São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004 |
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Falta de informação ajuda a manter medo do câncer
Graças aos avanços da medicina, paciente dispõe de tratamentos menos invasivos e mais certeiros a novos remédios e até vacinas KARINA KLINGER FREE-LANCE PARA A FOLHA
Milhões de pessoas vivas hoje tiveram câncer.
Nos Estados Unidos, onde as instituições
prezam a estatística como instrumento de análise,
sabe-se que há cerca de 8,4 milhões de pessoas que
tiveram algum tipo de câncer; entre elas, algumas
foram curadas, outras ainda têm a doença, informa
a American Cancer Society.
Procurados pela Folha, alguns dos maiores especialistas brasileiros confirmam: viver e controlar melhor essa multiplicação
celular desordenada não é impossível, ao
contrário do que a maioria ainda acredita.
"As pessoas vivem mais tempo, conseguem conviver com o câncer e, muitas vezes, chegam à idade em que a morte ocorre
por outras doenças. Coisa que há 20, 30
anos era mais difícil", afirma o oncologista
Ricardo Brentani, presidente do Instituto
Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e do
Hospital do Câncer.
Aliás, este último, que é centro de referência no estudo da doença, guarda uma
curiosidade na sua história. "Há seis anos,
éramos conhecidos por Hospital Antonio
Cândido Camargo, nome do fundador.
Resolvi colocar a palavra câncer para desmistificar o significado da doença", diz ele.
Mas ainda há quem, de tanto temor, nem
pronucie a palavra câncer, exatamente como há 30 anos. A doença é cruel (ainda é a
segunda causa de morte no país), agressiva
e dolorosa, mas o medo só agrava a situação. "O grande medo pode mesmo paralisar as pessoas, impedir que busquem ajuda na hora certa. Mas é preciso saber que
existem procedimentos novos para o tratamento do câncer que não estavam disponíveis 15 anos atrás", diz a oncologista Nise
Yamaguchi, presidente da Sociedade Paulista de Oncologia Clínica e pesquisadora
do Hospital das Clínicas (SP).
Se a ex-modista Emília Santos de Oliveira, 60, tivesse ouvido os seus desinformados, apesar de bem-intencionados amigos,
ela talvez já teria passado desta para outra.
"Por causa da desinformação, muitos amigos falavam que não valia a pena gastar dinheiro com essa doença, que não adiantava, pois a morte era inevitável. Imagine se
eu tivesse caído nessa conversa", lembra
Emília, que, em 1999, durante um auto-exame da mama, descobriu um nódulo.
Segundo Vitória Herzberg, fundadora
do Day Care, ONG que oferece apoio e
informação a pacientes de baixa renda
com câncer, a palavra ainda inspira asco. "Quando fundei o Day Care, as pessoas falavam "aquela coisa" [referindo-se
ao câncer]. Isso ainda acontece hoje." O
que mudou, diz ela, é que as pessoas se
conscientizaram da importância que a
busca por ajuda tem.
Herzberg se envolveu com a doença
depois que Daniel, seu filho de 17 anos,
morreu de câncer, em fevereiro de 1989.
Na época, ela conta que foi atrás de informação para entender a doença, como
tratamentos, aspectos psicológicos e sociais e formas de conviver com ela. Mas
praticamente não havia nada para leigos. "Meu marido e eu resolvemos agir
justamente por entendermos que as
pessoas não deveriam passar pelo mesmo sofrimento por falta de comunicação e informação adequadas", diz ela,
no seu site farto de dados e orientações.
Aliás, a informação é um aliado não só
do paciente. "De alguma forma, todos
estão comprometidos com o câncer. Alguns por estarem perto dele. Outros
porque o têm ou tiveram. E todos pelo
medo de tê-lo", registra o editorial da
"Hands", revista brasileira on-line especializada em câncer.
Segundo estimativas do Cancer Research UK, do Reino Unido, uma em cada três pessoas naquele país vão ter câncer durante a vida, o que significa que
todas as famílias do país terão, de alguma maneira, contato com a doença no
país.
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