São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Nem "general de pijama" nem amigo

Você conhece a expressão "generais de pijama"? Os pais podem não conhecer, mas, certamente, os filhos adolescentes sabem usar adequadamente essa gíria. Segundo um jovem leitor, são aqueles pais que, antecipadamente, julgam que o namorado que a filha arruma sempre tem intenções de praticar sexo no relacionamento que estabelecem com ela. Por conta disso, exercem um rígido controle sobre a vida social das filhas, o que acaba por criar dificuldades enormes ao namoro. Nosso leitor tem uma questão: como lidar com esses pais?
Tenho um contraponto bem interessante a essa carta para ajudar na reflexão. A mãe de duas garotas -uma com 15 anos e a outra com 13- escreveu contando que, numa conversa com a mais velha, ficou sabendo que ela fuma desde os 13 e que já transou com o namorado. A mãe surpreendeu-se muito ao ouvir a filha revelar seus segredos -pressionada por ter sido surpreendida em um deslize-, porque investe na educação e acredita que a vida sexual exige maturidade e, por isso mesmo, ainda tutela de perto os passos da garota.
Ao investigar como a filha havia encontrado ocasião para ter intimidade com o namorado, a surpresa foi ainda maior. Levada pela própria mãe para passar a tarde no shopping com amigos e namorado e com hora marcada para voltar, a garota driblou o controle: em vez de ficar lá, o casal fugia para a casa do garoto e, três horas depois, no horário combinado, lá estava ela na porta do shopping para encontrar-se com a mãe. A questão dessa mãe é com as famílias dos garotos. Ela pergunta se elas não poderiam colaborar, impedindo que os filhos levassem as namoradas para casa.
A primeira coisa que podemos concluir dessas duas cartas é que as preocupações de quem tem filhas são diferentes das de quem tem filhos, especialmente quando o assunto é a sexualidade. Sim, os pais ainda têm expectativas e anseios diferentes ao educar filhos e filhas. A questão é que, mesmo tendo sofrido na pele os efeitos dos preconceitos sociais na época em que passaram pela adolescência, os adultos de hoje, na hora de encarnarem o papel de pai e de mãe, sentem dificuldade em superá-los.
Mas muitos pais não se dão conta de que tais preconceitos podem atrapalhar a educação de ambos, garotas e garotos. Nada adianta oferecer um clima mais permissivo aos meninos e um mais restritivo às meninas. Isso não contribui em nada a ambos, ao crescimento que leva à maturidade, à autonomia, à responsabilidade, à liberdade.
Outra questão que as cartas de nossos leitores de gerações diferentes apontam é justamente a delicada e complexa relação estabelecida atualmente entre as gerações dos mais velhos e dos mais novos. Quem assistiu ao filme "Invasões Bárbaras" -a quem não assistiu recomendo- deve lembrar-se do momento em que três jovens universitários fingem prestar uma homenagem a um ex-professor que se encontra doente e hospitalizado. Ao observar o fato, um amigo do professor reage e diz que, para uma geração que ele considera de semi-analfabetos em matéria de vida, até que eles tinham se portado com decência. A resposta do protagonista expressa o modo de relação entre essas gerações: "Eles poderiam ter aprendido, como nós aprendemos. Mas não há quem os ensine".
Os pais de hoje são da geração que lutou pela liberdade -liberdade que é sempre de escolha- e pelas relações mais democráticas. Mas, na hora de concretizar esse anseio, atrapalham-se, confundem-se. Os adultos que educam hoje ora agem como "generais de pijama", ora como "amigos" que deixam o filho aprisionado em seu modo de viver impulsivo e instantâneo, acreditando que isso é dar liberdade. Não é.
Precisamos descobrir um equilíbrio maior na relação com os jovens: regras demais ou argumentos em demasia ensinam muito pouco. E, como diz Fernando Savater: "Para ser homem, não basta nascer; é preciso também aprender". Essa é a função da educação.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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