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São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 2003
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s.o.s. família - rosely sayão

Perguntar pode ser melhor que responder

Adultos que convivem e trabalham com crianças, principalmente com as pequenas, garantem: elas estão muito mais espertas atualmente. Não é à toa. Frequentam shoppings e supermercados, assistem à TV, vão a teatros e cinemas, acessam a internet, fazem viagens turísticas nacionais e internacionais, praticam o chamado turismo ecológico, jogam videogame, têm grupos de amigos, frequentam a casa deles e convivem com suas famílias e prestam a maior atenção em tudo.
Por isso as crianças sempre acham uma resposta bem inteligente e, às vezes, até adulta quando os pais ou professores impõem alguma regra, indagam sobre algo ou questionam alguma atitude que elas tomaram. Isso sem contar as críticas ácidas, mas com bom conteúdo, que fazem aos pais e aos professores e as perguntas inteligentes e impertinentes que elaboram. Isso tudo é muito estimulante e ajuda o desenvolvimento da inteligência, mas pode criar a ilusória crença de que elas sabem quase tudo ou, pelo menos, muita coisa. E isso contribui para que as crianças percam o desejo de aprender e, consequentemente, o interesse pelos estudos e pela escola.
"Não sei mais o que responder a meu filho, pois nenhuma informação que dou é suficiente", escreveu uma jovem mãe, com um filho que ela considera precoce aos cinco anos. Pois talvez o melhor jeito de ajudar as crianças de hoje seja justamente dar menos respostas -o meio já se encarrega de dar estímulos demais que levam as crianças a conclusões muitas vezes enganosas-- e fazer mais perguntas, de modo a levar a criança a não se contentar com as respostas que deduz das aparências e a procurar novos dados.
Há pouco tempo, em uma conversa sobre sexualidade com um grupo de crianças que estão entrando na puberdade, perguntei que dúvidas elas tinham sobre o assunto. As respostas vieram rápidas: elas sabiam tudo, não tinham dúvidas. Decidi então inverter o papel e fazer eu as perguntas. A cada resposta que elas me davam, eu instigava a curiosidade delas propondo diferentes formulações e novas perguntas. Bastou meia hora para que elas reconhecessem que tinham muito mais perguntas sobre o assunto do que respostas.
Com crianças menores, é a mesma coisa. No final do ano, uma professora estava contando uma história de Natal para seus alunos com idades entre três e quatro anos. Como a história falava em neve, ela perguntou se alguém já a tinha visto. Imediatamente uma das crianças disse que sim, que conhecia neve. Quando a professora perguntou onde esse aluno tinha visto neve, ele não hesitou em responder que tinha sido no supermercado, referindo-se provavelmente a uma dessas decorações que simulam a neve com espuma ou plástico.
Uma outra professora de alunos com a mesma idade fez comentários sobre o ovo. Vocês acreditam que nenhuma criança sabia a origem do ovo, mas todas tinham uma resposta convicta? Uma falou que os ovos caíam diretamente do céu para as caixinhas do supermercado, outra disse que os ovos nasciam debaixo da terra, como batatas, e outra disse que havia um depósito de ovos em algum lugar e que os donos dos supermercados iam lá buscá-los.
O mundo adulto é repleto de dados e de informações que são compreendidos de modo muito particular pelas crianças. Querem ver? Para introduzir a noção de problema matemático a seus alunos de seis e de sete anos, uma professora decidiu partir do conceito que eles tinham de problema. Sabem o que foi considerado problema por essas crianças? A empregada doméstica faltar, o valor do cartão de crédito vir muito alto, o pai ficar sem emprego, a mãe ter reunião até tarde...
Talvez nós, pressionados por esse mundo competitivo, queiramos que nossos filhos e alunos saibam, aprendam. Mas muito melhor do que isso é desejar que eles queiram aprender, que eles tenham curiosidade e desejo de saber. Que eles admitam que não sabem. Que eles saibam formular boas perguntas em vez de ter boas respostas.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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