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s.o.s. família
Lembrete bem útil para pais e professores
ROSELY SAYÃO
"Como mãe, eu gostaria de saber tudo o
que acontece com meu filho na escola." Essa frase foi dita por uma professora para
justificar sua convicção de que, sempre que
ocorre algo diferente (!) com o aluno no espaço escolar, o professor deve comunicar o ocorrido aos pais. E, segundo ela mesma e várias
outras colegas, se o professor não se comportar desse modo, será interpelado pelos pais
que souberem, por outras vias, de algum fato
ocorrido. Esta é uma boa deixa para discutirmos o papel do professor com seus alunos e a
demanda que os pais enviam à escola.
Ora, a primeira coisa a destacar da frase da
professora é o fato de ela pensar como mãe
quando deveria pensar como professora. Mãe
quer saber tudo a respeito do filho, mãe imagina que pode compreender o seu filho melhor
do que ninguém, mãe quer que o filho seja feliz e se dê bem na vida, mãe quer proteger o filho de todos os riscos e perigos, mãe acha que
deve dar ao filho tudo o que ele precisa, mãe
quer que o filho seja uma pessoa dessa ou daquela maneira, e muito mais...
E o filho, o que quer? O filho quer viver a
própria vida e, para tanto, mais cedo ou mais
tarde vai ter que se livrar da mãe, que tanto
quer dele, que tanto quer para ele. É, o filho é
tirado da mãe e da família pela vida, esse é o fato, e quem primeiro representa essa vida que o
filho vai viver por conta própria é a escola, são
os professores.
Quando uma mãe leva seu filho pequeno à
escola pela primeira vez, não vê a hora de ter o
filho de volta em casa para saber das novidades. E, assim que encontra o filho, logo ataca
com a pergunta fatal: "Como foi na escola, filho?". A resposta vem quase sempre seca e
curta: "Bem". Não era bem isso o que a mãe
queria ouvir. Ela queria saber o que ele fez e o
que não fez, com quem conversou e com
quem brigou, se brincou e se gostou, o que e
como a professora falou, e muito mais... Ela
quer saber tudo para estar sempre por dentro
da vida dele. Coisa de mãe. Mas o filho não
abre a guarda, segura seus primeiros segredos
e preserva seus primeiros passos dados longe
do controle da mãe. Sinal de vida sadia essa
reação!
Mas, sabe como é mãe, ela não desiste e vai à
luta: sempre arruma uma hora para conversar
com a professora e perguntar como vai o filho.
E, hoje em dia, os professores se sentem na
obrigação de responder, de fazer extensos relatórios e memoriais a respeito do comportamento do filho no espaço escolar. Por quê?
Porque os professores acreditam que os pais,
sabendo da vida do filho, possam interferir.
Como disse uma outra professora na mesma
reunião, "os donos da criança são os pais".
E é pensando assim que muitos professores
se distanciam cada vez mais de sua responsabilidade, que é a de acompanhar os alunos na
busca de autonomia na vida.
A escola, nessa busca de parceria com a família, tem colocado seus alunos cada vez mais
dependentes da família, tem subestimado a
sua capacidade de participar do processo educativo ao qual estão submetidos, tem negado o
espaço escolar como direito dos alunos. É
bom lembrar e relembrar os professores que o
destinatário de suas atividades é o aluno, que
seu compromisso é com o aluno, e não com os
pais deste. A escola não pode pretender educar os pais, pois os pais já foram educados.
À primeira vista, os pais podem achar interessante que o filho frequente uma escola que
os deixe a par de tudo o que aconteça com o filho. Mas isso é interessante apenas no tempo
presente e na ótica dos pais, e nada interessante para o futuro do filho e na ótica da finalidade da educação no espaço escolar.
Mãe e pai têm o direito de perguntar, de querer saber o que se passa na escola. Os professores têm o direito de assegurar ao aluno a liberdade para experimentar viver de outros modos. Professor tem o direito, sim, de não responder à demanda dos pais. Para tanto, basta
assumir sua responsabilidade com os alunos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br
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