São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2001
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O que os outros fazem para driblar o breu

Debate sobre crise mobiliza governos e ONGs dos EUA ao Quênia; as mudanças atingem da indústria aos hábitos do cidadão

Reuters
Livre de cortes de energia, em San José (na Costa Rica), as luzes dos prédios competem com o brilho que vem da lua


DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Desperdício, guerra, seca, falta de planejamento, privatização malconduzida. As razões variam de país para país, mas o resultado é o mesmo: populações forçadas a repensar seus hábitos no consumo de luz para escapar da mais temida consequência da crise energética, os blecautes.
A crise que há duas semanas monopoliza a atenção nacional é mundial e sem data para terminar. O debate chega com atraso ao Brasil, mas as experiências dos países que já se preocupavam com o assunto podem indicar o caminho das pedras. Casos da Argentina, do Quênia, da Iugoslávia e dos EUA, que, nos últimos dois anos, enfrentaram a falta de luz -programada ou não.
E são duas as armas usadas nessa batalha pela defesa da energia: a criação de produtos que garantem eficiência e baixo consumo e a conscientização do usuário para a mudança de hábitos.
Na semana passada, enquanto o brasileiro assistia quase incrédulo às notícias sobre a ameaça do apagão, o presidente norte-americano George W. Bush lançava um novo pacote para encorajar a conservação de energia nos EUA, que incluía assistência financeira para empresas instalarem sistemas de geração mais eficientes e incentivos fiscais para quem tem casa movida à energia solar.
Bush também determinou que os 500 prédios do governo federal na Califórnia mantivessem a temperatura dos ares-condicionados em, no máximo, 26C e desligassem elevadores e escadas rolantes. Desde o ano passado, a Califórnia enfrenta racionamento de energia, com cortes programados no fornecimento. Mas o problema é localizado, causado por falhas no processo de desregulamentação do setor elétrico. O país como um todo pode ser apontado como modelo de consumo racional de energia.
Parece mágica, mas, de 1973 até o ano passado, o gasto per capita de energia se manteve praticamente inalterado nos EUA, apesar de o PIB per capita (Produto Interno Bruto) ter crescido 74%. Ou seja, o americano possui hoje muito mais bens (incluindo eletrodomésticos) do que há 27 anos, mas o consumo de energia não cresceu. Isso foi possível graças ao aumento na eficiência dos eletrodomésticos, que funcionam com cada vez menos energia.
A eficiência dos aparelhos de ar-condicionado, por exemplo, aumentou 56% em 27 anos. A das geladeiras triplicou, mas o gasto médio de energia com esses aparelhos caiu de 1.725 kWh/ano em 72 para 685 kWh/ano em 99.
Não apenas os eletrodomésticos passaram a funcionar melhor. A indústria também fez a lição. Graças à implementação de sistemas de geração mais eficientes, a energia usada na produção de 1 t de aço caiu 25% entre 75 e 94 e 27% para produzir 1 t de papel.
O governo ainda estima que o consumo de energia possa cair 20% até 2020 com a adoção de novas medidas para aumentar a eficiência de equipamentos elétricos.
ONGs dedicadas a educar os consumidores, como a Acee (American Council for an Energy-Efficient Economy), são ainda mais otimistas e calculam uma redução de 33%.
A política de conservação de energia dos EUA serve de modelo porque, à exceção da Califórnia, não coloca em risco o fornecimento de luz nem estabelece limites de consumo individual. Lá economizar energia não significa voltar ao passado nem abrir mão de conforto.
O uso racional implica optar por lâmpadas fluorescentes, que consomem até 75% menos energia do que as incandescentes, e instalar sensores que desligam as luzes automaticamente quando não há ninguém no ambiente.
Entre 90 e 99, a venda de lâmpadas fluorescentes compactas nos EUA aumentou cinco vezes, atingindo a marca de 82 milhões de unidades -dez vezes mais do que o consumo desse produto no ano passado no Brasil.
As incandescentes ainda são campeãs de venda por aqui, pois custam R$ 1,50, contra pelo menos R$ 14 das fluorescentes, que são importadas (alguns modelos chegam a custar R$ 50).
Para inverter o quadro, o governo pretende incrementar os programas de distribuição gratuita de lâmpadas que economizam luz. Em fevereiro de 2000, a Eletropaulo distribuiu 15.190 lâmpadas fluorescentes em três regiões carentes de São Paulo. No Recanto do Paraíso, uma consumidora que fez a troca viu sua conta de luz cair de R$ 31 para R$ 22.
Parte do sucesso do modelo americano de conservação de energia se deve ainda à fixação de limites de eficiência para os eletrodomésticos produzidos no país. O padrão, que vale para 12 aparelhos, gera uma economia suficiente para o abastecimento elétrico de 6,5 milhões de casas.
A partir de 93, eletrodomésticos brasileiros que consumiam pouca energia passaram a receber o selo do Procel (Programa de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica). Mas, como não há limite mínimo obrigatório, fica a cargo do cidadão optar pelos mais econômicos.
Resultado: dos 40 milhões de geladeiras do país, 28 milhões são ineficientes. Para incentivar a compra de modelos novos, o governo federal estuda a possibilidade de oferecer bônus a quem fizer a troca.
A experiência deu certo em Fernando de Noronha (PE). Após intensa campanha, a população da ilha foi convencida a trocar 850 geladeiras e freezers, o que fez o consumo de energia cair 7%.
Voltados para a educação do cidadão, cartilhas e sites produzidos pelo governo e por ONGs orientam o americano a escolher equipamentos eficientes e a evitar o desperdício, com dicas de reformas que diminuem o uso de eletricidade, como a instalação de coletores solares e de termostatos que desligam o aquecedor ou o ar-condicionado quando a temperatura no quarto chega ao patamar desejado.
Projeto de lei que tramita no Congresso americano pretende conceder deduções no imposto de renda de até US$ 2.000 para quem construir casas econômicas.
Se o governo tornar ainda mais rígidos os limites de gasto de energia por eletrodoméstico e se leis como essa forem aprovadas, o crescimento na demanda cairá de 20% a 47%. Segundo cálculos do próprio Departamento de Energia dos EUA, essa economia dispensaria a construção de até 610 das 1.300 usinas que a administração Bush afirma ser necessário fazer nos próximos 20 anos para o país não ficar no escuro.


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