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s.o.s. família
rosely sayão
Por que adultos tomam o espaço da criança
Rua é lugar para criança? Bem, no mundo
atual, o espaço público não tem sido nada
amigável, tampouco acolhedor para elas.
Brincadeiras com pares, jogos, andar de bicicleta ou qualquer outra atividade que requeira
o espaço que a rua oferece, em geral, têm sido
praticadas em locais fechados, como clubes e
parques, e sempre em companhia de adultos.
Do jeito que a vida está, a rua não tem sido lugar bom para criança. Há ainda uma outra característica da vida moderna. Casas e apartamentos ficaram menores: varanda, quintal ou
jardim são privilégio de poucos. Acontece que
as crianças, mesmo com hábitos e brinquedos
diferentes, ainda exigem espaço para expandir
o corpo e experimentar movimentos. Para os
que escolheram -ou não tiveram outra escolha- morar em apartamento, considerando
inclusive a segurança dos filhos, resta uma
possibilidade: procurar prédios que tenham
espaço destinado ao lazer.
Uma leitora, mãe de dois filhos, escreveu
contando o que ocorre no prédio onde mora.
Como não se trata de um fato isolado, escolhi
esse assunto como motivo de nossa conversa
de hoje. Pois bem: o prédio onde ela reside colocou todo tipo de regra para restringir a vida
da criançada na área comum.
Na rampa interna da garagem para o subsolo, que logo as crianças descobriram ser um
excelente espaço para praticar skate, foi proibida a atividade por causa do trânsito dos carros. No imenso jardim que o condomínio
construiu, elas não podem jogar bola porque
estraga a grama e suja o muro. Aliás, depois
das 20h, as crianças nem sequer podem descer
para a área de lazer porque o barulho que, em
geral, provocam perturba os moradores dos
andares baixos.
Neste ponto da conversa, bem que eu poderia apontar para os direitos mínimos da criança -como o de brincar e o de conviver com
outras crianças, por exemplo- e para a necessidade de ter espaço e tempo para isso. Mas
prefiro perguntar por que tem sido difícil garantir isso às crianças.
Uma das causas pode estar no fato de o adulto não abdicar de ocupar ele mesmo todos os
espaços. Nossa leitora percebe essa questão
quando comenta, por exemplo, que o prédio
prioriza os carros e seus donos adultos em vez
de se importar com os filhos dos moradores.
Ela pergunta por que o prédio não coloca uma
placa com um aviso de "Cuidado, crianças
brincando" para alertar os motoristas que entram na garagem e permitir, desse modo, a
brincadeira da garotada. A resposta é simples:
porque o adulto -e sua vida- é o que conta.
Filhos -e alunos também- são a garantia
de continuação da vida, ou seja, de futuro. É
por isso inclusive que os temos, não é? Só que a
presença de crianças no mundo acaba por se
tornar incômoda exatamente por esse motivo.
Afinal, o mesmo futuro que as espera aponta
para o nosso fim. Ceder espaço para a criançada viver significa recuar. E o adulto que vive
no mundo contemporâneo tem recusado esse
papel.
Um outro bom exemplo de como adultos
não cedem o espaço próprio da criança é o que
acontece na escola. Pais e professores tomam
conta do processo escolar no lugar de filhos e
alunos. Bilhetes, reuniões, entrevistas, plantões para pais, tudo isso mostra o quanto o papel dos mais jovens tem sido protagonizado,
indevidamente, pelos adultos.
A leitora que enviou a carta de hoje pergunta, no final de sua mensagem, se vale a pena lutar pelos direitos dos filhos de ter espaço no
condomínio ou se isso seria apenas capricho
de uma mãe zelosa. Batalhar pelo espaço dos
mais novos -e não apenas nos prédios- é
um ato de coerência. Permitir que a vida se
manifeste no presente é um modo de aceitar o
futuro, afinal.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre
outros; e-mail: roselys@uol.com.br
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