São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2005
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Entrevista

Psiquiatra da Universidade do Texas fala sobre a relação entre dor física e depressão

Tristeza que dói no corpo

MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

A depressão pode causar dores físicas crônicas ou são as dores físicas crônicas que levam à depressão? Segundo o psiquiatra cubano Pedro Delgado, presidente do Conselho do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, as duas afirmações estão corretas. O psiquiatra é um dos coordenadores de uma pesquisa sobre dor e depressão apresentada no último encontro da APA (Associação Americana de Psiquiatria), em Atlanta (EUA). A pesquisa foi encomendada pelos laboratórios Eli Lilly e Boehringer, em função do lançamento de um novo antidepressivo (cloridrato de duloxetina) que promete aliviar sintomas físicos e emocionais.


De acordo com estudos recentes, em algum momento da vida, cerca de 25% da mulheres e 10% dos homens terão algum transtorno de depressão


Foram realizadas entrevistas com 377 pessoas com diagnóstico de depressão, 375 clínicos-gerais e 381 psiquiatras em cinco países: Brasil, Canadá, México, Alemanha e França. A pesquisa revelou, entre outras coisas, que 72% dos pacientes não acreditavam que dores físicas pudessem estar associadas a depressão. Leia a seguir trechos da entrevista com o psiquiatra Pedro Delgado, feita durante o encontro em Atlanta.
 
Folha - Qual é a relação entre dor física e depressão?
Pedro Delgado -
É importante entender que é uma relação que vai nas duas direções: dores e enfermidades físicas podem causar depressão, e a depressão aumenta a capacidade de ter outras enfermidades. Quando se tem as duas coisas, é sempre pior se tratar somente uma, e não a outra.

Folha - Por que a escolha desses países para fazer a pesquisa?
Delgado -
São países grandes, representativos de várias partes do mundo. Há um interesse de estudar mais países. Estamos fazendo um estudo mundial, mas ainda não temos os resultados. Agora, o que se vê é que a prevalência de depressão nos países estudados é mais ou menos parecida. Em algum momento da vida, aproximadamente 25% da mulheres e 10% dos homens terão algum transtorno de depressão.

Folha - Qual o motivo dessa diferença entre homens e mulheres?
Delgado -
Não se sabe. Antes da puberdade, a incidência é mais ou menos igual. É difícil de provar, mas o que se pensa é que, na puberdade, o estrógeno e muitos dos hormônios que as mulheres têm mudam a sensibilidade dos neurônios relacionados à depressão.

Folha - Quais são as principais causas da depressão?
Delgado -
São uma combinação de fatores. Cerca de 35% do risco para depressão é genético e 65% vêm de transtornos que se tem na vida, como o estresse. Há também outros fatores, como o abuso de substâncias como o álcool e a cocaína, que modificam os neurônios, deixando-os mais frágeis. Enfermidades físicas como diabetes e transtornos cerebrais ou cardiovasculares também aumentam a fragilidade dos sistemas do cérebro que lidam com as emoções. Em diferentes pessoas, pode haver combinações de fatores que chegam ao mesmo ponto.

Folha - O estilo de vida pode influenciar na depressão?
Delgado -
O estilo de vida e a espiritualidade podem mudar a maneira como a pessoa lida com o estresse. Se uma pessoa é muito espiritualizada, tem uma religião, vai ter uma reação muito diferente em um momento de estresse do que a de uma pessoa que não tem isso.

Folha - Como é a incidência de depressão em países menos desenvolvidos que participaram da pesquisa?
Delgado -
Nesses países, o sistema de saúde não é tão desenvolvido. E, às vezes, o estigma é pior em países menos desenvolvidos. Não faz muito tempo que nos Estados Unidos não se podia falar nisso. Imagino que, em muitos lugares do mundo, ainda não se possa falar nisso porque começam a pensar que a pessoa é débil. É importante reconhecer o que é depressão e o que não é e que há tratamentos que podem ajudar. O segundo problema é quando a pessoa sabe que tem depressão e quer se tratar, mas não há aonde ir.

Folha - No Brasil, muitas vezes há abuso na utilização de medicamentos para depressão.
Delgado -
Os medicamentos não são os únicos tratamentos para a depressão, e a psicoterapia tem muita eficácia. Mas, quando comparamos um grupo de adultos que têm depressão sem tratamento e outro grupo de adultos que tomam antidepressivos sem precisar, vemos que os pacientes com depressão sofrem mais, têm mais enfermidades, faltam mais ao trabalho e morrem mais. É importante analisar até que ponto é melhor tomar um medicamento. Há vezes em que o custo com a psicoterapia é maior do que com os medicamentos, então a pessoa opta pelo medicamento, mas a psicoterapia possivelmente seria melhor.

Folha - O que mudou na forma como a depressão é encarada hoje?
Delgado -
O conhecimento das causas e dos tratamentos não tinha amadurecido muito até os últimos 20, 40 anos. Há 20 anos, não se entendia que a depressão era tão crônica como hoje entendemos ser. E também não se sabia como lidar bem com os antidepressivos. Havia mais polarização. Nos anos 80, alguns dos meus professores diziam que não podíamos usar a medicação em depressão porque isso tirava a dor, e a dor é que dava a motivação para o paciente mudar sua vida. Isso é completamente errado. Quando nos sentimos melhor, podemos mudar a vida, temos mais interesse. A psicoterapia em combinação com medicamentos é sempre melhor do que a terapia sozinha ou do que o medicamento sozinho.

Folha - Tratamentos complementares como meditação e ioga podem ajudar?
Delgado -
Há poucos estudos nessa direção, mas os que foram feitos apresentam um pouco de efeito positivo. Hoje em dia, acredita-se que a meditação, a espiritualidade e outros fatores ajudam a pessoa a manejar o estresse, usando outra maneira de pensar e técnicas de respiração para baixar a ansiedade. Isso tem um efeito no cérebro que serve como uma proteção contra o estresse.

O jornalista Marcos Dávila viajou a convite dos laboratórios Eli Lilly e Boehringer.


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