São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002
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Jeans, pilhas e tintas "verdes" são alguns dos produtos que inauguram a era dos ecológicos industrializados

Marcas consagradas lançam versão "eco"


Frutos da andiroba, ingrediente ativo usado em produtos da linha Ekos, da Natura


RODRIGO GERHARDT
FREE-LANCE PARA FOLHA

Depois dos alimentos orgânicos, chega a vez de outros ecoprodutos ganharem espaço nos supermercados e no comércio em geral. Esses novos "verdes" são uma versão ecológica de produtos industrializados já conhecidos do consumidor, o que promete pôr fim à idéia de que o ecológico é "alternativo", ou seja, produzido artesanalmente -ou quase- e vendido em pontos-de-venda especializados.
Os produtos verdes de marcas consagradas, que vão de lápis de cera e post-it a filtro de café, são investimentos de indústrias arrojadas que apostam no novo filão de mercado: o do consumidor consciente. Com isso, entenda-se o cidadão que, na hora da compra, leva em conta não apenas o critério de qualidade do produto, mas se o processo de produção respeita o ambiente e se a empresa contribui com o social.
Você, leitor, já pensou sobre a forma como você consome? Consumir de forma consciente faz parte dos seus valores? Você seria uma pessoa mais feliz se tivesse mais do que possui? As respostas a essas questões, incluídas na pesquisa do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente divulgada na semana passada, revelaram que 20% dos entrevistados têm maior reflexão sobre o consumo.
"Uma em cada cinco pessoas faz uma reflexão maior, o que é muito", diz Hélio Mattar, presidente do Akatu. A pesquisa também procurou avaliar o quanto as pessoas acham que suas ações geram impacto positivo sobre o mundo, sobre a cidade e sobre a própria vida.
O resultado: 52% acham que, em relação ao mundo, seu comportamento impacta pouco ou nada; em relação à própria cidade, as opiniões se dividem em torno de 47%; no que se refere à vida, a percepção de impacto aumenta -75%-, mas 21% não conseguem se perceber agindo positivamente em prol da própria vida. No final das contas, o que se conclui é que "as pessoas estão preocupadas com essa questão, mas não estão ocupadas, ou seja, estão sem ação", diz Mattar.
Se uma condição para agir como um consumidor consciente é ter a opção de compra na loja, ela já começa a surgir, ainda que timidamente. Entre os mais novos produtos está o tradicional filtro de café Melitta, que acaba de lançar o Eco. Feito com a celulose em sua cor natural, o produto não sofre o processo de branqueamento e, assim, o volume de resíduos químicos gerado é reduzido.
"Em quatro meses, fechamos toda a meta de vendas prevista para 2002, sem nenhum investimento em marketing. O produto andou sozinho e já ocupa 2% do mercado", diz a assistente de marketing da Melitta, Caroline Soares. Na Alemanha, sede da empresa, 70% dos filtros produzidos já utilizam o processo de fabricação do Eco, e a intenção é que essa participação também se repita no Brasil.
Além de agredir menos a natureza, as versões ecológicas são iguais às suas formas tradicionais no que se refere a design e modo de usar o produto. E a maioria ainda não traz muita informação para o consumidor sobre os seus atributos ecológicos.
Bandejas, petisqueiras, porta-guardanapos e tábuas de carne feitos só de madeira certificada é o lançamento previsto para o ano que vem pela Tramontina, fabricante de móveis, ferramentas e utensílios domésticos. Ela já usa matéria-prima certificada, oriunda de áreas de reflorestamento, para fabricar algumas peças, como cabos de talheres. O objetivo inicial era o mercado internacional, onde a exigência de certificação é requisito fundamental. No Brasil, a empresa começou a vender o produto no ano passado. "E não tivemos nenhum resultado. Como esse tipo de matéria-prima é mais caro do que o tradicional, o produto final certificado chega ao consumidor 10% mais caro, e ele acaba desistindo. Mesmo assim, vamos insistir", diz o diretor da empresa, Luiz Ongaratto.
"O Brasil ainda está dez anos atrás da Europa e dos Estados Unidos. Falta visão mercadológica. Se as empresas fossem mais ousadas, seriam mais competitivas e ganhariam mais. As que não perceberam as mudanças estão perdendo grandes oportunidades de entrar em um novo filão de mercado altamente lucrativo", diz Heloísa Helena de Oliveira, diretora de comunicação da Conservation International do Brasil, ONG que desenvolve projetos de novos produtos e soluções visando o desenvolvimento sustentável e ganhos para a empresa.
O ecobife ou boi orgânico é o mais novo projeto da ONG, feito com fazendeiros do Pantanal. Nele, não apenas o manejo do gado como todas as atividades das fazendas estão sendo realizadas segundo condições ambientais adequadas, como a redução de desmatamentos e de uso de agrotóxicos. O estudo de mercado já provou que há consumidor para o produto, diz Heloísa Oliveira. Agora, eles buscam os clientes. A Nestlé da Inglaterra já mostrou interesse em levar o ecobife pantaneiro para servir de ingrediente de alimentos infantis.
Nos Estados Unidos, um exemplo de produto clássico cuja versão ecológica faz grande sucesso é o chamado café de sombra. A rede americana de cafeterias Starbucks desenvolveu uma planta de café para ser cultivada à sombra da floresta tropical de Chiapas, no México. Em vez de desmatar as árvores, eles abrem a área por baixo, e a própria floresta dá condições de cultivo, com uso menor de agrotóxico, conta Oliveira. Segundo a Starbucks, com essa iniciativa houve um aumento de 220% da floresta.
Para que um produto seja considerado totalmente ecológico, não basta embalagem verde e inscrição eco. Vários fatores devem ser levados em conta, como o uso de matéria-prima natural biodegradável ou reciclada, o impacto da produção no ambiente e ainda a contribuição da empresa para uma cultura de sustentabilidade, orientando as comunidades locais envolvidas na atividade para que busquem sempre fontes de recursos não-agressivas para a natureza.
"Temos de observar com muita cautela a autodenominação ecológica que algumas empresas dão a seus produtos. No Brasil, não temos uma certificação ambiental ou um selo genérico para todos os produtos. Isso só é feito para a madeira e a agricultura orgânica. A maioria dos produtos não são ecológicos, e sim de baixo impacto ambiental porque utilizam matéria-prima renovável", pondera Márcio Araújo, da ONG Idhea (Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica).


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