São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2006
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Wilson Jacob Filho

Prazer em fazer

Enquanto subia a escada do hospital em que trabalho, pensava no prazer de poder fazê-lo. Não me aperceberia disso uma ou duas décadas atrás. Certamente, muitos não se apercebem nunca.
Preferem atribuir ao envelhecimento uma progressiva limitação física, que obrigatoriamente determina incapacidades. Vivem se lamentando em frases que começam com "na minha idade...", "quando eu era jovem..." ou similares.
Desnecessário enfatizar o quanto valorizamos aquilo que perdemos, e não o que temos.
Raramente ouvi alguém exultar sua facilidade em pegar um objeto no chão ou em lembrar sempre onde deixou as chaves, mas todos os dias ouço queixas de quem não tem essas capacidades. Assim nos condenamos a uma progressiva perda da auto-estima com o avançar da idade. Tão freqüente é essa forma de pensar que a idade passa a ser sinônimo de limitação e inexoravelmente confundível com doença. Assim fica fácil explicar por que tantos querem prevenir ou tratar o envelhecimento e por que alguns ainda se beneficiam dessa falácia milenar.
Há, sim, como e por que prevenir e/ou tratar as limitações funcionais, sejam elas quais forem, incluindo os comprometimentos de memória, raciocínio, locomoção, comunicação, ereção, relacionamento ou psiquismo, entre outros. Não há problema sem possibilidade de solução, mesmo que essa não seja a cura.
Por vezes não é possível aquilo que desejávamos, mas, com boa capacidade e interesse de todas as partes envolvidas (paciente, familiares e profissionais), sempre se encontra um caminho pelo qual chegaremos a uma melhor condição de saúde, que nos permita realizar a maioria das atividades que desejamos. Evidentemente, não com o mesmo desempenho de outrora, mas, com certeza, com prazer ainda maior.
São inúmeros os exemplos de quem se admira por ter conseguido fazer algo que, no passado, lhe pareceria corriqueiro.
Até respirar suavemente parece fantástico àquele que se livra de uma importante limitação das vias aéreas.
Não deixemos, pois, que o tão festejado aumento da expectativa de vida que temos e teremos no transcorrer deste século seja transformado em um mar de lamentações.
Façamos dessa possibilidade um caminho para a satisfação pessoal, lembrando que as capacidades não devem ser comparadas com as do passado, e sim com as janelas que nos permitirão ver a vida atual sob novas perspectivas.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
@ - wiljac@usp.br



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