São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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TEIA URBANA
CIDADES GANHAM 6 MILHÕES DE HABITANTES A CADA 30 DIAS, DEVEM TER POPULAÇÃO SUPERIOR À DAS REGIÕES RURAIS NA PRÓXIMA DÉCADA E CONCENTRAR O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL
Urbanização cria uma Hong Kong por mês

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

No início do próximo milênio, em 2006, pela primeira vez na História da humanidade a quantidade de pessoas morando em cidades será maior do que a população rural do planeta. Não é uma mera curiosidade, mas uma revolução.
Para os brasileiros, dos quais 80% vivem em áreas urbanas, é difícil imaginar que há apenas 200 anos 98% da população mundial ainda estava no campo.
Rápida, a revolução urbana é um fenômeno da segunda metade deste século. A partir da fundação de Jericó, a primeira cidade murada do mundo, a população urbana demorou cerca de 9 mil anos para chegar a 38% do total mundial, em 1975.
Desde então, já saltou para 47% e, segundo projeções das Nações Unidas, chegará a 55% em 2015 e a 61% em 2025.
Ou seja: em apenas 50 anos, os moradores das cidades terão sido multiplicados de 1,5 bilhão para 5 bilhões de pessoas -o equivalente a 500 mil cidades de São Paulo.
A reprodução da população urbana é apenas uma das causas dessa explosão. Na média mundial, 40% do crescimento da urbanização se deve à migração do campo para a cidade.
Isso indica que, a despeito das previsões de que as novas tecnologias de informação e a acumulação de problemas nas metrópoles implicariam o fim da vida urbana, a cidade absorveu essas mudanças e continua sendo o motor do desenvolvimento econômico, artístico e tecnológico.
Como observa o relatório 'À Situação das Cidades do Mundo" (ONU), de 1999, o progresso de uma nação mantém uma alta correlação com a viabilidade das suas áreas urbanas: 'Às cidades são a chave para o desenvolvimento".
Apesar de uma pequena queda, o ritmo da urbanização mundial continuará forte no início do novo milênio. Tanto que, se esse crescimento fosse concentrado em um só lugar, a cada semana o mundo teria uma nova cidade do tamanho de Curitiba.
Mas isso tem um preço. "O número de moradores urbanos vivendo em pobreza absoluta cresceu rapidamente nos anos 80, especialmente na América Latina, África e nas economias asiáticas menos favorecidas".
O alerta consta do "Relatório Global sobre Aglomerações Humanas", o documento resumo do encontro mundial (Habitat) promovido pela ONU em 1996 para discutir o tema.
Agravado pela globalização da economia, o crescimento das desigualdades entre cidades é um dos principais custos da revolução urbana.
O Programa de Indicadores Urbanos do Habitat mostra que a renda média domiciliar das cidades dos países industrializados é 38 vezes maior do que o das cidades africanas: US$ 9.543,90 contra US$ 251,70 por ano.
Um exemplo de como a globalização da tecnologia também é excludente está no livro organizado por por Michel Cohen, Blair Ruble e Joseph Tulchin ("Preparing for the Urban Future"): há mais telefones na área metropolitana de Tóquio (27 milhões de habitantes) do que em toda a África (749 milhões).
Global, porém, é a iniquidade dentro das próprias cidades. A exemplo daquilo que o urbanista Manuel Castells chamou de "cidade dual", na média mundial o rendimento dos 20% de domicílios mais pobres é 11 vezes menor do que o dos 20% mais ricos.
Na América Latina essa diferença chega a 17 vezes, mas mesmo nas cidades dos países industrializados, os 20% mais ricos têm uma renda 10 vezes maior do que os 20% mais pobres.
À aceleração da desigualdade somou-se a crise fiscal do Estado, que tirou dos governos locais e nacionais muito de seu poder de investimento em infra-estrutura e serviços sociais.
Como resultado, para uma parcela crescente da população a vida urbana também passou a ser sinônimo de desemprego, miséria, violência, favelas, congestionamentos e poluição.
Na média de 236 cidades pesquisadas pelo Habitat, o tempo para ir ao trabalho é de 34 minutos, 30% dos domicílios estão abaixo da linha de pobreza, 41% do emprego está no setor informal, 6,41% das crianças morrem antes dos 5 anos, e ocorrem 70 assassinatos para cada 100 mil habitantes/ano.
E há o risco de esses indicadores se deteriorarem porque o crescimento da urbanização é mais acelerado nos países pobres: em média 5% ao ano, contra 0,7% nos países desenvolvidos.
Como consequência, entre 1995 e 2015, a população urbana nos países subdesenvolvidos deve crescer 52%, enquanto nos países industrializados, onde a rede urbana já está consolidada, o crescimento será de apenas 7%.
Ao mesmo tempo, deverá haver uma multiplicação das grandes cidades nessas regiões mais pobres.
Em 1950 havia apenas cerca de 100 aglomerações urbanas com mais de 1 milhão de habitantes no mundo -a maioria delas, nos países desenvolvidos. Em 2015, segundo a ONU, haverá 527 grandes cidades. E 3 a cada 4 estarão nos países menos desenvolvidos.
A urbanização acelerada, a concentração de problemas nos países pobres, e o crescimento das grandes cidades tornam ainda mais fundamental a melhoria da administração municipal.
"Sem um governo urbano competente e confiável, muito do potencial de contribuição das cidades para o desenvolvimento econômico e social estará perdido", diz o relatório da ONU de 1996.
Pesquisando as 700 "melhores práticas" urbanas de em 100 países, o Habitat chegou a algumas palavras-chave para essa transformação: descentralização, parcerias do governo com iniciativa privada e participação popular.
Porém, como escrevem os organizadores de "Preparing for the Urban Future", não há solução sem custo para os dilemas a que todas as cidades estarão sujeitas. 'Èlas envolvem prejuízos para alguns grupos sociais e vão exacerbar outros problemas".
Os autores propõem uma revolução administrativa: "Resolver problemas urbanos requer a violação deliberada das tradicionais categorias burocráticas como habitação, saúde, infra-estrutura e emprego".
As soluções, defendem, devem ser multi-setoriais e sempre levar em conta o aumento do poder de participação dos cidadãos na tomada de decisões.


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