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s.o.s. família - rosely sayão
Perguntar pode ser melhor que responder
Adultos que convivem e trabalham com
crianças, principalmente com as pequenas, garantem: elas estão muito mais espertas
atualmente. Não é à toa. Frequentam shoppings e supermercados, assistem à TV, vão a teatros e cinemas, acessam a internet, fazem viagens turísticas nacionais e internacionais, praticam o chamado turismo ecológico, jogam videogame, têm grupos de amigos, frequentam a casa deles e convivem com suas famílias e prestam a maior atenção em tudo.
Por isso as crianças sempre acham uma resposta bem inteligente e, às vezes, até adulta
quando os pais ou professores impõem alguma regra, indagam sobre algo ou questionam
alguma atitude que elas tomaram. Isso sem
contar as críticas ácidas, mas com bom conteúdo, que fazem aos pais e aos professores e
as perguntas inteligentes e impertinentes que
elaboram. Isso tudo é muito estimulante e ajuda o desenvolvimento da inteligência, mas pode criar a ilusória crença de que elas sabem
quase tudo ou, pelo menos, muita coisa. E isso
contribui para que as crianças percam o desejo de aprender e, consequentemente, o interesse pelos estudos e pela escola.
"Não sei mais o que responder a meu filho,
pois nenhuma informação que dou é suficiente", escreveu uma jovem mãe, com um filho
que ela considera precoce aos cinco anos. Pois
talvez o melhor jeito de ajudar as crianças de
hoje seja justamente dar menos respostas -o
meio já se encarrega de dar estímulos demais
que levam as crianças a conclusões muitas vezes enganosas-- e fazer mais perguntas, de
modo a levar a criança a não se contentar com
as respostas que deduz das aparências e a procurar novos dados.
Há pouco tempo, em uma conversa sobre
sexualidade com um grupo de crianças que
estão entrando na puberdade, perguntei que
dúvidas elas tinham sobre o assunto. As respostas vieram rápidas: elas sabiam tudo, não
tinham dúvidas. Decidi então inverter o papel
e fazer eu as perguntas. A cada resposta que
elas me davam, eu instigava a curiosidade delas propondo diferentes formulações e novas
perguntas. Bastou meia hora para que elas reconhecessem que tinham muito mais perguntas sobre o assunto do que respostas.
Com crianças menores, é a mesma coisa. No
final do ano, uma professora estava contando
uma história de Natal para seus alunos com
idades entre três e quatro anos. Como a história falava em neve, ela perguntou se alguém já
a tinha visto. Imediatamente uma das crianças
disse que sim, que conhecia neve. Quando a
professora perguntou onde esse aluno tinha
visto neve, ele não hesitou em responder que
tinha sido no supermercado, referindo-se
provavelmente a uma dessas decorações que
simulam a neve com espuma ou plástico.
Uma outra professora de alunos com a mesma idade fez comentários sobre o ovo. Vocês
acreditam que nenhuma criança sabia a origem do ovo, mas todas tinham uma resposta
convicta? Uma falou que os ovos caíam diretamente do céu para as caixinhas do supermercado, outra disse que os ovos nasciam debaixo
da terra, como batatas, e outra disse que havia
um depósito de ovos em algum lugar e que os
donos dos supermercados iam lá buscá-los.
O mundo adulto é repleto de dados e de informações que são compreendidos de modo
muito particular pelas crianças. Querem ver?
Para introduzir a noção de problema matemático a seus alunos de seis e de sete anos, uma
professora decidiu partir do conceito que eles
tinham de problema. Sabem o que foi considerado problema por essas crianças? A empregada doméstica faltar, o valor do cartão de
crédito vir muito alto, o pai ficar sem emprego, a mãe ter reunião até tarde...
Talvez nós, pressionados por esse mundo
competitivo, queiramos que nossos filhos e
alunos saibam, aprendam. Mas muito melhor
do que isso é desejar que eles queiram aprender, que eles tenham curiosidade e desejo de
saber. Que eles admitam que não sabem. Que
eles saibam formular boas perguntas em vez
de ter boas respostas.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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