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PRINCIPAIS CENTROS URBANOS IRRADIAM PROGRESSO TECNOLÓGICO, CONCENTRAM
OS MERCADOS FINANCEIROS E AS SEDES DE 37 MIL EMPRESAS TRANSNACIONAIS
Cidades globais desafiam as megacidades
da Reportagem Local
Ao lado da revolução urbana, a
internacionalização da economia
vem consolidando nas últimas décadas o que vários sociólogos e urbanistas convencionaram chamar
de cidades globais -os vetores
mais importantes da globalização.
Elas formam uma rede urbana
por onde transita a maior parte do
US$ 1,4 trilhão que alimenta os
mercados financeiros internacionais a cada ano. Mas essa teia vai
além: irradia os progressos tecnológicos, dissemina serviços especializados para a indústria e concentra as estruturas de comando
das 37 mil empresas transnacionais (cujas vendas superam o total
de exportações e importações
mundiais).
"É por meio da rede de cidades
globais que a economia global é
administrada, coordenada, planejada e servida", resume Saskia Sassen, em entrevista à Folha. Em outras palavras, é de onde emana o
poder econômico. Professora de
sociologia da Universidade de Chicago, ela é autora de vários livros
sobre o tema (como "As Cidades
na Economia Mundial" e "Globalization and its Discontents").
No topo dessa hierarquia estão as
principais metrópoles do Primeiro
Mundo, como Londres, Nova York
e Tóquio. Mas a rede se estende
também pela periferia: Cingapura,
Cidade do México e São Paulo.
FLUXO FINANCEIRO
"Algumas dessas cidades preenchem o que seria mais bem descrito como funções de portal: elas administram o fluxo (de dinheiro,
serviços e pessoas) de entrada e
saída do país", escreve Sassen.
A lista de cidades globais varia
em extensão e conteúdo, dependendo do autor: das 31 listadas pelo trabalho pioneiro do norte-americano John Friedmann até as
55 encontradas em estudo mais recente do Grupo de Pesquisa em
Globalização e Cidades Mundiais
(GaWC) da Universidade de
Loughborough (Inglaterra).
Em comum, essas redes apresentam uma enorme desproporção
em sua distribuição geográfica. Na
lista de Friedmann, 25 das 31 cidades globais (80%) estão nos países
desenvolvidos (que detêm apenas
20% da população mundial).
Na listagem da Universidade de
Loughborough, o percentual cai
para 60%, mas desconsideradas as
últimas 35, chamadas de "cidades
mundiais menores", a proporção
sobe para 70%: 14 em 20 cidades
globais estão no Primeiro Mundo.
Essa disparidade reflete, de um
lado, os efeitos desiguais da globalização pelos continentes, de outro, o crescimento mais acelerado
da população dos países menos
desenvolvidos: 2% ao ano, contra
0,3% nos países desenvolvidos.
Esses dois movimentos opostos
provocam uma contradição: as cidades que mais crescem no mundo
e que estarão entre as maiores metrópoles do século 21 não são necessariamente cidades globais.
São os casos de Lagos (Nigéria),
Dacca (Bangladesh) e Karachi (Paquistão). Em 2015, segundo a
ONU, essas metrópoles serão respectivamente a terceira, a quinta e
a sexta maiores do mundo.
Com populações superiores a 10
milhões de habitantes, são consideradas megacidades pelas Nações
Unidas. Mas estão longe de concentrar o poder que caracteriza as
cidades globais. Ao contrário, concentram pobreza e problemas.
A renda per capita em Lagos, segundo levantamento do Habitat
(ONU), era de apenas US$ 68 por
ano em 93. Em Nova York, uma
das três principais cidades globais
e também uma megacidade, ela é
183 vezes maior: US$ 12.420.
Pobreza implica menos recolhimento de impostos: as receitas da
administração municipal correspondem a meros US$ 2,60 por habitante/ano na cidade nigeriana,
contra US$ 5.829 na maior cidade
dos EUA. E isso se reflete na infra-estrutura básica: só 2% das moradias de Lagos têm acesso a rede de
esgoto, enquanto a coleta atinge
98,6% das casas nova-iorquinas.
Essas desigualdades só tendem a
aumentar no futuro. Com uma taxa de crescimento populacional de
4,5% ao ano, Lagos saltará de cerca
de 10,9 milhões de habitantes para
24,6 milhões em 2015, suplantando
Nova York, que terá 17,6 milhões
de moradores. Esses não são casos
isolados, mas uma tendência.
DESIGUALDADE
Em maior ou menor grau, discrepâncias similares em relação às
cidades globais do Primeiro Mundo podem ser encontradas em outras megacidades do futuro, como
Nova Delhi (Índia), Shangai (China) e Cairo (Egito). "Não tenho dúvida de que as cidades globais provocam desigualdade no plano internacional", diz o canadense Ted
Hewitt, diretor-adjunto da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Western Ontario.
"Na América Latina, isso já está
acontecendo. Para as multinacionais, é fora de questão manter uma
presença em todos os países da região. É mais fácil estar em uma
grande cidade e servir o mercado
latino-americano de lá. Cidades
como São Paulo e Santiago (Chile),
onde os serviços são melhores, vão
ganhar, e outras vão perder", diz.
Sassen escreve algo semelhante
em "As Cidades na Economia
Mundial": "Existem cidades, como
Paris ou Londres, que pertencem a
uma hierarquia urbana nacional e
a um sistema em nível global. Por
outro lado, cidades situadas fora
dessas hierarquias tendem a se tornar periféricas ou ainda mais periféricas do que têm sido até então".
O tamanho tem pouco a ver com
o desenvolvimento. Com menos
de 1 milhão de habitantes, Zurique
(Suíça) é uma cidade global, enquanto Lagos, com uma população 10 vezes maior, não é.
A mesma lógica de exclusão, entretanto, se aplica ao interior das
próprias cidades globais.
Sassen explica que a atual economia pós-industrial precisa de mão-de-obra extremamente qualificada
e bem remunerada para executar
serviços financeiros, legais ou de
consultoria. Ao mesmo tempo,
cresce a demanda por trabalhadores pouco qualificados para exercerem serviços de limpeza e segurança, por exemplo. São a maioria
e tendem a ser expulsos, pela elevação do custo de vida, para a periferia e áreas deterioradas das mesmas cidades globais.
Exemplo disso é que a renda dos
20% nova-iorquinos da base da pirâmide social da cidade é 15 vezes
menor do que a dos que estão entre
os 20% mais ricos.
"Não há dúvida de que a globalização aumenta os níveis de iniquidade entre lugares e dentro das cidades, entre aqueles que se beneficiam das novas formas de concentração de atividades estratégicas e
aqueles que trabalham nos setores
tradicionais", afirma Sassen.
"Além disso", diz, "a globalização está deixando pessoas excluídas de uma maneira como não
acontecia 20 anos atrás. Sempre
houve pobres, mas o nível de exclusão de qualquer possibilidade
de sobrevivência alcançou uma dimensão totalmente nova. Precisamos que governo e sociedade civil
trabalhem para reduzir os efeitos
dos poderosos mercados globais".
(JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)
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