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Silêncio é bom fora do corpo e dentro da mente
Profissionais de várias áreas falam da importância da quietude interna e de como as pessoas têm dificuldade de ficar em silêncio
GUSTAVO PRUDENTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando o ser humano lascou a primeira pedra, começou a história do
ruído, que não parou de crescer mais até se tornar hoje uma das piores
fontes de poluição. Os cidadãos das grandes cidades que o digam. Nos fins
de semana e feriados, eles fogem para a casa de campo ou de praia, para o
spa, para o retiro ou se recolhem em casa mesmo. Tudo em busca de tranqüilidade e silêncio. Mas nem sempre a medida surte efeito.
Existe um tipo de silêncio, além do externo, que é pouco explorado e até mais
poderoso e eficiente. É o chamado silêncio interno.
Religiosos, médicos e psicanalistas, entre outros profissionais, falam sobre essa
experiência, cada um a sua maneira. Resumindo, trata-se de um estado de quietude da mente em que você "ouve" os
seus pensamentos e sentimentos e também escuta os barulhos externos sem se
sentir perturbado.
Fugir do burburinho da cidade, literalmente ensurdecedor, só colabora para encontrar esse silêncio interno. "Ruído tem a ver com agitação e movimento que leva para fora. Já o
silêncio externo favorece a contemplação, o que ajuda a pessoa a se voltar para
si mesma, dando-lhe tranqüilidade e segurança", diz Gabriela Bal, terapeuta corporal que defendeu na PUC-SP uma tese
de mestrado sobre o silêncio.
"As pessoas têm necessidade de se
aquietarem, o que implica pensarem sobre si mesmas, serem fiéis ao momento,
mas elas não foram educadas para isso",
diz o escritor e rabino da Congregação Judaica do Brasil Nilton Bonder. "Nós fomos adestrados para o barulho."
Querendo ou não, o cidadão tem de encarar, sem escolha, o barulho nos lugares
mais inusitados: da TV dentro do ônibus
interestadual ao rádio ou à fonte de água
com motor barulhento na sala de espera
do médico.
Os ruídos distraem e impedem o efeito
do silêncio: descobrir e aceitar a própria
singularidade. "Vivendo numa sociedade
consumista, essa experiência de ser único
é esmagada. O que acaba acontecendo é
que parecemos e cheiramos como todos
os outros", escreve o monge beneditino
inglês Laurence Freeman, em seu livro
"Os Olhos do Coração - a Meditação na
Tradição Cristã".
Na busca por tranqüilidade e descanso,
muitos dos estressados urbanos pegam a
estrada, mas levam o barulho junto
-aparelho de som, TV, uma turmona de
amigos. Para o psicanalista Élcio Mascarenhas, autor de uma monografia sobre a
importância do silêncio no processo analítico, isso acontece porque, "quando ficamos quietos, o eco que se escuta pode ser
menos agradável que o do mundo externo, então escolhemos o barulho".
Aliás, do ponto de vista psicanalítico, sujeitos tagarelas ou que adoram ambientes
barulhentos podem estar evitando o contato consigo mesmos. O medo de se ouvir
existe, "mas o silêncio não é nada estratosférico", diz Bal.
Já indivíduos metódicos que precisam
de silêncio absoluto podem justamente
estar sufocando um intenso turbilhão interior. "Nesses casos, o ruído externo faz
lembrar o interno, detonando todas as
emoções reprimidas", diz Mascarenhas.
Por essa perspectiva, passam a ser mais
compreensíveis ações como a do aposentado carioca que atirou contra adolescentes que faziam algazarra no playground
de seu prédio, alegando que não suportava o barulho.
Pela ótica médica, o homem está preparado para enfrentar a maior parte dos
sons da natureza. O barulho, no caso, é
definido pela presença dos ruídos artificialmente produzidos -o silêncio, por
sua ausência.
"A poluição sonora começou com as
ferramentas de pedra, passou pelo bronze e pela pólvora até chegar na Revolução
Industrial", diz Yotaka Fukuda, professor de otorrinolaringologia da Unifesp.
Porém, diz o médico, há pessoas que são
capazes de se adaptarem à poluição sonora e até de alcançar momentos de silêncio, independentemente do barulho
externo. O estado psicológico é que vai
determinar o quanto isso é possível.
A fonoaudióloga Claudia Cotes conta
que um dos seus momentos mais criativos ocorrem no congestionamento da cidade. "As pessoas me perguntam como
consigo cumprir tantos trabalhos e ainda
escrever livros. Minhas histórias surgem
justamente quando estou no trânsito,
quando fecho as janelas do carro e fico
em silêncio." Cotes é autora do livro infantil "O Som do Silêncio", em que uma
criança surda ensina para seus colegas a
importância do silêncio. Uma das idéias
do livro é mostrar que o silêncio não impede a comunicação. "É no silêncio que
vêm os sentimentos que você pode então
transformar em palavras", diz a fonoaudióloga.
Mas hoje ainda impera a idéia equivocada de que silenciar equivale a se submeter à opinião alheia. O mundo valoriza
a palavra, o posicionamento e a auto-afirmação por meio do verbo. O professor de
teologia da PUC-SP Fernando Altemeyer
destrói essa idéia. "O silêncio é revolucionário, e não reacionário, tanto que Gandhi fez uma revolução e resistiu aos colonizadores sem atitudes barulhentas", diz
ele.
Apatia, resignação ou escravidão são
conceitos ligados à alienação, e não ao silêncio. "A pessoa silenciosa é aquela que
está além das palavras", diz o teólogo, citando um ditado: "Só se deve falar quando o que se tem a dizer é mais precioso
que o silêncio".
Para quem ainda crê que para ficar na
história é preciso fazer barulho, Altemeyer conta que foi a partir do silêncio que
quatro personagens notáveis fundaram
as principais religiões do mundo: Moisés,
Cristo, Muhammad e Buda. Para todos
eles, os ensinamentos de suas doutrinas
vieram à tona durante períodos de silêncio. Muhammad, por exemplo, só ouviu
o Alcorão porque ele ficou quieto enquanto o arcanjo Gabriel lhe ditava dos
céus. "Jesus recolhia-se periodicamente
para ouvir Deus e depois pregar", conta
Altemeyer.
Silêncio tem a ver mesmo com proximidade e intimidade. "Você pode perceber que, quando queremos dizer algo
muito íntimo, baixamos o tom de voz",
diz a monja Cohen, zen-budista.
O silêncio, em seu sentido filosófico,
também tem sido pensado desde a Antigüidade por teóricos como o grego Pitágoras, Dionísio Aeropagita, teólogo
cristão de origem incerta, e o chinês
Confúcio, para quem "o silêncio é um
amigo que nunca trai".
Já o barulho pode fazer "misérias"
com você.
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