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VIOLÊNCIA
TAXA DE HOMICÍDIOS NO PRIMEIRO MUNDO É IGUAL À DAS NAÇÕES SUBDESENVOLVIDAS;
CRIMINALIDADE É MAIS ELEVADA NOS PAÍSES EMERGENTES
Mapa-múndi do crime iguala ricos e pobres
GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial
Em 1998, Florianópolis registrou
29 homicídios. Traduzindo: cinco
mortes para cada 100 mil habitantes. Com uma população de 300
mil pessoas, a capital de Santa Catarina fez dessa estatística um pólo
de atração de migrantes refinados,
cansados da violência urbana, e virou notícia, por ser a taxa mais baixa entre as capitais brasileiras.
À primeira vista, as razões dos
bons indicadores são óbvios: poder aquisitivo dos habitantes bem
superior à média, baixa taxa de migração e população pequena,
quando comparada a centros como São Paulo (59 homicídios por
100 mil habitantes) ou Rio de Janeiro (56 por 100 mil).
Se cruzarmos o planeta até Bombaim (Índia), com suas intermináveis favelas, renda per capita de
US$ 300 anuais e 15 milhões de
pessoas, vemos que a explicação
para a calmaria de Florianópolis é,
no mínimo, incompleta -põe por
terra o mito de que a violência é
causada só pela pobreza, jogando
novos desafios aos urbanistas.
O mapa-múndi dos homicídios
contraria o senso comum; Bombaim não é exceção. A tal ponto se
contraria o senso comum que os
países mais subdesenvolvidos ostentam taxas de homicídio ainda
menores do que os mais desenvolvidos. Nos mais pobres, é de 4,2
por 100 mil; nos mais ricos, 4,7.
O jogo bruto aparece mesmo nas
nações intermediárias, como Brasil, Colômbia, Venezuela e México.
"Sem levar em conta os motivos
dessa disparidade, não encontraremos as causas da violência urbana e jamais saberemos como enfrentá-la", afirma Túlio Khan, do
Ilanud, entidade da ONU que estuda violência e criminalidade.
Buscando respostas para a questão, o professor de economia da
Universidade de Chicago Alexandre Sheinkman colocou no computador uma lista de centenas de
cidades americanas, comparando
vários indicadores sociais (renda,
número de mulheres solteiras, desemprego etc.) com as taxas de violência. "Não há nenhuma relação
entre renda e crime", disse, depois
de constatar os dados díspares.
Daí o sucesso da tese do "capital
social" -e também uma explicação sobre como as cidades podem
ajudar ou não a aliviar a violência.
O "capital social" é a medida das
relações que um indivíduo tem, relações capazes de integrá-lo e fazê-lo prosperar, evitando a percepção
de marginalidade. É medido pela
força das igrejas (logo, da religião,
fator relevante na hindu Bombaim), da família, da escola, dos
centros de saúde e comunitários,
dos espaços para lazer.
Se há numa comunidade um jovem com comportamento agressivo, desviante, mas o padre, o tio, o
professor consegue orientá-lo, o
capital social daquela comunidade
é alto. Quando o comportamento
desviante é elogiado, as gangues
são o poder, as famílias são desestruturadas, a escola ineficiente, a
polícia corrupta ou arbitrária, o
padrão é a marginalidade.
BENEFÍCIOS ESPORTIVOS
Experiências espalhadas na Europa e nos EUA mostram como o
esporte é capaz de gerar aumento
do capital social. Para debelar o
ócio, especialmente nos finais de
semana, várias cidades adotaram
torneios à noite, justamente o período mais agressivo. Automaticamente, caiu o registro de conflitos.
Uma das zonas mais violentas do
Brasil (e do mundo) é o Jardim Ângela, com escasso espaço de lazer e
encontro. A Universidade Federal
de São Paulo fez uma pesquisa sobre os hábitos de seus moradores e
detectou, em determinadas partes
do bairro, um bar para cada dez casas. "O indivíduo não tem o que fazer. Bebe, discute por motivos banais, acaba em tiro", diz o psiquiatra Rolando Laranjeira, pesquisador que desenvolve um trabalho
de prevenção às drogas na região.
Os países de desenvolvimento
intermediário são marcados por
migrações explosivas para centros
urbanos despreparados em infra-estrutura e com apelos de consumo -dois combustíveis da sensação de marginalidade. "Falta de lazer, de espaço de encontro, gera
comunidades estressadas", afirma
o urbanista Cândido Malta.
A migração, muitas vezes, destrói os laços familiares e comunitários estabelecidos nas pequenas cidades. E num ambiente de desemprego, baixo salário, falta de Justiça e de polícia. Ou seja, de baixo capital social. Por isso, as igrejas
evangélicas obtêm bons resultados
na periferia. Elas oferecem "ordem" e senso de integração.
Policiais costumam estudar, em
São Paulo, o fenômeno da favela
Monte Azul, onde inexiste criminalidade. A explicação está no sentido de pertencimento, criado porque eles se organizaram, com a
ajuda de entidades não-governamentais, para contrabalançar as
carências de saúde e educação.
A capacidade de as cidades lidarem com a violência vai estar, portanto, diretamente associada à sua
habilidade em aumentar o capital
social, não só distribuindo renda,
mas apostando em espaços de convivência e integração.
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