São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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TRANSPORTE
MAIS LEVE E RESISTENTE, VEÍCULO PODERÁ RODAR ATÉ 250 KM COM APENAS 1 LITRO DE COMBUSTÍVEL
Vem aí o hipercarro...

MARCELO LEITE
especial para a Folha

Para quem acredita que os automóveis representam a libertação do indivíduo no mundo urbano e industrial e o direito de ir e vir, um fundamento da cidadania, está chegando a era da hiperliberdade.
"Freie Fahrt für freie Bürger" (pista livre para cidadãos livres), dizem os alemães, que projetam os veículos de passeio mais cobiçados do mundo. Mas é na América, pátria da poderosa combinação simbólica carro e cinema, que está nascendo o carro do século 21.
O nome, se não diz tudo, diz muito: hipercarro. Por enquanto é só uma idéia, menos ainda do que os carros-conceito que fabricantes montam artesanalmente para embasbacar o público. Ela não se encontra nas pranchetas de Detroit ou nos estandes de Genebra, mas na cabeça de visionários exilados no prédio ecologicamente correto do Rocky Mountain Institute, nas montanhas Rochosas. Não se vai encontrá-lo em salão algum, só na Internet: www.hypercar.com.
Perto do que se pretende com o hipercarro, os 1.405 kg e os 5,05 quilômetros por litro fazem do novo Passat V6 menos do que uma carroça de R$ 72 mil. Para começar, o combustível do importado que fascina executivos brasileiros é mais que obsoleto, a fedorenta gasolina. Já é consenso, hoje, que no futuro só haverá lugar sob o capô para eletricidade, mais silenciosa, limpa e eficiente.
Só com as tecnologias existentes e materiais como fibra de carbono, já na primeira década do novo século seria possível melhorar o consumo de energia por um fator dez, ou seja, chegar a 50 km/l. Quando a tecnologia das células de combustível (veja quadro) estiver plenamente adaptada, e seu custo começar a cair, a eficiência pode alcançar 250 km/l. Seria possível viajar de São Paulo ao Rio com o correspondente a menos de dois litros de gasolina -provavelmente hidrogênio, cuja combustão (queima) produz o inofensivo vapor d'água.
Segundo Amory Lovins, profeta do hipercarro, seu ovo de Colombo está em romper a compulsão dos projetistas em aumentar o peso dos carros, mesmo com o uso de metais mais leves, como o alumínio. Automóveis mais leves podem rodar com motores menos potentes -e, portanto, eles mesmos mais leves. A partir daí, ganhos se sucederiam, como numa cascata.
"Os consumidores comprarão hipercarros porque serão carros melhores, não porque economizam combustível -assim como as pessoas compram CDs e não discos de vinil", escreveu Lovins no ensaio "Hipercarros: A Próxima Revolução Industrial" (www.rmi. org/hypercars/osaka).
Melhorando a aerodinâmica e outras fontes de perdas de energia, como a transmissão, acredita que se possa terminar cortando dois terços da gordura de pesos-pesados como o Passat, sem diminuir o espaço interno e o conforto. Hoje, 95% da energia extraída do combustível é desperdiçada movendo o próprio veículo, não seus passageiros. Para um símbolo da modernidade, o desempenho é decepcionante. Em lugar de dar asas para o cidadão, os carros de hoje o condenam a arrastar por aí enormes tanques de combustível.
Embarcando um bocado de eletrônica e automatizando a navegação, os hipercarros poderiam autodirigir-se em superestradas inteligentes, liberando seus motoristas para ler ou trabalhar nos trajetos mais longos. Nada impede também que eles sejam hibridizados com outros conceitos, como o RUF do dinamarquês Palle Jensen, um dos sistemas duais em discussão. Até alcançar uma grande artéria de tráfego, o veículo é um carro que pode ser manobrado livremente. A partir daí, seria transformado numa espécie de vagão individual de um trem de alta velocidade.
Quanto disso ainda terá algo a ver com a liberdade de escolher os próprios caminhos, cabe ao cinema do futuro dizer. Nas cidades de concreto e asfalto de hoje, todos acabam escolhendo os mesmos.


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