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Para autista, simulação de "jeito normal" é prejudicial
Jim Sinclair,44, é autista,
tem formação universitária
em psicologia e é especialista em desenvolvimento infantil e processos de reabilitação. Nos anos 90, participou da criação de um dos
primeiros grupos formados
por autistas, a Autism Network International
(ani.autistics.org), e se
tornou um dos mais conhecidos ativistas pela defesa
dos direitos dessas pessoas.
Leia a seguir a entrevista
concedida à Folha.
FOLHA - Quais são as diferenças
entre um grupo formado por especialistas e parentes e um formado pelos próprios autistas?
JIM SINCLAIR - Eu diria que
grupos de pais e especialistas
têm uma maior tendência a
ter objetivos "protetores"
(trabalhar para nos manter
em segurança), enquanto os
grupos formados por autistas para eles mesmos tendem a ter metas mais relacionadas a direitos e liberdade,
mesmo quando isso envolve
correr riscos. A maior diferença reside no simples fato
de um grupo ser dirigido "para" pessoas autistas, e outro,
"por" pessoas autistas. Imagine um grupo destinado a
promover os direitos das
mulheres que fosse criado e
dirigido por homens. Isso
serviria? Você consegue imaginar um motivo pelo qual
um grupo de mulheres não
deva ser dirigido por elas?
Que mensagem esse grupo
transmitiria sobre a capacidade de as mulheres fazerem
as coisas por conta própria?
FOLHA - Você critica as estratégias para ensinar os autistas a "simular" um comportamento social normal. Não é útil para os autistas saber como se comunicar
com as outras pessoas?
SINCLAIR - Claro que é. E também seria útil para as outras
pessoas saber como se comunicar conosco. Mas isso não é
o mesmo que exigir uma simulação tão perfeita que torne impossível nos distinguir
dos "neurotípicos". Suponha
que, em vez de tentar entender o que você diz, eu me recusasse a responder suas
perguntas a menos que você
dominasse a língua inglesa
como uma nativa e sem sotaque. Suponha, além disso,
que eu diga que, para se comunicar com quem fala inglês, você tenha de parar de
falar português, de se relacionar com quem fala português e até de pensar em português. Suponha que eu tentasse convencê-la de que o
português é inferior ao inglês, de que você teria uma
vida inexoravelmente vazia
sem dominar inglês e de que
você deveria se envergonhar
se algum dia for vista falando
português. Isso é semelhante
ao que os "neurotípicos" fazem quando ensinam "habilidades sociais" a autistas.
FOLHA - Quais são as principais
características da cultura autista?
SINCLAIR - Não há uma única
cultura autista, assim como
não há só uma cultura "neurotípica". Posso falar sobre a
que evoluiu com a ANI, mas
podem haver outras. Na ANI,
há práticas como o respeito à
hipersensibilidade sensorial
dos autistas e outras envolvendo ecolalia (repetição da
fala do outro). Há ainda certas tradições como o uso dos
Interaction Signal Badges
[crachás com dados sobre cada um, como hipersensibilidade a cheiros fortes ou a
flashes fotográficos].
FOLHA - A ANI foi criada por autistas que se encontraram numa
lista de discussão. Essa rede pode
incluir aqueles que não têm as
mesmas habilidades verbais?
SINCLAIR - Sim. Há pessoas
com menos habilidade verbal que vêm para a Autreat
(conferência anual da ANI) e
se divertem muito. É difícil
incluir pessoas que não são
verbais em redes que ocorrem on-line, já que o e-mail é
um meio verbal. Mas, quando há uma chance de os autistas ficarem juntos ao vivo,
é definitivamente possível
que eles participem também.
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