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LAGOS, NIGÉRIA
Favelas se alastram pelas praias
ADEWALE ADEOYE
de Lagos, especial para a Folha
Quem chegasse pela primeira vez
a Lagos (que deverá ser a terceira
maior cidade do mundo em 2015)
nas últimas semanas seria iludido.
Mais de 5.000 camelôs, prostitutas, sem-teto e mendigos foram retirados das ruas da cidade por causa do Campeonato Mundial de Futebol Sub-20, com o intuito de dar
melhor impressão aos visitantes.
O Departamento de Coleta de Lixo da cidade contratou mil garis e
passou a punir com altas multas
quem sujasse a cidade.
Mas os habitantes da cidade
(5.685.781, segundo o Censo de
1991, ou 7 milhões, segundo projeção da ONU para 1987) sabiam
que, com o final do torneio, no sábado retrasado, seu cotidiano voltaria ao pesadelo de sempre.
Lagos é uma das cidades mais sujas do mundo. Os montes de lixo se
acumulam nas esquinas. Os entulhos recolhidos são despejados nos
bairros de Ajegugle, Ebge, Oko-Oba, na periferia da metrópole.
A maioria dos comerciantes exibe suas frutas e verduras diretamente no chão, e a situação se
agrava na estação chuvosa.
Os banheiros públicos são raros,
e os que existem expõem os usuários ao risco de contrair infecções.
O médico Bayo Otomayo, diretor
da Campanha de Conscientização
em Saúde, diz que "todos os habitantes de Lagos correm o risco de
contrair cólera, disenteria e tifo".
O desrespeito ao já precário planejamento urbano agrava os problemas da cidade -composta em
cerca de 60% por favelas.
Altos edifícios são erguidos da
noite para o dia, fábricas despontam em zonas residenciais, feiras
são montadas nas rodovias, e favelas formadas por migrantes rurais
alastram-se pelas praias, formando uma caótica teia de aranha.
Apenas em 97, com a descentralização do planejamento, Estado e
município passaram a ter condições de fazer um planejamento
correto. Mas, como acontece com
a maioria das leis na Nigéria, as
que regulam a ocupação do solo
não passam de "tigres de papel"
-não metem medo em ninguém.
A população de Lagos pouco
sente os efeitos do enorme orçamento da cidade: US$ 195 milhões
em 1998 (o orçamento de São Paulo para 1999 é de aproximadamente US$ 4 bilhões).
A situação dos transportes públicos é dramática: apenas 10% dos
veículos comerciais têm condições
de trafegar com segurança. No feriado da Semana Santa, foram registrados 7.533 infrações de trânsito; 1.760 motoristas foram presos.
A população tem também de
conviver com blecautes, cortes no
fornecimento de água e violência.
O índice de criminalidade na capital é altíssimo. Há registros de
casos de canibalismo na cidade. Os
esqueletos de várias vítimas foram
recuperados pela polícia de Lagos.
Uma das poucas diversões ao alcance da população é o Carnaval,
trazido por escravos brasileiros libertos. Esse cenário desolador tem
estimulado algumas iniciativas positivas, que podem ajudar a reduzir
os enormes problemas de Lagos.
No mês passado, 24 proprietários de terras se reuniram para tentar "restaurar o passado glorioso
da cidade". O grupo pretende instalar iluminação e latas de lixo nas
ruas, bancos nos parques e construir complexos de lazer em cooperação com o poder municipal.
As 42 favelas de Badiya já ostentam uma aparência nova devido ao
empréstimo de US$ 1,8 milhão
concedido pelo Banco Mundial.
Há cerca de um mês, o diretor do
FMI, Michel Camdessus, em visita
ao local das reformas, disse: "Lagos precisa de projetos desse tipo".
Adewale Adeoye, jornalista, é editor-assistente
do "Saturday Punch", de Lagos
Tradução de Clara Allain
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