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INFLUÊNCIA
Companhia sofreu ingerência dos militares até o final dos anos 80; Geisel exerceu comando por duas décadas
Desde Vargas, Petrobras atua como instrumento de política econômica
Acervo "UH"
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Vargas com a mão manchada de óleo, em Mataripe (BA), em 1952, antes da criação da Petrobras |
CHICO SANTOS E PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
De Getúlio Vargas a Luiz Inácio Lula da Silva, o
uso da Petrobras como instrumento de política econômica marcou as cinco décadas de
existência da empresa. Outra característica foi a influência dos militares, que durou até o final dos anos 80. O general Ernesto Geisel (1907-1996) e seu grupo
comandaram a companhia por mais de 20 anos, 15 deles direta e ininterruptamente.
Geisel presidiu tanto a companhia (1969-1973) quanto a República (1974-1978). A gestão da empresa sob seu comando, criticada
pela pouca transparência, marcou a primeira fase de expansão.
O chamado "Grupo Geisel" manteve influência até o final da década de 80.
Nos "anos Geisel", foram criadas a BR Distribuidora e a indústria petroquímica e foi descoberta
a bacia de Campos (RJ), responsável por 78,5% da produção
atual de petróleo do país.
Nascida após uma apaixonada
campanha de cunho nacionalista,
a Petrobras foi, na maior parte
destes 50 anos, uma espécie de
feudo dos militares, reflexo da influência das Forças Armadas na
vida política do país.
Dos 17 presidentes que a empresa teve entre fevereiro de 1954,
quando começou a existir efetivamente, e março de 1985, 13 eram
militares, dos quais 11 do Exército
e 2 da Marinha.
O primeiro presidente da Petrobras foi o tenente-coronel baiano
Juraci Magalhães, cuja carreira
política foi mais destacada que a
militar. Vargas usou o monopólio
da empresa como mola propulsora da industrialização.
Após o fim do regime militar, o
coronel da Aeronáutica Ozires
Silva ainda presidiu a empresa
(1986-1988), mas sua chegada ao
posto está mais ligada à fama de
bom gestor da Embraer do que a
sua condição de militar.
Política econômica
Mas a principal característica
que marcou a empresa, e se mantém até hoje, foi seu uso como instrumento de política econômica,
materializado no represamento
dos preços dos combustíveis para
controlar a inflação e, desde 1999,
na contribuição crescente para a
geração de superávit primário.
Carlos Sant'Anna, presidente da
Petrobras de abril de 89 a março
de 90, disse que a prática foi inaugurada por Juscelino Kubitschek
(1956-1961), que congelou o preço
dos combustíveis por um ano.
No governo Lula, a ingerência
política trouxe de volta um ingrediente histórico: o caráter nacionalista, caracterizado pela imposição de conteúdo nacional mínimo às encomendas da empresa.
A atual administração da empresa impôs a regra de que 65%
das encomendas da empresa têm
que ser fabricadas no Brasil. O objetivo é promover a indústria local
e gerar empregos no país.
Para Luiz Laydner, do banco
Pactual, essa regra é "o grande
ponto de intervenção" do governo atual na Petrobras.
O ex-diretor-geral da ANP
(Agência Nacional do Petróleo)
David Zylbersztajn diz que "esse
conteúdo está superadequado à
capacidade atual da indústria brasileira". Para ele, no entanto, é importante estimular a produção local, mesmo se o custo das obras
for ampliado no curto prazo.
Segundo especialistas, o fato de
a empresa ter segurado o preço
dos combustíveis para conter preços durante a Guerra do Iraque
também revela a ligação da Petrobras com interesses de governo.
Não se trata de uma novidade:
apesar de apontado por alguns
analistas como o presidente que
"profissionalizou" a administração da companhia, Fernando
Henrique Cardoso mandou controlar, em 2002, o preço dos derivados e segurar o do gás de cozinha depois que o candidato à Presidência José Serra reclamou do
efeitos dos preços na inflação.
Na atual gestão, o PT está diretamente representado na cúpula
da companhia. O presidente da
Petrobras é José Eduardo Dutra,
um político de carreira e ex-senador petista. Dois dos seis diretores
são filiados ao partido. Além disso, sindicalistas ligados ao PT estão em postos de comando.
Laydner afirmou que, apesar
das críticas causadas pela troca de
quase toda a diretoria, os sinais
são que a nova administração
manteve uma gestão profissional
e voltada para resultados.
Direção "petista"
Para o diretor financeiro da
companhia, José Sérgio Gabrielli,
tanto a decisão de "segurar" os
preços dos combustíveis durante
a invasão do Iraque quanto a imposição de conteúdo nacional mínimo foram "decisões empresariais", e não de governo.
"Segurar o preço foi uma decisão empresarial justa e correta",
disse. Ele argumenta que a empresa tem uma posição dominante (98% do refino e 33% da distribuição) e que não poderia "desarticular" seu mercado num momento atípico como o da guerra.
No caso das plataformas, o diretor diz que, no curto prazo, pode
até ocorrer aumento de preço. No
futuro, afirma, a empresa ganha
ao ampliar suas compras no país e
fomentar fornecedores locais,
pois pagará em reais.
Sobre as críticas à diretoria "petista", Gabrielli diz: "Sou filiado,
acho isso uma qualidade, mas sou
acima de tudo profissional. O dr.
Estrella [Guilherme, diretor de
exploração e produção] tem 35
anos de empresa. Foi diretor do
Cenpes [centro de pesquisa]."
Apesar da sombra das nomeações políticas, o governo petista
reforçou ainda mais a surpreendente ortodoxia macroeconômica do governo anterior. Essa ortodoxia obriga a Petrobras a manter
a alta lucratividade, para garantir
o esforço de superávit primário.
Neste ano, a empresa contribuirá
com R$ 7,1 bilhões para a meta.
A Petrobras tem sido importante peça do governo no programa
de ajuste fiscal, mesmo tendo seus
investimentos excluídos do cálculo da meta de superávit primário.
A cada ano, crescem os dividendos pagos à União. Em 1995, somaram R$ 63,3 milhões. Em 2002,
R$ 1,04 bilhão. Neste ano, chegavam a R$ 942 milhões até maio.
Crise de identidade
Empresa de capital misto, a gestão da Petrobras está nas mãos do
governo federal, que, como principal acionista, indica diretores.
Apesar de não ter a maior parte
do capital total da empresa (sua
participação é de 32,2%), a União
detém 55,7% das ações ordinárias. Essas ações dão poder de voto e da escolha os gestores.
O conflito entre público e privado fica explícito no relacionamento com os minoritários. Segundo
o presidente da Animec (associação que representa acionistas minoritários), Waldir Correa, a suspeita do uso político da empresa
se reflete no valor das ações, que
poderiam estar mais valorizadas.
Na média deste ano, o preço do
papel ON (ordinário, com direito
a voto) está em R$ 56,47. Já esteve
em R$ 70,69 em 2001, segundo dados corrigidos.
Em relação ao comportamento
das ações, Gabrielli atribuiu a
queda à crise vivida pelo país no
final de 2002 e às perdas do mercado acionário com os escândalos
contábeis nos EUA.
Neste ano, até quarta-feira, os
papéis ON da empresa subiram
31%, e os PN (preferenciais), 39%
-ambos abaixo da valorização
acumulada do Ibovespa, de 47%.
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