São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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PRINCIPAIS CENTROS URBANOS IRRADIAM PROGRESSO TECNOLÓGICO, CONCENTRAM OS MERCADOS FINANCEIROS E AS SEDES DE 37 MIL EMPRESAS TRANSNACIONAIS
Cidades globais desafiam as megacidades

da Reportagem Local

Ao lado da revolução urbana, a internacionalização da economia vem consolidando nas últimas décadas o que vários sociólogos e urbanistas convencionaram chamar de cidades globais -os vetores mais importantes da globalização.
Elas formam uma rede urbana por onde transita a maior parte do US$ 1,4 trilhão que alimenta os mercados financeiros internacionais a cada ano. Mas essa teia vai além: irradia os progressos tecnológicos, dissemina serviços especializados para a indústria e concentra as estruturas de comando das 37 mil empresas transnacionais (cujas vendas superam o total de exportações e importações mundiais).
"É por meio da rede de cidades globais que a economia global é administrada, coordenada, planejada e servida", resume Saskia Sassen, em entrevista à Folha. Em outras palavras, é de onde emana o poder econômico. Professora de sociologia da Universidade de Chicago, ela é autora de vários livros sobre o tema (como "As Cidades na Economia Mundial" e "Globalization and its Discontents").
No topo dessa hierarquia estão as principais metrópoles do Primeiro Mundo, como Londres, Nova York e Tóquio. Mas a rede se estende também pela periferia: Cingapura, Cidade do México e São Paulo.

FLUXO FINANCEIRO
"Algumas dessas cidades preenchem o que seria mais bem descrito como funções de portal: elas administram o fluxo (de dinheiro, serviços e pessoas) de entrada e saída do país", escreve Sassen.
A lista de cidades globais varia em extensão e conteúdo, dependendo do autor: das 31 listadas pelo trabalho pioneiro do norte-americano John Friedmann até as 55 encontradas em estudo mais recente do Grupo de Pesquisa em Globalização e Cidades Mundiais (GaWC) da Universidade de Loughborough (Inglaterra).
Em comum, essas redes apresentam uma enorme desproporção em sua distribuição geográfica. Na lista de Friedmann, 25 das 31 cidades globais (80%) estão nos países desenvolvidos (que detêm apenas 20% da população mundial).
Na listagem da Universidade de Loughborough, o percentual cai para 60%, mas desconsideradas as últimas 35, chamadas de "cidades mundiais menores", a proporção sobe para 70%: 14 em 20 cidades globais estão no Primeiro Mundo.
Essa disparidade reflete, de um lado, os efeitos desiguais da globalização pelos continentes, de outro, o crescimento mais acelerado da população dos países menos desenvolvidos: 2% ao ano, contra 0,3% nos países desenvolvidos.
Esses dois movimentos opostos provocam uma contradição: as cidades que mais crescem no mundo e que estarão entre as maiores metrópoles do século 21 não são necessariamente cidades globais.
São os casos de Lagos (Nigéria), Dacca (Bangladesh) e Karachi (Paquistão). Em 2015, segundo a ONU, essas metrópoles serão respectivamente a terceira, a quinta e a sexta maiores do mundo.
Com populações superiores a 10 milhões de habitantes, são consideradas megacidades pelas Nações Unidas. Mas estão longe de concentrar o poder que caracteriza as cidades globais. Ao contrário, concentram pobreza e problemas.
A renda per capita em Lagos, segundo levantamento do Habitat (ONU), era de apenas US$ 68 por ano em 93. Em Nova York, uma das três principais cidades globais e também uma megacidade, ela é 183 vezes maior: US$ 12.420.
Pobreza implica menos recolhimento de impostos: as receitas da administração municipal correspondem a meros US$ 2,60 por habitante/ano na cidade nigeriana, contra US$ 5.829 na maior cidade dos EUA. E isso se reflete na infra-estrutura básica: só 2% das moradias de Lagos têm acesso a rede de esgoto, enquanto a coleta atinge 98,6% das casas nova-iorquinas.
Essas desigualdades só tendem a aumentar no futuro. Com uma taxa de crescimento populacional de 4,5% ao ano, Lagos saltará de cerca de 10,9 milhões de habitantes para 24,6 milhões em 2015, suplantando Nova York, que terá 17,6 milhões de moradores. Esses não são casos isolados, mas uma tendência.

DESIGUALDADE
Em maior ou menor grau, discrepâncias similares em relação às cidades globais do Primeiro Mundo podem ser encontradas em outras megacidades do futuro, como Nova Delhi (Índia), Shangai (China) e Cairo (Egito). "Não tenho dúvida de que as cidades globais provocam desigualdade no plano internacional", diz o canadense Ted Hewitt, diretor-adjunto da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Western Ontario.
"Na América Latina, isso já está acontecendo. Para as multinacionais, é fora de questão manter uma presença em todos os países da região. É mais fácil estar em uma grande cidade e servir o mercado latino-americano de lá. Cidades como São Paulo e Santiago (Chile), onde os serviços são melhores, vão ganhar, e outras vão perder", diz.
Sassen escreve algo semelhante em "As Cidades na Economia Mundial": "Existem cidades, como Paris ou Londres, que pertencem a uma hierarquia urbana nacional e a um sistema em nível global. Por outro lado, cidades situadas fora dessas hierarquias tendem a se tornar periféricas ou ainda mais periféricas do que têm sido até então".
O tamanho tem pouco a ver com o desenvolvimento. Com menos de 1 milhão de habitantes, Zurique (Suíça) é uma cidade global, enquanto Lagos, com uma população 10 vezes maior, não é.
A mesma lógica de exclusão, entretanto, se aplica ao interior das próprias cidades globais.
Sassen explica que a atual economia pós-industrial precisa de mão-de-obra extremamente qualificada e bem remunerada para executar serviços financeiros, legais ou de consultoria. Ao mesmo tempo, cresce a demanda por trabalhadores pouco qualificados para exercerem serviços de limpeza e segurança, por exemplo. São a maioria e tendem a ser expulsos, pela elevação do custo de vida, para a periferia e áreas deterioradas das mesmas cidades globais.
Exemplo disso é que a renda dos 20% nova-iorquinos da base da pirâmide social da cidade é 15 vezes menor do que a dos que estão entre os 20% mais ricos.
"Não há dúvida de que a globalização aumenta os níveis de iniquidade entre lugares e dentro das cidades, entre aqueles que se beneficiam das novas formas de concentração de atividades estratégicas e aqueles que trabalham nos setores tradicionais", afirma Sassen.
"Além disso", diz, "a globalização está deixando pessoas excluídas de uma maneira como não acontecia 20 anos atrás. Sempre houve pobres, mas o nível de exclusão de qualquer possibilidade de sobrevivência alcançou uma dimensão totalmente nova. Precisamos que governo e sociedade civil trabalhem para reduzir os efeitos dos poderosos mercados globais". (JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)




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