São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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Discursos e papéis contra as violações

FERNANDO ROSSETTI
da Reporgem Local

O primeiro inquérito urgente do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos das Nações Unidas envolveu um membro da Comissão de Direitos Humanos da própria ONU. Pouco depois da criação desse grupo, em 1980, o representante do Iraque, Mohamed al-Jabiri, cotado para presidir o novo órgão, foi chamado de volta por Saddam Hussein.

Alguns dias depois, ele desapareceu. O grupo de trabalho desencadeou um inquérito no meio diplomático, ameaçando tornar o caso público. Uma semana depois, recebeu uma mensagem escrita à mão, em que al-Jabiri afirmava ter decidido se aposentar. O professor de história da Universidade de Denver (EUA), Jack Donnelly, que conta esse episódio no livro "Direitos Humanos Internacionais", acredita que, não fosse a intervenção da ONU, Jabiri teria sido morto.
Esse tipo de procedimento -denominado "temático" (no caso, o tema era desaparecimentos)- é uma das principais atividades desenvolvidas pelos órgãos das Nações Unidas que lidam com direitos humanos.
Atualmente, há comissões, comitês e grupos de trabalho que cobrem áreas tão diversas quanto a liberdade religiosa, a discriminação de mulheres e a tortura. As atividades desses órgãos envolvem diplomatas, representantes de países, especialistas e ONGs (organizações não-governamentais) às centenas.
Em meados de outubro passado, por exemplo, o asilado político somali Sadiq Shek Elmi, 38, foi preso na Austrália por imigração ilegal. A Justiça do país julgou o caso e decidiu repatriá-lo. A Anistia Internacional -uma das principais ONGs na área- tomou conhecimento do caso e mandou uma petição urgente para o Comitê contra a Tortura das Nações Unidas, em Genebra (Suíça). Argumentou que a Somália está em guerra civil e que repatriar um cidadão significa colocá-lo sob o risco de sofrer tortura.
No mesmo dia o Comitê contra a Tortura acionou a Comissão de Direitos Humanos -que é um dos "nós" mais antigos e centrais do "labirinto" de órgãos (veja quadro). No dia seguinte, a especialista sobre a Somália na comissão entrou em contato com o governo australiano e expôs os riscos que Elmi corria: 48 horas depois, a Justiça daquele país inverteu a decisão.
Trabalhar com situações individuais e urgentes, agrupadas em torno de temas, como a de al-Jabiri e Elmi, foi uma das saídas da ONU para driblar o procedimento lento e pouco produtivo de investigar países.
Até 1980, quando foi criado o Grupo de Desaparecimentos, a principal estratégia disponível para defender os direitos humanos no plano internacional recebia como nome um número (1.503). Aprovado em 1970 pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o procedimento 1.503 garantiu, pela primeira vez na ONU, o sigilo de quem faz uma denúncia.
A idéia era que, quando uma série de denúncias fosse feita em relação a um país, a Comissão de Direitos Humanos poderia caracterizar a existência de um padrão de violações sistemáticas e produzir um relatório sobre aquele país, sugerindo mudanças. Mas isso leva anos para ter efeito, pois depende de uma série de denúncias e da aprovação dos países que compõem a Comissão de Direitos Humanos (hoje, 53). Países isolados politicamente -como a África do Sul do apartheid- eram submetidos a vexame internacional provocado por relatórios produzidos pela comissão. Já países com boas relações diplomáticas -como as da Indonésia de Suharto com a maior parte da Ásia- conseguiam evitar a exposição.
Hoje, o "labirinto" mantém as duas linhas de ação: 1) de analisar a situação e atuar diretamente nos países; 2) de cuidar de questões temáticas. Na coordenação está o alto comissário para os Direitos Humanos -cujas declarações têm poder semelhante ao dos relatórios de provocar reações iradas dos acusados de violações.
Apesar dos avanços, o problema de como pressionar países "infratores" permanece. No ano passado a Dinamarca defendeu que fosse produzido um relatório sobre a China. O embaixador chinês respondeu, diplomaticamente, com uma imagem: "Estamos segurando uma pedra sobre um passarinho e essa pedra pode cair". O passarinho é a Dinamarca e a pedra, o poder econômico chinês. Até hoje, a ONU não apresentou qualquer denúncia sobre violações na China.



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