São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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VIOLÊNCIA
TAXA DE HOMICÍDIOS NO PRIMEIRO MUNDO É IGUAL À DAS NAÇÕES SUBDESENVOLVIDAS; CRIMINALIDADE É MAIS ELEVADA NOS PAÍSES EMERGENTES
Mapa-múndi do crime iguala ricos e pobres

GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial

Em 1998, Florianópolis registrou 29 homicídios. Traduzindo: cinco mortes para cada 100 mil habitantes. Com uma população de 300 mil pessoas, a capital de Santa Catarina fez dessa estatística um pólo de atração de migrantes refinados, cansados da violência urbana, e virou notícia, por ser a taxa mais baixa entre as capitais brasileiras.
À primeira vista, as razões dos bons indicadores são óbvios: poder aquisitivo dos habitantes bem superior à média, baixa taxa de migração e população pequena, quando comparada a centros como São Paulo (59 homicídios por 100 mil habitantes) ou Rio de Janeiro (56 por 100 mil).
Se cruzarmos o planeta até Bombaim (Índia), com suas intermináveis favelas, renda per capita de US$ 300 anuais e 15 milhões de pessoas, vemos que a explicação para a calmaria de Florianópolis é, no mínimo, incompleta -põe por terra o mito de que a violência é causada só pela pobreza, jogando novos desafios aos urbanistas.
O mapa-múndi dos homicídios contraria o senso comum; Bombaim não é exceção. A tal ponto se contraria o senso comum que os países mais subdesenvolvidos ostentam taxas de homicídio ainda menores do que os mais desenvolvidos. Nos mais pobres, é de 4,2 por 100 mil; nos mais ricos, 4,7.
O jogo bruto aparece mesmo nas nações intermediárias, como Brasil, Colômbia, Venezuela e México.
"Sem levar em conta os motivos dessa disparidade, não encontraremos as causas da violência urbana e jamais saberemos como enfrentá-la", afirma Túlio Khan, do Ilanud, entidade da ONU que estuda violência e criminalidade.
Buscando respostas para a questão, o professor de economia da Universidade de Chicago Alexandre Sheinkman colocou no computador uma lista de centenas de cidades americanas, comparando vários indicadores sociais (renda, número de mulheres solteiras, desemprego etc.) com as taxas de violência. "Não há nenhuma relação entre renda e crime", disse, depois de constatar os dados díspares.
Daí o sucesso da tese do "capital social" -e também uma explicação sobre como as cidades podem ajudar ou não a aliviar a violência.
O "capital social" é a medida das relações que um indivíduo tem, relações capazes de integrá-lo e fazê-lo prosperar, evitando a percepção de marginalidade. É medido pela força das igrejas (logo, da religião, fator relevante na hindu Bombaim), da família, da escola, dos centros de saúde e comunitários, dos espaços para lazer.
Se há numa comunidade um jovem com comportamento agressivo, desviante, mas o padre, o tio, o professor consegue orientá-lo, o capital social daquela comunidade é alto. Quando o comportamento desviante é elogiado, as gangues são o poder, as famílias são desestruturadas, a escola ineficiente, a polícia corrupta ou arbitrária, o padrão é a marginalidade.

BENEFÍCIOS ESPORTIVOS
Experiências espalhadas na Europa e nos EUA mostram como o esporte é capaz de gerar aumento do capital social. Para debelar o ócio, especialmente nos finais de semana, várias cidades adotaram torneios à noite, justamente o período mais agressivo. Automaticamente, caiu o registro de conflitos.
Uma das zonas mais violentas do Brasil (e do mundo) é o Jardim Ângela, com escasso espaço de lazer e encontro. A Universidade Federal de São Paulo fez uma pesquisa sobre os hábitos de seus moradores e detectou, em determinadas partes do bairro, um bar para cada dez casas. "O indivíduo não tem o que fazer. Bebe, discute por motivos banais, acaba em tiro", diz o psiquiatra Rolando Laranjeira, pesquisador que desenvolve um trabalho de prevenção às drogas na região.
Os países de desenvolvimento intermediário são marcados por migrações explosivas para centros urbanos despreparados em infra-estrutura e com apelos de consumo -dois combustíveis da sensação de marginalidade. "Falta de lazer, de espaço de encontro, gera comunidades estressadas", afirma o urbanista Cândido Malta.
A migração, muitas vezes, destrói os laços familiares e comunitários estabelecidos nas pequenas cidades. E num ambiente de desemprego, baixo salário, falta de Justiça e de polícia. Ou seja, de baixo capital social. Por isso, as igrejas evangélicas obtêm bons resultados na periferia. Elas oferecem "ordem" e senso de integração.
Policiais costumam estudar, em São Paulo, o fenômeno da favela Monte Azul, onde inexiste criminalidade. A explicação está no sentido de pertencimento, criado porque eles se organizaram, com a ajuda de entidades não-governamentais, para contrabalançar as carências de saúde e educação.
A capacidade de as cidades lidarem com a violência vai estar, portanto, diretamente associada à sua habilidade em aumentar o capital social, não só distribuindo renda, mas apostando em espaços de convivência e integração.


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