São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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EU VI

"Nos anos 20, dirigir era pior. Tinha muito cavalo nas ruas"

LEONARDO CRUZ
da Redação

No início dos anos 10, a menina Isabel acompanhava todas as tardes, da janela de sua casa, a passagem do homem que acendia os lampiões de gás na rua das Palmeiras, no bairro dos Campos Elíseos, São Paulo. 'Dentro de casa eram aqueles candelabros lindos, que iluminavam bem', lembra ela, hoje aos 95 anos.
Casada desde 1925 com o engenheiro civil Arthur Rodrigues Rosa Jr., 97, Isabel Araujo Rosa observou com o marido o inchamento da cidade neste século. 'Antigamente em São Paulo, em um terreno de 800 m2, havia uma casa onde moravam cinco pessoas. Com o tempo, essas casas foram sendo destruídas, e prédios de dez andares surgiram nesse mesmo espaço. É difícil viver assim', avalia Arthur.
Morando desde 1937 numa casa construída por Arthur em Perdizes (zona noroeste), o casal acompanhou toda a ocupação do bairro. 'Quando mudamos para cá, na nossa rua só havia a nossa casa, um armazém na esquina e o hospital Franco da Rocha', conta ele. A seguir os principais trechos da entrevista do casal.

Folha - Como era o bairro de Perdizes em 1937?
Arthur Rodrigues Rosa Jr.
- Naquela época, o bairro era formado ao redor da rua principal, a Turiassú, que era a estrada que ia para o interior. Quando eu vim para cá, as ruas não eram nem calçadas. Perdizes tinha uma grande quantidade de chácaras, onde havia plantações e também as célebres cabras. Nós tomávamos muito leite de cabra.
Isabel Araujo Rosa - Era mais fácil. Eu não precisava sair para comprar nada, entregavam tudo na porta: pão, leite, verduras. O jardineiro também passava sempre. Traziam até gelo.
Folha - O sr. é engenheiro civil. Quais partes da cidade ajudou a construir?
Arthur
- Em 1926, eu acompanhei a construção de várias casas na Vila América, que depois virou o Jardim América. Ali vivia a alta classe da sociedade paulistana. Havia um grande charco naquela região, nas imediações da rua Estados Unidos. Quem passava por ali sempre afundava.
Folha - O sr. começou a dirigir nos anos 20 e só parou em 94. O que mudou no trânsito de São Paulo?
Arthur
- Meu primeiro automóvel foi um 'Ford de bigode'. Naquela época era pior, tinha muito cavalo e carroça puxada por burro nas ruas. Isso dificultava muito mais. A maioria das ruas era de terra, e quando tinha chuva nós éramos obrigados a colocar corrente nas rodas para não derrapar. Depois, quando abriram as grandes avenidas, ficou mais fácil, mesmo com mais carros. Só dificultou um pouco para estacionar.
Folha - Viver na cidade era melhor antigamente?
Isabel Araujo Rosa
- Tudo era mais tranquilo. Quando eu era menina, estudava no colégio Caetano de Campos, na praça da República. A gente ia para a escola calmamente. Era aquela facilidade, ninguém precisava nos levar. Hoje uma criança não pode ir para a escola sozinha. As pessoas têm medo, com toda essa violência.

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