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s.o.s família - rosely sayão
Pais ensinam que pessoas estão à venda
A mãe de um adolescente convida o filho
para ir ao cinema. Ele tem outros planos e
resiste. A mãe, que quer muito a companhia
dele, saca então uma estratégia poderosa para
tentar convencê-lo: "Vamos, que depois passamos no shopping e compro o CD que você
quer". Ele reage bem à altura da proposta da
mãe e responde que topa só que, em vez de
um CD, quer cinco. Ela desistiu de "comprar" a presença do filho porque estava ficando caro demais.
Os pais usam muito esse recurso de propor
presentes ou dinheiro em troca de um comportamento desejado, de um esforço necessário ou do controle de uma vontade imperiosa. Conheço uma mãe que, sem saber
mais o que fazer para tentar acalmar os ânimos dos filhos que brigavam constantemente entre si, propôs pagar pela paz. A cada dia
sem brigas, cada um deles embolsava R$ 10.
Um pai, na tentativa de estimular o bom desempenho escolar do filho que estava a caminho do vestibular, não teve dúvidas: fez com
o filho um contrato. A cada nota acima de 7,
ganharia uma determinada quantia de dinheiro pago em dólar, para ser mais promissor; em compensação, a cada nota abaixo do
limite estabelecido, era o filho quem pagava
ao pai. E muitos pais prometem a viagem tão
desejada pelo filho ou um outro mimo qualquer desde -é claro- que o rendimento escolar no ano seja bom.
Se a atitude funciona, ou seja, se a finalidade
perseguida pelos pais é alcançada, qual o problema em usar esse tipo de recurso, que parece
tão inofensivo, a não ser para o bolso? Muitos,
muitos são os problemas que decorrem dessa
barganha usada na educação, dessa transação
comercial, chamemos assim. E o primeiro é
que raramente funciona. Mas o pior é que,
mesmo não funcionando, os pais insistem.
Por que será?
Porque vivemos na era do consumo e os pais
fazem parte dessa cultura, mesmo quando
não a aprovam. Consumimos objetos materiais, consumimos educação, cultura, arte, lazer, medicina, beleza etc. Assim, não parece
nada estranho usar o mesmo conceito em
busca da educação do filho: já que está bem difícil impor aos filhos a obediência, os pais tentam comprá-la. O problema maior é que, nesse tipo de atitude, pessoas são confundidas
com objetos. Quem é comprado aprende a
comprar, quem é transformado em objeto de
consumo aprende a dar mais valor à relação
com os objetos do que à relação com as pessoas. Desse modo, crianças e jovens passam a
achar que tudo -ou melhor, todos- está à
venda. Querem alguns exemplos?
Uma professora de ensino médio entrou para dar sua aula, por sinal a última do período.
Os alunos estavam muito mais a fim de ir embora do que de assistir à aula e deixaram isso
bem claro à professora. Como ela não desistiu,
eles decidiram dar um fim ao problema do jeito que consideraram o melhor para ambas as
partes: arrecadaram uma quantia em dinheiro
-o equivalente ao pagamento de uma hora/
aula- e deram a ela. Assim, disseram eles, ela
podia ir embora sem ter prejuízo nenhum.
Uma amiga, que é educadora, estava fazendo
suas compras em um supermercado em horário de intenso movimento. As filas nos caixas
estavam enormes, e ela esperava sua vez. Logo
atrás dela, um grupo de jovens de mais ou menos 18 ou 19 anos logo encontrou uma saída
para acabar com a espera: ofereceram a ela R$
2 para passarem na frente.
É bem mais fácil espantar-se e indignar-se
com essas atitudes quando elas são praticadas
por jovens, não é mesmo? Mas elas foram
aprendidas e repetem as dos adultos; apenas
são aplicadas aos interesses típicos deles.
Claro que a educação dos pais não vai livrar
os filhos dessa importância que o consumo
tem nos dias de hoje. Mas também já basta toda a estimulação que há. Os pais bem que podem dar uma educação mais crítica nesse sentido, mas, para tanto, é preciso ser coerente e
não tentar transformar comportamentos do
filho em objeto de compra e venda.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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