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BRASIL
País vive conflito entre lei e realidade
GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial
Até a década de 40, a expectativa de vida do brasileiro estava em torno de 40
anos - uma idade que, pelos padrões de hoje, representa o auge da vida produtiva do indivíduo. Em Pernambuco, naquele período, a expectativa de vida era bem menor: 35
anos. No Rio Grande do Norte, menor ainda: 33 anos. Se o país retroagisse ao início do século, veria
que o negro vivia em média apenas 25 anos; morria pouco tempo depois do que se denomina, atualmente, de adolescência. A evolução dos direitos humanos está evidenciada nesse tipo de estatística.
Uma vida mais prolongada é também decorrência de
conquistas que impulsionaram os direitos dos indivíduos, especialmente a ampliação da oferta de educação gratuita e a assistência à saúde pública.
A expectativa de vida neste final de século elevou-se
para algo próximo dos 70 anos de idade. Na prática,
significa dizer que as conquistas elementares -como
saneamento básico, melhor sistema de saúde pública e
educação- deram aos brasileiros na média mais 30
anos de idade, mais do que o tempo médio de vida do
negro no início deste século.
A situação do negro é um espelho fiel do país. Como
toda a nação, ele apresentou melhora em suas condições socioeconômicas -mas bem menos do que a
média brasileira, revelando a permanência dos efeitos
econômicos e sociais e dos preconceitos sociais.
De acordo com dados do IBGE, uma criança negra e
parda tem maior probabilidade de morrer do que uma
criança branca, por causas vinculadas à falta de esgoto,
de água potável, de educação e em razão das dificuldades do acesso à rede pública de saúde.
Em números mais precisos, uma criança negra tem
67% mais chances de morrer antes de completar os
cinco anos de idade. Há dez anos, uma criança negra
estaria na média, quando a taxa de mortalidade estava
próxima dos 70 por 1.000 nascidos vivos.
Ao chegar ao final do século, o Brasil segue sendo um
país contraditório: apresenta uma economia de porte
considerável em meio a profundas desigualdades sociais. Apesar das conquistas, está longe de se apresentar como exemplo de civilização, exibindo uma desconexão entre sua realidade econômica e, apesar disso,
os escassos direitos de sua população.
Na área dos direitos políticos, desde a redemocratização há 13 anos, o brasileiro desfruta de ampla liberdade de expressão e de organização.
Cresce notavelmente a percentagem de eleitores no
conjunto da população. Até 1945, eles eram apenas
16% do total, evidenciando as restrições existentes a
uma participação mais ampla da população no processo democrático. Hoje, esse índice saltou para 66%,
resultado também da incorporação de analfabetos e
adolescentes ao contingente eleitoral. Mas, ao mesmo
tempo, o analfabetismo funcional, que atinge as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade formal, chega a 70% do eleitorado.
Com suas escassas habilidades
de leitura e, portanto, de apreensão de informações, o analfabeto
funcional apresenta maior dificuldade de escolher criticamente entre os vários candidatos; isso porque o eleitor pouco consegue entender das propostas de governo.
São contradições que permeiam
a sociedade: há uma distância entre as instituições democráticas
formais e a realidade de exclusão,
que restringe a participação de
parcelas expressivas da cidadania.
O país tem 11 mil juízes. A proporção é de 1 juiz para cada 23 mil
habitantes. Na Alemanha, por exemplo, a relação é de
1 juiz para cada 7.000 habitantes.
O escasso acesso à Justiça exemplifica como, apesar
de todas as formalidades cumpridas, o país está ainda
longe de constituir um Estado de direito democrático.
A percepção generalizada é a da impunidade, um recorrente fenômeno nacional. Ela está associada, em
boa medida, à ausência ou às carências do Judiciário.
O Brasil é uma das nações mais violentas do planeta
-mesmo em comparação com nações que vivem em
guerra-, em parte pela sensação de impunidade.
Juntam-se aí a ineficiência policial e o caos do sistema prisional que, de fato, apenas reforça o grau de delinquência na sociedade. Um adolescente preso é candidato natural a virar um criminoso ainda mais violento. Entender o grau agudo de violência na sociedade brasileira é, em essência, entender até onde os direitos humanos ainda não se efetivaram no país.
O conceito contemporâneo de direitos humanos revela a rede da qual os direitos políticos são apenas uma
ponta; a eles devem ser somados os
direitos sociais.
Ninguém pode se sentir de fato
livre tendo a possibilidade de votar, mas não tendo comida. Daí
que indicadores como esperança
de vida ou mortalidade infantil devem ser combinados com a porcentagem de eleitores.
A violência está associada às taxas de exclusão em uma sociedade
-mais do que propriamente à miséria. É a exclusão que vai da escola, passando pelo escasso lazer, até
o subemprego ou o desemprego; a
violência é a resposta natural à
marginalidade crônica.
CONGRESSO NACIONAL DE CELEBRAÇÃO DOS 50 ANOS DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: SONHOS E REALIDADE
ONDE: Faculdade de Direito da USP, largo São Francisco, 95, centro
HOJE - 9h: Direitos Individuais e Políticos
Renato Janine Ribeiro, secretário Belisário dos Santos Jr., Flávia Piovesan
14h: Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
deputado Renato Simões, Márcio Sotelo Felippe, Fábio Konder Comparato,
Maria Luíza Marcílio
AMANHÃ - 9h: Direitos Humanos das Minorias
Kabeuguele Munanga, Francisca Novantino Paresi, Oded Grajew, ministro
José Carlos Moreira Alves e Paulo Sérgio Pinheiro
14h: Direitos Humanos e Globalização
Gilberto Dupas, Jorge Werthein, Maria Victória Benevides
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