São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 2002
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s.o.s. família rosely sayão

Pai pode ajudar adolescente a ser também crianção

Não há um pai ou uma mãe que não se aborreçam várias vezes -no dia ou na semana- com o comportamento do filho que acabou de deixar de ser criança. Não, não falo das atitudes rebeldes deles, mas daquelas que mostram o quanto eles estão confusos com o período pelo qual passam, em que a busca de uma identidade social, de um lugar que permita a eles que se reconheçam, é uma das coisas mais importantes e difíceis. Vamos admitir: afinal, que fase é essa, em que eles não são mais crianças e, um dia, quem sabe, serão adultos?
O fato é que eles vivem em compasso de espera: esperam para conseguir ter mais autonomia para viver como acham melhor, esperam para desfrutar de liberdade e de independência, inclusive financeira, para construir uma vida própria, esperam para poder viver em paz e sem pais. Pelo menos sem ter de prestar contas das escolhas que ousaram fazer e das coisas que fazem ou deixam de fazer.
Essa é uma época desajeitada para os próprios adolescentes e para os adultos que os cercam, especialmente os pais.
Para estes, nem sempre é fácil conviver com essa separação, prometida e anunciada desde o nascimento do filho. Mas, na prática, o sofrimento é outro, não é verdade?
E lá se vão os pais tentando se acostumar, pouco a pouco, a passar o fim de semana, o feriado ou o domingo sem o filho, que agora tem outros programas, outros interesses, outra turma. Para a criança, o grupo de referência e de acolhimento é sempre a família. Já, para o adolescente...
Mas o que os pais devem lembrar é que é preciso, nessa época, ajudar o filho a entender que essa separação não precisa ser radical, ou seja, que a família vai continuar sendo referência e acolhimento para sempre. Só não vai mais é cultivar a dependência do filho, que vai dar seu próprio rumo à vida quando estiver totalmente dono de si. Se os pais não se dão conta de que devem colaborar nessa questão, o filho pode entender que não precisa mais ter responsabilidade nenhuma com a família.
Mas isso não é verdade, e os adultos, em geral, sabem disso. Quem não se importa com os pais, com os irmãos, com as tias, por exemplo? Toda família tem -e cultiva- esses vínculos, mesmo depois de adquirir a independência. E isso é tão acolhedor, tão gostoso, tão animador. Quem tem esse privilégio sabe disso, e quem não o tem sente falta dele.
É nos momentos de encontro familiar que os adultos lembram épocas passadas e riem do que já fizeram e que, em outros tempos, já foi motivo de conflitos e de sofrimentos. É nesses encontros que gente grande brinca como criança e se permite fazer coisas que, na frente de outras pessoas sem essa ligação, seria constrangedor fazer, mas, com a família, não é.
E, se o adulto tem prazer em fazer criancice nessas situações, imagine então o adolescente! Só que, para ele, é mais difícil se autorizar esse parêntese na vida, já que está justamente tentando superar a infância tão recente. E é aí que os pais podem dar uma mãozinha, sem medo de prejudicar o crescimento do filho.
A mãe de um garoto de 14 anos fez isso recentemente e pôde saborear o resultado. O filho, que prefere ficar com a sua turma, foi coagido a passar o fim de semana com os pais no litoral. Programa de família! Foi, mas ficou emburrado. Os pais não se intimidaram: insistiram, fizeram o filho colocar roupa e o levaram à praia. Ele continuava emburrado e criticando o programa, mas os pais não ligaram: fizeram piada, não tiveram medo de enfrentar o filho e sua rabugice. Simplesmente a aceitaram. Logo mais, o filho pôde, finalmente, soltar-se e divertir-se quase como criança: foi para a água, jogou areia em amigos, perdeu a cara feia. Mas, terminado o passeio, voltou a ser o filho que tem outra turma e, só de vez em quando, acompanha os pais.
Podia não ter dado certo? Claro. O que importa é o recado passado pelos pais: o de que ter e manter uma família é uma responsabilidade que se ensina e que se aprende na prática.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br



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