São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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Trajetória de Erundina é marcada por choques com o PT

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Luiza Erundina sempre se autodefine como "mulher, nordestina e pobre". Além disso, ela, que diz disputar hoje sua última eleição ao Executivo, é católica de ir à missa todo domingo e, aos quase 70 anos, que completa em 30 de novembro, continua solteira convicta e mora sozinha.
Tudo somado, o principal traço da personalidade dessa mulher que superou inúmeros obstáculos para se tornar prefeita da mais rica e importante capital do país é este: a austeridade.
Isso se reflete no falar, no vestir, no caminhar e foi decisivo -para o bem e para o mal- na sua gestão na Prefeitura de São Paulo, entre 1989 e 1992. Em nome da austeridade, Luiza Erundina obteve seus principais êxitos e também cometeu seus principais erros.
Entre os êxitos, mesmo os adversários de antes e de hoje reconhecem que ela foi rigorosa ao fechar as contas da prefeitura e rompeu com a tradição paulistana das obras e das propinas, dando prioridade às periferias e aos desvalidos -dos quais se sente legítima representante.
Como erros: foi arredia com a imprensa, fechou-se a composições políticas, não teve maioria na Câmara Municipal e não cedeu um milímetro às pressões da cúpula do PT, partido que ajudou a fundar em 1980 e pelo qual se elegeu vereadora e prefeita.
Resultado: isolou-se. E, apesar de ter herdado um déficit de 36% e tê-lo reduzido a 6% (o menor em dez anos) e de ter feito avanços sensíveis em saúde, educação e transportes, saiu do cargo com um índice de rejeição imenso.
Segundo pesquisa Datafolha de janeiro de 1990, ela ficou perdida em 18º lugar entre os prefeitos do país. Nada animador para quem detinha, na época, o terceiro Orçamento da República (depois da União e do Estado de São Paulo) e um rol de feitos de bom tamanho.
A vitória de Erundina nas eleições de 1988 foi contra tudo e contra todos, a começar da própria cúpula do PT, que, à "mulher, nordestina e pobre", preferia o intelectual Plínio de Arruda Sampaio, homem, paulistano e bem-nascido. Mas ela conquistou o principal: as bases do partido. E com elas tentou governar. Como reação, virou saco de pancadas nas reuniões da cúpula.
As duras relações de Erundina com o PT definiram não só seu futuro político como a mágoa que marca, uma a uma, todas as suas campanhas eleitorais. Especialmente a atual, em que amarga o quarto lugar das pesquisas.
O auge da guerra foi em 1993, quando Erundina, dando de ombros para uma decisão da cúpula nacional do PT (tomada, aliás, com diferença de apenas um voto) aceitou ser ministra da Administração Federal do governo de transição de Itamar Franco, o vice que tomara posse com a queda de Fernando Collor de Mello.
"Nós contribuímos para a deposição do Collor, éramos co-responsáveis pelo governo Itamar. Não era um favor para o Itamar, era um dever com o país", diz ela.
De um lado, Erundina rompia com o PT, que a suspendeu por um ano. De outro, jamais se adequou ao governo Itamar, aliando-se aos ministros de esquerda e enfrentando os "conservadores" encastelados no Planalto. Foi uma passagem meteórica, de 28 de janeiro a 20 de maio de 1993, até ser demitida por telefone.
A saída definitiva do PT veio em setembro de 1997, quando se filiou ao PSB, o mesmo pelo qual concorre agora à Prefeitura de São Paulo, em aliança com o PMDB de Orestes Quércia.
"Aprendi com os erros do passado. Hoje, seria uma prefeita completamente diferente, mais tolerante, mais paciente, com uma capacidade muito maior de reconhecer os erros", diz.
Com 1m56, Erundina clareou os cabelos e mantém o jeito de falar apertando os olhos azuis que, na sua terra natal, a pequenina Uiraúna, na Paraíba, lhe valeram o apelido de "Galega".
Filha de pai artesão, numa família de oito irmãos -dois morreram neste ano de campanha-, Erundina foi professora primária, formou-se assistente social na Paraíba e concluiu mestrado em sociologia na USP.


Colaborou RICARDO WESTIN, da Reportagem Local


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