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...para ficar preso no megacongestionamento
especial para a Folha
As metrópoles do mundo, em especial as do Terceiro Mundo, estão
viciadas em carros. A dependência
congestiona cidades e cidadãos,
mas a motorização só faz aumentar. Da Segunda Guerra Mundial
ao início dos anos 90, calcula-se
que a frota mundial saltou de 75
milhões de veículos para 675 milhões. Só nos países mais ricos, totalizam 7 trilhões de quilômetros
rodados por ano, ou 175 milhões
de voltas na Terra.
Dizer que a solução está nos
transportes públicos de alta capacidade, como metrô, é lugar-comum, mas cada vez mais uma utopia cara, para quem já não os tem.
São Paulo conta hoje com dois habitantes para cada carro, uma taxa
de motorização maior que as de
Nova York (3,7 habs/carro) ou Tóquio (2,3). A cada dia, 500 novos
autos entopem suas ruas. Os congestionamentos se medem às centenas de quilômetros.
Ainda se discute quanto custa à
população paulistana essa avenida
sem saída. Somando tempo perdido no trânsito, custos da poluição
do ar e sonora e desperdício de
combustível e acidentes de trânsito, um estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos
(ANTP) com o Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea) calcula que
o preço da dependência motorizada ande em São Paulo pela casa de
R$ 346 milhões ao ano. O consultor de transportes Adriano Murgel
Branco, porém, chegou a uma conta muito mais salgada, na qual inclui também os gastos com acidentados do trânsito: R$ 21,8 bilhões
anuais. Bilhões, com "B" mesmo.
Quem arca com ela não são os
proprietários de automóveis, mas
todos os cidadãos. A sociedade
subsidia o vício dos motorizados
construindo viadutos, túneis e estradas. Em países desenvolvidos,
estima-se que essa despesa social
atinja 4% do PIB (Produto Interno
Bruto, a soma de toda a riqueza
produzida no país). É o que se chama em economia de "externalidades", custos ocultos de um produto, serviço ou atividade que não
são computados em seu preço. Se
fossem, a opção carro deixaria de
parecer tão óbvia quanto parece.
É o que está por trás de propostas
aparentemente amalucadas como
cobrar pedágios urbanos. Ou ainda, do "imposto verde" sobre a gasolina, antes de a idéia ser encampada com segundas intenções pelo
PMDB e por empreiteiras.
Em seminários patrocinados pela Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), discute-se como enfrentar a questão da mobilidade no século 21, tentando desvinculá-la do
contraditório direito individual ao
carro. Uma das propostas é doutrinar crianças e jovens, recorrendo a
idéias como a de "mobilidade passiva", vale dizer, os efeitos nocivos
dos carros para quem não os possui ou não está usando seu veículo,
por analogia com a propaganda
sobre fumantes passivos.
É claro que pedágios só fariam
sentido em cidades com alternativas de transporte público. Não em
São Paulo, que só tem cerca de 50
km de metrô, contra 230 km de Tóquio e 443 km de Nova York.
Embora os paulistanos enfrentem uma velocidade média (21
km/h) maior que a dos motoristas
de Manhattan (5 km/h), isso beneficia menos da metade da população (43%). Outro tanto se arrasta
em ônibus a 14 km/h, enquanto
apenas 12% sacoleja confortavelmente a 25 km/h no metrô.
"O cara se sente estimulado a
comprar uma Brasília amarela,que
custa R$ 600", afirma Ailton Brasiliense, 52, diretor da ANTP. "Se
continuarmos a política atual de
gerar espaço viário, não haverá
mais espaço."
"Provavelmente seremos obrigados a alguma medida de restrição
no futuro, como proibir estacionamento nas vias públicas", concede
o secretário municipal de Transportes de São Paulo, Getúlio Hanashiro, 55 -uma medida comum em capitais européias.
Mais dia menos dia, ainda durante o século 21, cidades globais
ou não do Terceiro Mundo, como
São Paulo, vão ter de enfrentar o
desafio dos trilhos. Entre estudiosos, não existe muita dúvida de
que essa é a única saída sustentável
para o problema da mobilidade.
Para o especialista australiano
Peter Newman, professor da Universidade Murdoch e consultor do
Banco Mundial, "após um certo
crescimento no uso de carros, a
mobilidade extra parece ter consequências negativas na performance econômica da cidade". Ou seja,
o uso do carro passa a não compensar. Ele chegou à conclusão
comparando 37 cidades australianas, asiáticas, americanas e européias. Os piores resultados foram
observados em cidades asiáticas de
renda mais baixa e crescente dependência de carros, como Bancoc
(Tailândia). Sua produtividade no
transporte de passageiros é baixa,
drenando 15,9% da riqueza gerada
no meio urbano, contra 4,8% em
três primas ricas (Tóquio, Hong
Kong e Cingapura) e 8,1% nas cidades européias. Algo que se poderia chamar de desvantagem comparativa, ou "custo automóvel".
Enquanto sonham com Orlando
e Los Angeles, paulistanos e habitantes de outras cidades brasileiras
correm o risco de acordar em Kuala Lumpur ou Jacarta. Adormecidos ou despertos, só poderão ter a
certeza de que estão presos em algum megacongestionamento, como os personagens de um célebre
conto mais realista que fantástico
do argentino Julio Cortázar, "A
Auto-Estrada do Sul".
(ML)
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