São Paulo, Domingo, 02 de Maio de 1999
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...para ficar preso no megacongestionamento

especial para a Folha

As metrópoles do mundo, em especial as do Terceiro Mundo, estão viciadas em carros. A dependência congestiona cidades e cidadãos, mas a motorização só faz aumentar. Da Segunda Guerra Mundial ao início dos anos 90, calcula-se que a frota mundial saltou de 75 milhões de veículos para 675 milhões. Só nos países mais ricos, totalizam 7 trilhões de quilômetros rodados por ano, ou 175 milhões de voltas na Terra.
Dizer que a solução está nos transportes públicos de alta capacidade, como metrô, é lugar-comum, mas cada vez mais uma utopia cara, para quem já não os tem. São Paulo conta hoje com dois habitantes para cada carro, uma taxa de motorização maior que as de Nova York (3,7 habs/carro) ou Tóquio (2,3). A cada dia, 500 novos autos entopem suas ruas. Os congestionamentos se medem às centenas de quilômetros.
Ainda se discute quanto custa à população paulistana essa avenida sem saída. Somando tempo perdido no trânsito, custos da poluição do ar e sonora e desperdício de combustível e acidentes de trânsito, um estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) com o Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea) calcula que o preço da dependência motorizada ande em São Paulo pela casa de R$ 346 milhões ao ano. O consultor de transportes Adriano Murgel Branco, porém, chegou a uma conta muito mais salgada, na qual inclui também os gastos com acidentados do trânsito: R$ 21,8 bilhões anuais. Bilhões, com "B" mesmo.
Quem arca com ela não são os proprietários de automóveis, mas todos os cidadãos. A sociedade subsidia o vício dos motorizados construindo viadutos, túneis e estradas. Em países desenvolvidos, estima-se que essa despesa social atinja 4% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de toda a riqueza produzida no país). É o que se chama em economia de "externalidades", custos ocultos de um produto, serviço ou atividade que não são computados em seu preço. Se fossem, a opção carro deixaria de parecer tão óbvia quanto parece.
É o que está por trás de propostas aparentemente amalucadas como cobrar pedágios urbanos. Ou ainda, do "imposto verde" sobre a gasolina, antes de a idéia ser encampada com segundas intenções pelo PMDB e por empreiteiras.
Em seminários patrocinados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), discute-se como enfrentar a questão da mobilidade no século 21, tentando desvinculá-la do contraditório direito individual ao carro. Uma das propostas é doutrinar crianças e jovens, recorrendo a idéias como a de "mobilidade passiva", vale dizer, os efeitos nocivos dos carros para quem não os possui ou não está usando seu veículo, por analogia com a propaganda sobre fumantes passivos.
É claro que pedágios só fariam sentido em cidades com alternativas de transporte público. Não em São Paulo, que só tem cerca de 50 km de metrô, contra 230 km de Tóquio e 443 km de Nova York.
Embora os paulistanos enfrentem uma velocidade média (21 km/h) maior que a dos motoristas de Manhattan (5 km/h), isso beneficia menos da metade da população (43%). Outro tanto se arrasta em ônibus a 14 km/h, enquanto apenas 12% sacoleja confortavelmente a 25 km/h no metrô.
"O cara se sente estimulado a comprar uma Brasília amarela,que custa R$ 600", afirma Ailton Brasiliense, 52, diretor da ANTP. "Se continuarmos a política atual de gerar espaço viário, não haverá mais espaço."
"Provavelmente seremos obrigados a alguma medida de restrição no futuro, como proibir estacionamento nas vias públicas", concede o secretário municipal de Transportes de São Paulo, Getúlio Hanashiro, 55 -uma medida comum em capitais européias.
Mais dia menos dia, ainda durante o século 21, cidades globais ou não do Terceiro Mundo, como São Paulo, vão ter de enfrentar o desafio dos trilhos. Entre estudiosos, não existe muita dúvida de que essa é a única saída sustentável para o problema da mobilidade.
Para o especialista australiano Peter Newman, professor da Universidade Murdoch e consultor do Banco Mundial, "após um certo crescimento no uso de carros, a mobilidade extra parece ter consequências negativas na performance econômica da cidade". Ou seja, o uso do carro passa a não compensar. Ele chegou à conclusão comparando 37 cidades australianas, asiáticas, americanas e européias. Os piores resultados foram observados em cidades asiáticas de renda mais baixa e crescente dependência de carros, como Bancoc (Tailândia). Sua produtividade no transporte de passageiros é baixa, drenando 15,9% da riqueza gerada no meio urbano, contra 4,8% em três primas ricas (Tóquio, Hong Kong e Cingapura) e 8,1% nas cidades européias. Algo que se poderia chamar de desvantagem comparativa, ou "custo automóvel".
Enquanto sonham com Orlando e Los Angeles, paulistanos e habitantes de outras cidades brasileiras correm o risco de acordar em Kuala Lumpur ou Jacarta. Adormecidos ou despertos, só poderão ter a certeza de que estão presos em algum megacongestionamento, como os personagens de um célebre conto mais realista que fantástico do argentino Julio Cortázar, "A Auto-Estrada do Sul". (ML)




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