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HABITAÇÃO
ÓRGÃOS DE SAÚDE TEMEM QUE A FALTA DE ESGOTO E ÁGUA ENCANADA VOLTE A
PROVOCAR EPIDEMIAS DE TIFO E TÉTANO
Favelas vão abrigar 1 bilhão de pessoas
CLEIDE FLORESTA
da Reportagem Local
Um bilhão de pessoas vão morar
em barracos de madeira, amontoadas em cortiços ou em instalações sem as mínimas condições de
higiene. Esse é o prognóstico urbano mais otimista para o próximo
século, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) e a Water-Aid (organização inglesa de desenvolvimento sanitário).
Com tanta gente vivendo nas cidades sem acesso a esgoto e água
encanada, as organizações mundiais de saúde temem ainda a volta
de epidemias como tifo e tétano.
Esse cenário pessimista deve se
concentrar em países em desenvolvimento, onde estima-se que
50% da população urbana passe a
viver em subabitações.
Publicação da OIT (Organização
Internacional do Trabalho) revela
que essa situação já atinge cerca de
54% da população de Jacarta (Indonésia ), 58% da de Lagos (Nigéria) e 57% da de Bombaim (Índia).
No Rio de Janeiro, o número cai
para 34%, e em Karachi (Paquistão), para 37%. Em São Paulo, o último levantamento realizado pela
Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 93, mostrava que 25,5% dos paulistanos
viviam em cortiços e favelas. Os loteamentos irregulares correspondiam a outros 25,5%.
Segundo a UNCHS (departamento de habitação da ONU), essa
previsão catastrófica é o reflexo direto de um mercado imobiliário
que não dá a mínima atenção para
a questão da moradia popular.
DISCREPÂNCIA
Para se ter uma idéia da discrepância, na cidade de São Paulo, nos
últimos cinco anos, foram lançados cerca de 61 mil apartamentos
de médio e alto padrão (mais de R$
75 mil), contra 47,5 mil unidades
para pessoas de "baixa renda" (até
R$ 75 mil), segundo a Empresa
Brasileira de Estudos de Patrimônio. Enquanto isso, o número de
favelados subiu de 1,07 milhão
(11% da população em 91) para 1,9
milhão (19% da população em 93).
E esse quadro, segundo urbanistas, ainda seria agravado pela falta
de políticas habitacionais e de planejamento. Existe um consenso de
que é impossível equacionar a
questão habitacional sem mudanças na legislação do uso do solo, a
prevenção contra a especulação
fundiária e leis que incentivem as
empresas a investir em imóveis para a população de baixa renda.
A professora da USP Maria Cecília Loschiavo, que pesquisa a vida
de moradores de rua, chega a sugerir a adoção de uma lei de incentivo à habitação nos moldes da que
ampara a cultura (Lei Rouanet).
"Com a dedução fiscal, mesmo que
por um período determinado, o
governo incentivaria as empresas a
olharem para esse segmento", diz.
Num cenário negativo como esse, uma referência recorrente costuma ser a tecnologia. Não seriam
os cientistas capazes de construir
casas suficientemente baratas para
acabar com o déficit habitacional?
Segundo Claudio Vicente Mitidieri Filho, do IPT (Instituto de
Pesquisas Tecnológicas) da USP,
muitas tecnologias podem agilizar
uma obra e trazer mais qualidade à
construção, mas dificilmente vão
conseguir solucionar o problema.
O principal avanço nas pesquisas, que vão das casas de isopor às
de aço, tem sido no sentido da velocidade, não do preço. O desenvolvimento de pré-moldados permite hoje que uma casa seja construída em poucos meses. Mas esse
ganho não resolve o problema. Mitidieri não acredita que algum empresário vá ter interesse em arcar
com o custo de uma obra em poucos meses para ser pago por um financiamento de longo prazo.
ALTERNATIVAS
Sem uma solução tecnológica visível no curto prazo, a grande busca hoje é por um modelo de ação
conjunta, que consiga aglutinar
sociedade, mercado e governo.
Para Stephan Walsh, 34, assessor
do programa "Melhores Práticas"
da ONU na América Latina, não dá
para apenas esperar ações do governo. "Está cada vez mais claro
que o que funciona é a parceria de
ONGs (organizações não-governamentais), sociedade e governo."
O urbanista Jorge Wilheim define três pontos como fundamentais: vontade política, espírito público e criatividade. São tópicos
que resumiriam uma série de ações
que os governos deveriam adotar.
Elas incluiriam a criação de subsídios para a parcela da população
que não tem acesso ao mercado, o
que pode ser feito por meio de taxação de grandes fortunas, a implantação de minicréditos e de
uma cesta básica da construção.
Luiz Carlos Costa, professor de
planejamento urbano da FAU-USP e consultor na área de planejamento urbano, diz que, se os preços dos terrenos não baixarem, os
projetos sociais não serão viáveis.
Ele cita como exemplo conjuntos
habitacionais de Itaquera (zona
leste de São Paulo), viabilizados
porque a legislação só permitia a
construção de imóveis populares
na área. Como só o Poder Público
podia construir no local, os proprietários baixaram os preços.
URBANIZAÇÃO
A urbanização de favelas também é apontada como algo capaz
de amenizar o problema. Pesquisa
de doutorado de Laura Machado
de Mello Bueno, 44, professora da
PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas, mostra que o
padrão das casas melhorou nas favelas urbanizadas. Isso porque os
moradores passaram a investir nos
imóveis quando tiveram a certeza
de que não haveria remoção.
No Rio de Janeiro, o projeto "Favela-Bairro", que integra o banco
de dados da ONU, é um bom
exemplo. Em linhas gerais, propõe
uma intervenção nas favelas com a
colocação de creches, praças e serviços, além de melhoria e remoção
de habitações em áreas de risco.
O programa, quando concluído,
beneficiará 450 mil pessoas em 105
favelas. O orçamento previsto é de
US$ 400 milhões, sendo US$ 180
milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Em
quatro anos, os trabalhos já foram
concluídos em 29 favelas. A prefeitura deve iniciar a intervenção em
pelo menos mais 24 áreas em 99. O
preço médio da intervenção, segundo urbanistas, fica em torno de
US$ 2.000 por família. Quando o
projeto requer a construção de creches e escolas, entre outros serviços, chega a US$ 4.000. Um apartamento em um conjunto habitacional custa em média R$ 20 mil.
Em Xangai (China), onde vivem
cerca de 14 milhões de pessoas (1,8
milhão em locais superlotados),
foi criado, em 87, um projeto para
reduzir o problema. O município
investiu US$ 217 milhões, atendendo 47 mil famílias (US$ 4.600 por
família) e, até o ano 2000, espera
recolocar mais 74 mil famílias. A
definição de espaços para a construção é de responsabilidade de
uma comissão municipal.
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