem estudos validados por testes metodológicos. Um deles, por exemplo, avalia quanto a pessoa é feliz numa escala de 0 a 10, dentro de uma perspectiva de vida inteira e não sob um aspecto específico.

Folha - O que é felicidade?
Hirata -
Na minha opinião, é o sentimento de aprovação pessoal sobre a vida que se leva. É diferente do prazer, que é só afetivo, pois reúne aspectos cognitivos também. Um exemplo é a experiência de apreciar um jantar. Você pode sentir prazer porque a comida é boa, mas, se você souber que é carne de caça de uma espécie em extinção, a sensação de prazer não se transforma em felicidade. Se não há aprovação ética da experiência, o prazer não vira felicidade.

Folha - Os estudos confirmam a idéia de que o brasileiro é um povo alegre?
Hirata -
O brasileiro tem uma atitude mais positiva diante da vida, e isso se traduz numa vocação para ser mais feliz. Um alemão, por exemplo, nas mesmas condições que um brasileiro, estaria bem menos feliz.

Folha - As denúncias sobre corrupção afetam a felicidade da população?
Hirata -
Difícil ter uma resposta precisa, mas, intuitivamente, eu diria que isso pouco afeta o grau de felicidade. Até porque os acontecimentos criaram um sentimento gregário, de comunidade e mobilização contra essa onda de corrupção. A crise permite culpar "os outros" -os políticos- por todos os problemas, e isso faz com que os cidadãos se sintam menos responsáveis por esse caos.

Folha - O sistema político influencia a felicidade das pessoas?
Hirata -
Comprovou-se que o grau de participação da população nas decisões de um país está diretamente relacionado à felicidade. A Suíça, onde os cidadãos podem decidir sobre vários assuntos da vida pública, é avaliada como um dos países mais felizes.

Folha - Os mais ricos são mais felizes?
Hirata -
Não há vínculo causal entre riqueza e felicidade. As causas para ser feliz são família, saúde, sentimento de segurança, direitos respeitados, estabilidade no emprego, prazer no trabalho, tempo livre e justiça.

Folha - Quem está rindo à toa?
Hirata -
Os países mais felizes são os nórdicos, além da Irlanda e da Holanda. Os menos felizes são os países ex-comunistas que tiveram uma perda grande no padrão de vida nos últimos 15 anos. O menos feliz, segundo vários estudos, é a Moldova, no Leste europeu.

Folha - E o Brasil é feliz?
Hirata -
Os países da América Latina, em geral, estão bem e variam de 6,5 a 7 pontos numa escala de 0 a 10. Há surpresas, como a Colômbia, que está na frente do Brasil e até do Japão, apesar da gravidade dos problemas com o narcotráfico e as guerrilhas.

Folha - Há uma fase da vida mais favorável à felicidade?
Hirata -
Em geral, as crianças e os jovens são mais felizes, mas, na Inglaterra, já se constatou que quando eles passam do ensino fundamental para o médio ficam menos felizes. Poderia ser a puberdade, mas isso não foi confirmado. Outro resultado desses estudos é que a geração que hoje está entre 40 e 50 anos de idade é menos feliz. Esse é um dado mundial, mas não se sabe se essa tristeza é por causa da idade ou porque essa realmente foi uma geração historicamente menos feliz.

Folha - Estado civil também influencia?
Hirata -
Os casados são mais felizes, mas existe aí um dilema: o casamento contribui para a felicidade ou as pessoas se casam porque são mais felizes? Obviamente, pessoas mais felizes têm mais facilidade para se relacionar. O estudo da relação entre o estado civil e a felicidade provou que o divórcio tem um efeito forte e prolongado de infelicidade.

Folha - Qual é a receita da felicidade?
Hirata -
Não existe, é claro. Intuitivamente, eu diria que é fazer coisas que você valoriza, porque aí a felicidade será uma conseqüência. O que eu sei é que buscar a felicidade de forma direta e obsessiva não funciona.


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