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Wilson Jacob Filho
Prazer em fazer
Enquanto subia a escada do hospital em que
trabalho, pensava no
prazer de poder fazê-lo. Não me aperceberia disso
uma ou duas décadas atrás.
Certamente, muitos não se
apercebem nunca.
Preferem atribuir ao envelhecimento uma progressiva limitação física, que obrigatoriamente determina incapacidades. Vivem se lamentando em
frases que começam com "na
minha idade...", "quando eu era
jovem..." ou similares.
Desnecessário enfatizar o
quanto valorizamos aquilo que
perdemos, e não o que temos.
Raramente ouvi alguém
exultar sua facilidade em pegar
um objeto no chão ou em lembrar sempre onde deixou as
chaves, mas todos os dias ouço
queixas de quem não tem essas
capacidades. Assim nos condenamos a uma progressiva perda
da auto-estima com o avançar
da idade. Tão freqüente é essa
forma de pensar que a idade
passa a ser sinônimo de limitação e inexoravelmente confundível com doença.
Assim fica fácil explicar por
que tantos querem prevenir ou
tratar o envelhecimento e por
que alguns ainda se beneficiam
dessa falácia milenar.
Há, sim, como e por que prevenir e/ou tratar as limitações
funcionais, sejam elas quais forem, incluindo os comprometimentos de memória, raciocínio, locomoção, comunicação,
ereção, relacionamento ou psiquismo, entre outros.
Não há problema sem possibilidade de solução, mesmo que
essa não seja a cura.
Por vezes não é possível aquilo que desejávamos, mas, com
boa capacidade e interesse de
todas as partes envolvidas (paciente, familiares e profissionais), sempre se encontra um
caminho pelo qual chegaremos
a uma melhor condição de saúde, que nos permita realizar a
maioria das atividades que desejamos. Evidentemente, não
com o mesmo desempenho de
outrora, mas, com certeza, com
prazer ainda maior.
São inúmeros os exemplos de
quem se admira por ter conseguido fazer algo que, no passado, lhe pareceria corriqueiro.
Até respirar suavemente parece fantástico àquele que se livra
de uma importante limitação
das vias aéreas.
Não deixemos, pois, que o tão
festejado aumento da expectativa de vida que temos e teremos no transcorrer deste século seja transformado em um
mar de lamentações.
Façamos dessa possibilidade
um caminho para a satisfação
pessoal, lembrando que as capacidades não devem ser comparadas com as do passado, e
sim com as janelas que nos permitirão ver a vida atual sob novas perspectivas.
WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade
de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de
"Atividade Física e Envelhecimento Saudável"
(ed. Atheneu)
@ - wiljac@usp.br
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