São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

Os adultos precisam assumir a autoridade

Queixas a respeito do modo como os filhos contestam a autoridade familiar e escolar não faltam. Pais de muitos adolescentes ficam perdidos porque os filhos, de pouco mais de 14 ou 15 anos, simplesmente decidem que vão sair no fim de semana, não dizem aonde vão e nem com quem e, às vezes, saem na sexta e só voltam na segunda sem dar a mínima satisfação. E os pais não sabem como agir para mudar a situação. Dizem que o filho já é grande, que não aceita mais ordens nem conselhos e que não adianta falar, pedir, implorar a eles que ajam de modo diferente. O mesmo ocorre com muitos professores. Ouvi um dizer, por exemplo, que, no meio de sua aula em uma escola pública, um aluno acendeu um cigarro de maconha sem a menor cerimônia. Quando perguntei ao professor a sua reação, a resposta veio rápida: "E o que eu ia fazer se ele tinha o dobro do meu tamanho e sei que é bom de briga?".
Quase todo mundo compreende -pelo menos tenta- e até aceita da maneira que consegue esse comportamento dos jovens. Afinal, mesmo que desajeitadamente, eles tentam achar o próprio rumo, enfrentar os seus desafios e viver por conta própria. Eles estão em busca da autonomia, da liberdade, da independência, mesmo sem saber ao certo o sentido que isso tem na vida deles. Por esses motivos, o mais fácil é creditar a dificuldade que os pais e professores enfrentam nesse momento ao período da vida dos filhos e alunos.
Acontece que, frequentemente, ouço professores da educação infantil dizerem que, hoje em dia, não é nada fácil conviver na escolinha com as crianças menores de seis anos porque elas são mandonas, rebeldes e não aceitam com facilidade as regras e os limites necessários para a convivência em grupo e, muito menos, importam-se com o que os adultos dizem. Muitos pais, por sua vez, seguem mais ou menos a mesma linha de pensamento. A mãe de uma garota de dois anos, por exemplo, em uma mensagem a esta coluna, diz acreditar que a filha tenta ter o domínio da situação fazendo birras, jogando-se no chão, contorcendo-se toda, gritando. Ainda diz não saber o que fazer para não ser dominada pela menina.
As duas situações colocadas ao mesmo tempo nos permitem chegar a uma conclusão: a dificuldade que pais e educadores escolares enfrentam não são típicas do trato com os adolescentes. O nó da questão não é, portanto, esse. Talvez seja, e é esse o tema de nossa conversa, uma dificuldade do adulto educador -e não do adolescente ou da criança- de sustentar sua autoridade.
Um dos motivos pode ser a idéia de que a criança e o adolescente, considerando as especificidades de cada uma dessas etapas da vida, tenham autonomia sobre si, sobre o que querem e o que buscam. Não têm. A autonomia no modo de pensar, de agir, de querer, entre outras coisas, é uma meta a ser alcançada. Imaginar, por exemplo, que uma criança de dois anos é capaz de pensar estrategicamente na relação de assimetria entre ela e a mãe e, em função disso, comportar-se de um certo modo para ganhar o domínio é olhar para a criança como se olha para um adulto. Essa criança apenas percebe que o que tanto quer lhe é negado e reage, por isso se debate, se joga no chão e faz a cena toda que as mães conhecem muito bem. É só.
A questão é que criança sabe o que quer, mas não sabe ainda se o que quer é possível naquela hora e, principalmente, se lhe faz bem. A mãe sabe. Por isso deve sustentar sua atitude, sua autoridade. O mesmo em relação aos adolescentes. Eles estão bem mais perto da autonomia do que a criança, mas para alcançá-la precisam ainda de um período de tutela, para terem condições de saber dosar melhor o que querem com as possibilidades da vida em grupo. Se queremos que as crianças e os jovens tenham um futuro melhor, temos de permitir que vivam a infância e a adolescência no tempo certo. Para tanto, temos de assumir nosso papel de adulto e de educador no presente. Não é garantia de nada, mas é uma boa esperança.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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