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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003
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drible a neura

Quarto dos pais não é lugar para filho dormir

Marcelo Barabani/Folha Imagem
Márcia, 38, deixa a filha Adrianne, 2, dormir em sua cama


ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

Sorrateiramente, na pontinha dos pés, sem alarde, a pequena Giovana, 2, entra no quarto dos pais, encosta a cabeça na beirada da cama e, se a mãe não a acolhe rapidamente, ela começa a dormir em pé mesmo. "Essa cena já se repetiu algumas vezes. Não resisto e acabo deixando-a dormir conosco", conta a auxiliar de contabilidade Mauren Harue Washida, 32, que, nesse assunto, não é marinheira de primeira viagem. Seu filho Víctor, de seis anos, desde pequeno "foge" do quarto e se enfia, de madrugada, debaixo dos lençóis da cama do casal.
É natural a criança pedir para dormir com os pais? É natural ela gostar e querer repetir esse ato? "Claro que sim. Dos dois aos cinco anos de idade, é totalmente natural; mas isso não faz nenhum bem para ela", esclarece a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão. Pode causar até insônia no futuro (leia na página ao lado).
E essa situação não existe só porque crianças sentem medo, insegurança e acham que o bicho-papão aparece para pegá-las. "A "neura" de dormir com os pais é coletiva", diz a psicóloga Silvana Rabello, da PUC-SP.
"Os pais são os grandes responsáveis por esse comportamento, pois são donos de uma vontade imensa de acolher o filho, à qual não conseguem resistir. Eles deveriam dizer: "Não, você não pode dormir na nossa cama'", explica Sayão (leia, na página ao lado, sugestões dos especialistas sobre como agir nessa situação).
Hoje a jogadora de pólo aquático Raquel Chiappini, 30, consegue ser taxativa com o filho Bruno, de um ano e sete meses. "Digo não e é não." Mas ela assume que errou com a primeira filha, Izabella, de sete anos. "Nós a acostumamos mal. Mesmo sabendo que era errado, optávamos pela solução prática, que era deixá-la na nossa cama, em vez de levá-la para o quarto, tranquilizá-la e fazê-la entender que deveria dormir lá."
Já a engenheira Márcia Magalhães, 38, mãe de Adrianne, de dois anos e onze meses, não titubeia: "Eu não falo nada. Se ela quer ficar com a gente, que fique. Logo ela vai crescer e desistir disso", diz.
Há pais que vão um pouco mais longe. A organizadora de eventos Zoraide Bertussi, 50, conta que incentivava o filho a dormir com ela e o marido para agradar o garoto. "Separei-me do meu marido no ano passado. O Victor está com 11 anos e, vira-e-mexe, pede para eu deixá-lo dormir comigo", conta.
Ceder nesses casos não é a atitude recomendada. Por trás de uma negativa veemente está a possibilidade de a criança desenvolver uma qualidade fundamental para a sua vida futura: a autonomia.
"Os pais devem aproveitar essas situações para ensinar aos filhos mecanismos para que eles aguentem as próprias inseguranças, para que enfrentem seus medos e suas angústias de forma autônoma", diz a psiquiatra Pilar Lecussan, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (SP).
Para Rabello, é nesses momentos que os pais estabelecem não apenas o limite físico da relação, ou seja, que cada um tem o seu cantinho e a sua intimidade.
"É a hora de definir o espaço psíquico da criança, de mostrar a ela que todos sentimos medo e que nós mesmos temos de resolvê-lo", diz a psicóloga.
Por outro lado, quando os pais permitem que o filho passe a noite no quarto do casal, estão estimulando o medo e a insegurança. "A criança se sente autorizada a pensar: "Está vendo? Eu não consigo dormir sozinha mesmo!". Então, no futuro, pode criar a idéia de que não dá conta de cuidar da vida sem os pais", diz Sayão.
Mais que eventuais filmes de terror assistidos antes de dormir, são as tensões dos pais que deixam a criança intranquila. "Problemas conjugais deixam o casal tenso, e esse sentimento é transferido para os pequenos", diz Rabello. Como ainda não sabe nomear o que sente, a criança recorre à imaginação. "Daí ela cria monstros que dormem debaixo da cama."
E de nada adianta os pais quererem imprimir uma dose de realidade aos devaneios infantis. Sayão conta que um pai, cansado de afastar a cortina, acender a luz e dizer ao filho: "Não há nenhum mostro aqui", pediu sua ajuda. Ela disse: "A imaginação da criança é a própria realidade dela". Algum tempo depois, o pai procurou Sayão novamente e disse: "Consegui! Dei uma espada de plástico a ele e disse: "Como só você vê o monstro, quando ele aparecer você o acerta com essa espada'". O filho nunca mais pediu para dormir com os pais.
Outro fator que leva as crianças para a cama dos pais é a curiosidade de saber o que eles fazem quando trancam a porta. "Quando sentem um clima de sedução, as crianças tendem a querer descobrir o que está acontecendo", diz Rabello.
Independentemente de motivos (medo ou curiosidade) e afora o risco de a criança ter sua autonomia prejudicada, dormir sozinho é a melhor maneira de garantir um sono de qualidade, indispensável não só para a criança, mas para toda a família.


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