São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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CONTAS PÚBLICAS
Constituintes criaram novas atribuições para o Estado sem vincular as respectivas receitas
Carta criou despesas sem fonte de recursos

GUSTAVO PATÚ
da Sucursal de Brasília

Os constituintes eleitos em 86 criaram, no papel, benefícios e direitos sociais de Primeiro Mundo, mas não definiram como o Estado iria, na prática, cumprir as novas obrigações.
Trata-se de um princípio básico: para que o governo possa prover qualquer serviço, é necessário que a sociedade gere riqueza suficiente e que parte dessa riqueza seja paga em impostos.
Entre outras regras, o texto constitucional de 88 estabeleceu o piso de um salário mínimo para os benefícios da Previdência, criou o seguro-desemprego, garantiu a estabilidade dos servidores públicos e definiu assistência pública para idosos e deficientes.
De 88 para cá, o Estado passou a se apropriar de uma fatia maior da renda do país. A carga de impostos saltou de 22% para 30% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da riqueza nacional), uma das mais altas do mundo para países com o nível de renda brasileiro.
Os gastos públicos estão em patamares ainda mais elevados -de quase 38% do PIB. Mas nem assim se chega perto da cobertura social desenhada pela Constituição.
Pior: gastando mais do que arrecada, o governo absorve boa parte da poupança do país que deveria estar financiando investimentos -ou seja, mais riqueza no futuro.
É claro que não se pode simplesmente jogar sobre a Constituição a culpa pelo déficit público, que sempre existiu no país.
Mas basta analisar o Orçamento do ano que vem (ver quadro nesta página) para notar como as obrigações constitucionais, mesmo insatisfatoriamente cumpridas, absorvem quase toda a arrecadação federal e deixam pouca margem de manobra para os administradores.
A receita do governo será de R$ 187,8 bilhões, dos quais quase 80% -R$ 146,7 bilhões- não podem ser reduzidos: são gastos com pessoal, benefícios previdenciários e transferências a Estados e municípios, todos protegidos, até agora, pelo texto constitucional.
Sobram R$ 41,1 bilhões, dos quais metade vai para gastos sociais prioritários (saúde, educação, reforma agrária e assistência social) e metade para obras e custeio da máquina administrativa.
Ficam faltando R$ 40 bilhões para pagar os juros da dívida federal que, se não forem abatidos, vão engordar a dívida pública -ou seja, gerar mais despesas no futuro.
Dívida social
"A Constituição representou, na época, um pacto para o resgate da chamada dívida social atribuída ao regime militar", avalia o economista Raul Velloso, especializado em contas públicas.
Outros dois objetivos, diz Velloso, eram a moralização do serviço público e o fortalecimento dos municípios.
Ao passarem para o recém-criado Regime Jurídico Único, cerca de 400 mil servidores públicos antes regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ganharam estabilidade e direito à aposentadoria integral.
Em 99, o governo federal gastará R$ 22 bilhões com seus inativos, para uma receita de R$ 3 bilhões das contribuições dos servidores da ativa.
A Previdência dos trabalhadores da iniciativa privada gastará R$ 57,5 bilhões em benefícios, cerca de R$ 7 bilhões acima da arrecadação. Qualquer aumento do salário mínimo elevará o déficit.
Os gastos sociais são menores que os gastos com pessoal Äapesar de os servidores não receberem aumentos salariais desde 95. E, pior, são candidatos a cortes quando o governo resolver controlar o crescimento da dívida pública.



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