São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2005
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Alimentação

Médicos e nutricionistas divergem sobre os riscos e as vantagens do consumo de leite de vaca, a mais conhecida fonte de cálcio

Leite de beber?

ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Da troca do leite materno pela mamadeira até a vida adulta, o consumo de leite de vaca é um hábito considerado tão saudável e indispensável que seus benefícios são indiscutíveis, certo? Não é bem assim. Está oficializada a polêmica: de um lado, alguns especialistas condenam o alimento sob alegação de que ele pode provocar, entre outras doenças, rinite, bronquite, gastrite e até câncer; de outro, a maioria dos médicos defende o consumo da bebida e alerta para os perigos de riscar a substância da alimentação.
"O organismo não está preparado para processar uma substância [a lactose, o açúcar do leite] que não foi feita para a nossa natureza. O leite de vaca é excelente para os bezerros", diz a nutricionista clínica Denise Madi Carreiro, da clínica Gastromed, em São Paulo.
Segundo Carreiro, a lactase, enzima do organismo responsável por quebrar a lactose, não consegue dar conta do consumo excessivo dessa substância, fazendo com que o leite seja mal digerido. "Como ela não foi totalmente processada, o organismo não reconhece essa substância como nutriente e passa a combatê-la como se fosse um agressor." Como conseqüência, segundo a nutricionista, são produzidos anticorpos, substâncias pró-inflamatórias e histaminas que combatem esse agressor e também atingem outros órgãos, desencadeando processos inflamatórios como rinite, bronquite, sinusite e dermatite.
Dessas doenças, a engenheira eletrotécnica Luciana Cristina da Silva Nassif, 30, tinha todas, além de constantes cólicas e dores de cabeça. Em consulta com uma nutricionista, Luciana foi alertada para o fato de esses sintomas poderem ser causados pelo consumo de leite.
"Num primeiro momento, não acreditei que tudo isso era só por causa do leite e continuei consumindo a bebida normalmente. Depois que fiz a cirurgia bariátrica, fiquei um mês sem comer queijo nem tomar leite. A diferença foi gritante. Há nove meses não tomo mais nenhum dos remédios aos quais estava habituada. Existe um mito de que o leite faz bem", afirma a engenheira.
"O consumo excessivo é, sim, prejudicial à saúde", diz a nutróloga e reumatologista Sylvana Braga. O cálcio fortalece os ossos, mas também pode calcificar outros pontos, causando bursite, cálculos e agravando quadros de arteriosclerose, segundo a reumatologista.
A ingestão diária recomendada (IDG) de cálcio é entre 800 mg e 1.000 mg, no entanto, especialistas ouvidos pela Folha afirmam que o ideal é subir a média para 1.200 mg diariamente -para adultos. O leite desnatado concentra maior quantidade de cálcio do que o integral: uma xícara possui 302 mg e 297 mg, respectivamente.
Já o leite de cabra é mais rico em cálcio do que o de vaca e possui menor potencial alergênico. "Ainda existem aqueles leites com baixíssimo teor de lactose. Uma boa alternativa é o leite de soja", diz o gastroenterologista Flávio Steinwurz, do hospital Albert Einstein.
É farta a oferta de estudos que contestam os benefícios do leite e sugerem que seu consumo constitui até um risco para o desenvolvimento de câncer, principalmente os de próstata, cólon, intestino, mama e ovário -muitos deles publicados pela Sociedade Americana de Nutrição Clínica. "Mas são pesquisas iniciais, ainda sem confirmação definitiva", afirma Steinwurz.
Defensora do leite, a professora de nutrição da USP Jocelem Salgado é enfática: "Com exceção de alérgicos ou intolerantes à lactose, retirar o leite da dieta é modismo", afirma.


O leite de cabra é mais rico em cálcio do que o de vaca e possui menor potencial alergênico


Para o nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), Durval Ribas, são muitos os mitos acerca do leite, porém seus benefícios são inquestionáveis: além de fornecer vitaminas, auxilia a formação óssea e ajuda a prevenir a osteoporose. "As únicas pessoas que não devem consumir leite são as que têm alergia ou intolerância", afirma. Essa intolerância se deve, segundo Ribas, a uma gradativa diminuição das enzimas responsáveis por quebrar a lactose. As conseqüências são flatulência, má digestão e intestino solto.
A partir dos 40 anos, 70% das pessoas têm essa intolerância à lactose em maior ou menor grau, de acordo com o gastroenterologista Flávio Steinwurz. Acima dos 60 anos, mais de 80% da população possui essa deficiência.
Foram oito anos convivendo diariamente com enjôos e diarréias até que um médico suspeitasse que a assistente odontológica Sara Augusta Sales de Oliveira, 44, tinha intolerância à lactose. "Tive de cortar todo o leite. Não posso nem ingerir comprimidos, pois são revestidos com uma camada de lactose", diz.
E são as pessoas mais sedentas pelo líquido as que mais se prejudicam pelo seu consumo diário, segundo a nutricionista Denise Madi Carreiro, "pois a atividade inflamatória decorrente da não-digestão completa do leite é um processo de anos de consumo excessivo".

CRIANÇAS
A polêmica sobre o consumo de leite inclui os pequenos. "A criança precisa do leite materno e só", afirma Carreiro. Mas e se o bebê não puder se amamentar com o leite da mãe? "Existem compostos lácteos especialmente para esse fim", afirma a nutricionista.
A nutróloga e reumatologista Sylvana Braga refuta o consumo do leite entre adultos, mas bate o pé quando o assunto é defender o consumo dessa bebida na fase de crescimento. "Depois da idade adulta, o leite perde a função de construtor", afirma.


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