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TEIA URBANA
CIDADES GANHAM 6 MILHÕES DE HABITANTES A CADA 30 DIAS, DEVEM TER POPULAÇÃO SUPERIOR À DAS REGIÕES RURAIS NA PRÓXIMA DÉCADA E CONCENTRAR O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL
Urbanização cria uma Hong Kong por mês
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local
No início do próximo milênio,
em 2006, pela primeira vez na História da humanidade a quantidade
de pessoas morando em cidades
será maior do que a população rural do planeta. Não é uma mera curiosidade, mas uma revolução.
Para os brasileiros, dos quais
80% vivem em áreas urbanas, é difícil imaginar que há apenas 200
anos 98% da população mundial
ainda estava no campo.
Rápida, a revolução urbana é um
fenômeno da segunda metade deste século. A partir da fundação de
Jericó, a primeira cidade murada
do mundo, a população urbana
demorou cerca de 9 mil anos para
chegar a 38% do total mundial, em
1975.
Desde então, já saltou para 47%
e, segundo projeções das Nações
Unidas, chegará a 55% em 2015 e a
61% em 2025.
Ou seja: em apenas 50 anos, os
moradores das cidades terão sido
multiplicados de 1,5 bilhão para 5
bilhões de pessoas -o equivalente
a 500 mil cidades de São Paulo.
A reprodução da população urbana é apenas uma das causas dessa explosão. Na média mundial,
40% do crescimento da urbanização se deve à migração do campo
para a cidade.
Isso indica que, a despeito das
previsões de que as novas tecnologias de informação e a acumulação
de problemas nas metrópoles implicariam o fim da vida urbana, a
cidade absorveu essas mudanças e
continua sendo o motor do desenvolvimento econômico, artístico e
tecnológico.
Como observa o relatório 'À Situação das Cidades do Mundo"
(ONU), de 1999, o progresso de
uma nação mantém uma alta correlação com a viabilidade das suas
áreas urbanas: 'Às cidades são a
chave para o desenvolvimento".
Apesar de uma pequena queda, o
ritmo da urbanização mundial
continuará forte no início do novo
milênio. Tanto que, se esse crescimento fosse concentrado em um
só lugar, a cada semana o mundo
teria uma nova cidade do tamanho
de Curitiba.
Mas isso tem um preço. "O número de moradores urbanos vivendo em pobreza absoluta cresceu rapidamente nos anos 80, especialmente na América Latina,
África e nas economias asiáticas
menos favorecidas".
O alerta consta do "Relatório
Global sobre Aglomerações Humanas", o documento resumo do
encontro mundial (Habitat) promovido pela ONU em 1996 para
discutir o tema.
Agravado pela globalização da
economia, o crescimento das desigualdades entre cidades é um dos
principais custos da revolução urbana.
O Programa de Indicadores Urbanos do Habitat mostra que a
renda média domiciliar das cidades dos países industrializados é
38 vezes maior do que o das cidades africanas: US$ 9.543,90 contra
US$ 251,70 por ano.
Um exemplo de como a globalização da tecnologia também é excludente está no livro organizado
por por Michel Cohen, Blair Ruble
e Joseph Tulchin ("Preparing for
the Urban Future"): há mais telefones na área metropolitana de Tóquio (27 milhões de habitantes) do
que em toda a África (749 milhões).
Global, porém, é a iniquidade
dentro das próprias cidades. A
exemplo daquilo que o urbanista
Manuel Castells chamou de "cidade dual", na média mundial o rendimento dos 20% de domicílios
mais pobres é 11 vezes menor do
que o dos 20% mais ricos.
Na América Latina essa diferença chega a 17 vezes, mas mesmo
nas cidades dos países industrializados, os 20% mais ricos têm uma
renda 10 vezes maior do que os
20% mais pobres.
À aceleração da desigualdade somou-se a crise fiscal do Estado,
que tirou dos governos locais e nacionais muito de seu poder de investimento em infra-estrutura e
serviços sociais.
Como resultado, para uma parcela crescente da população a vida
urbana também passou a ser sinônimo de desemprego, miséria, violência, favelas, congestionamentos
e poluição.
Na média de 236 cidades pesquisadas pelo Habitat, o tempo para ir
ao trabalho é de 34 minutos, 30%
dos domicílios estão abaixo da linha de pobreza, 41% do emprego
está no setor informal, 6,41% das
crianças morrem antes dos 5 anos,
e ocorrem 70 assassinatos para cada 100 mil habitantes/ano.
E há o risco de esses indicadores
se deteriorarem porque o crescimento da urbanização é mais acelerado nos países pobres: em média 5% ao ano, contra 0,7% nos
países desenvolvidos.
Como consequência, entre 1995 e
2015, a população urbana nos países subdesenvolvidos deve crescer
52%, enquanto nos países industrializados, onde a rede urbana já
está consolidada, o crescimento
será de apenas 7%.
Ao mesmo tempo, deverá haver
uma multiplicação das grandes cidades nessas regiões mais pobres.
Em 1950 havia apenas cerca de
100 aglomerações urbanas com
mais de 1 milhão de habitantes no
mundo -a maioria delas, nos países desenvolvidos. Em 2015, segundo a ONU, haverá 527 grandes
cidades. E 3 a cada 4 estarão nos
países menos desenvolvidos.
A urbanização acelerada, a concentração de problemas nos países
pobres, e o crescimento das grandes cidades tornam ainda mais
fundamental a melhoria da administração municipal.
"Sem um governo urbano competente e confiável, muito do potencial de contribuição das cidades
para o desenvolvimento econômico e social estará perdido", diz o
relatório da ONU de 1996.
Pesquisando as 700 "melhores
práticas" urbanas de em 100 países, o Habitat chegou a algumas
palavras-chave para essa transformação: descentralização, parcerias
do governo com iniciativa privada
e participação popular.
Porém, como escrevem os organizadores de "Preparing for the
Urban Future", não há solução
sem custo para os dilemas a que todas as cidades estarão sujeitas. 'Èlas
envolvem prejuízos para alguns
grupos sociais e vão exacerbar outros problemas".
Os autores propõem uma revolução administrativa: "Resolver problemas urbanos requer a violação
deliberada das tradicionais categorias burocráticas como habitação,
saúde, infra-estrutura e emprego".
As soluções, defendem, devem
ser multi-setoriais e sempre levar
em conta o aumento do poder de
participação dos cidadãos na tomada de decisões.
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