São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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HABITAÇÃO
ÓRGÃOS DE SAÚDE TEMEM QUE A FALTA DE ESGOTO E ÁGUA ENCANADA VOLTE A PROVOCAR EPIDEMIAS DE TIFO E TÉTANO
Favelas vão abrigar 1 bilhão de pessoas

CLEIDE FLORESTA
da Reportagem Local

Um bilhão de pessoas vão morar em barracos de madeira, amontoadas em cortiços ou em instalações sem as mínimas condições de higiene. Esse é o prognóstico urbano mais otimista para o próximo século, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) e a Water-Aid (organização inglesa de desenvolvimento sanitário).
Com tanta gente vivendo nas cidades sem acesso a esgoto e água encanada, as organizações mundiais de saúde temem ainda a volta de epidemias como tifo e tétano.
Esse cenário pessimista deve se concentrar em países em desenvolvimento, onde estima-se que 50% da população urbana passe a viver em subabitações.
Publicação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) revela que essa situação já atinge cerca de 54% da população de Jacarta (Indonésia ), 58% da de Lagos (Nigéria) e 57% da de Bombaim (Índia). No Rio de Janeiro, o número cai para 34%, e em Karachi (Paquistão), para 37%. Em São Paulo, o último levantamento realizado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 93, mostrava que 25,5% dos paulistanos viviam em cortiços e favelas. Os loteamentos irregulares correspondiam a outros 25,5%.
Segundo a UNCHS (departamento de habitação da ONU), essa previsão catastrófica é o reflexo direto de um mercado imobiliário que não dá a mínima atenção para a questão da moradia popular.

DISCREPÂNCIA
Para se ter uma idéia da discrepância, na cidade de São Paulo, nos últimos cinco anos, foram lançados cerca de 61 mil apartamentos de médio e alto padrão (mais de R$ 75 mil), contra 47,5 mil unidades para pessoas de "baixa renda" (até R$ 75 mil), segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio. Enquanto isso, o número de favelados subiu de 1,07 milhão (11% da população em 91) para 1,9 milhão (19% da população em 93).
E esse quadro, segundo urbanistas, ainda seria agravado pela falta de políticas habitacionais e de planejamento. Existe um consenso de que é impossível equacionar a questão habitacional sem mudanças na legislação do uso do solo, a prevenção contra a especulação fundiária e leis que incentivem as empresas a investir em imóveis para a população de baixa renda.
A professora da USP Maria Cecília Loschiavo, que pesquisa a vida de moradores de rua, chega a sugerir a adoção de uma lei de incentivo à habitação nos moldes da que ampara a cultura (Lei Rouanet). "Com a dedução fiscal, mesmo que por um período determinado, o governo incentivaria as empresas a olharem para esse segmento", diz.
Num cenário negativo como esse, uma referência recorrente costuma ser a tecnologia. Não seriam os cientistas capazes de construir casas suficientemente baratas para acabar com o déficit habitacional?
Segundo Claudio Vicente Mitidieri Filho, do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) da USP, muitas tecnologias podem agilizar uma obra e trazer mais qualidade à construção, mas dificilmente vão conseguir solucionar o problema.
O principal avanço nas pesquisas, que vão das casas de isopor às de aço, tem sido no sentido da velocidade, não do preço. O desenvolvimento de pré-moldados permite hoje que uma casa seja construída em poucos meses. Mas esse ganho não resolve o problema. Mitidieri não acredita que algum empresário vá ter interesse em arcar com o custo de uma obra em poucos meses para ser pago por um financiamento de longo prazo.

ALTERNATIVAS
Sem uma solução tecnológica visível no curto prazo, a grande busca hoje é por um modelo de ação conjunta, que consiga aglutinar sociedade, mercado e governo.
Para Stephan Walsh, 34, assessor do programa "Melhores Práticas" da ONU na América Latina, não dá para apenas esperar ações do governo. "Está cada vez mais claro que o que funciona é a parceria de ONGs (organizações não-governamentais), sociedade e governo."
O urbanista Jorge Wilheim define três pontos como fundamentais: vontade política, espírito público e criatividade. São tópicos que resumiriam uma série de ações que os governos deveriam adotar.
Elas incluiriam a criação de subsídios para a parcela da população que não tem acesso ao mercado, o que pode ser feito por meio de taxação de grandes fortunas, a implantação de minicréditos e de uma cesta básica da construção.
Luiz Carlos Costa, professor de planejamento urbano da FAU-USP e consultor na área de planejamento urbano, diz que, se os preços dos terrenos não baixarem, os projetos sociais não serão viáveis. Ele cita como exemplo conjuntos habitacionais de Itaquera (zona leste de São Paulo), viabilizados porque a legislação só permitia a construção de imóveis populares na área. Como só o Poder Público podia construir no local, os proprietários baixaram os preços.

URBANIZAÇÃO
A urbanização de favelas também é apontada como algo capaz de amenizar o problema. Pesquisa de doutorado de Laura Machado de Mello Bueno, 44, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas, mostra que o padrão das casas melhorou nas favelas urbanizadas. Isso porque os moradores passaram a investir nos imóveis quando tiveram a certeza de que não haveria remoção.
No Rio de Janeiro, o projeto "Favela-Bairro", que integra o banco de dados da ONU, é um bom exemplo. Em linhas gerais, propõe uma intervenção nas favelas com a colocação de creches, praças e serviços, além de melhoria e remoção de habitações em áreas de risco.
O programa, quando concluído, beneficiará 450 mil pessoas em 105 favelas. O orçamento previsto é de US$ 400 milhões, sendo US$ 180 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Em quatro anos, os trabalhos já foram concluídos em 29 favelas. A prefeitura deve iniciar a intervenção em pelo menos mais 24 áreas em 99. O preço médio da intervenção, segundo urbanistas, fica em torno de US$ 2.000 por família. Quando o projeto requer a construção de creches e escolas, entre outros serviços, chega a US$ 4.000. Um apartamento em um conjunto habitacional custa em média R$ 20 mil.
Em Xangai (China), onde vivem cerca de 14 milhões de pessoas (1,8 milhão em locais superlotados), foi criado, em 87, um projeto para reduzir o problema. O município investiu US$ 217 milhões, atendendo 47 mil famílias (US$ 4.600 por família) e, até o ano 2000, espera recolocar mais 74 mil famílias. A definição de espaços para a construção é de responsabilidade de uma comissão municipal.


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