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Feministas no sofá
Com idades e experiências bem diferentes entre si, as entrevistadas dessa página discutem desde a atitude diante de um pneu furado até o direito ao aborto
Bertrand Guay/Reuters
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Da esq. para a dir., a metroviária Rosa, a executiva Elaine, a modelo Adriane, a cantora Ana e Rosalu, da Liga das Senhoras Católicas |
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A
pós décadas de movimentos de mulheres
pela igualdade, a Folha
reúne um grupo de cinco representantes do gênero para
ver como estão hoje os direitos
-e deveres- delas.
No sofá, Rosa Anacleto, 50,
metroviária, militante feminista, membro da coordenadoria
estadual da UBM (União Brasileira de Mulheres) e da Unegro
(União de Negros Pela Igualdade); Elaine Simões, 50, executiva; Adriane Grott, 25, modelo e
apresentadora; Ana Gelinskas,
28, cantora e hostess; Rosalu
Queiroz, 44, diretora da Liga
das Senhoras Católicas.
FOLHA - Nada mais justo que as
mulheres tenham os mesmos direitos que os homens na vida profissional, sexual e doméstica. Espera-se
que assumam também a contrapartida. Vocês trocam pneu?
(Três entrevistadas dizem trocar sem
problema: Elaine, Rosalu e Ana)
ADRIANE - Normalmente, aparece alguém e troca, né?
ELAINE - (rindo) É mais prático.
ADRIANE - Quando aconteceu,
liguei para a assistência, mas
passou um cara de moto e trocou rapidinho.
ANA - Eu já troquei pneu.
FOLHA - Ninguém se ofereceu?
ANA - Era um lugar escuro.
ROSA - O problema nem é trocar ou não. É ficar esperando
um homem pra trocar.
FOLHA - A igualdade sexual fez
com que a mulher dispusesse mais
do homem como objeto de prazer,
mas, eventualmente, ela reclama
que precisa de afeto e quer casar.
ADRIANE - A maioria, por mais
liberal que diga ser, espera o cara ligar no dia seguinte. Tenho
amigas que ficam com várias
pessoas, depois têm receio de
que não as assumam. Só que
também não assumem.
ANA - Homem galinha também tem momento de ressaca.
ELAINE - Meus amigos se queixam de que não dá pra levar as
mulheres a sério.
ANA - Minhas amigas não esperam ligação no dia seguinte.
FOLHA - É comum encontrar mulheres solteiras, na faixa dos 40,
atrás de um pai para realizar o sonho da maternidade. Quando a
criança nasce, reclamam das tarefas
domésticas, da falta de colaboração
do homem e contratam babás.
ELAINE - Eu não tive filhos por
opção, sempre soube o que eu
queria, mas fui muito cobrada.
ANA - Eu, particularmente,
não pretendo ser mãe.
FOLHA - Você é a favor do aborto?
ROSALU - (pausa) A mulher deve ter o direito de escolha.
ANA - Sou contra a intervenção
do Estado em um assunto que
diz respeito à mulher. Fazer
abortos em clínicas clandestinas, como a maioria faz, aumenta o risco de complicações.
ROSA - Nenhuma mulher escolhe abortar. É muito ruim, um
trauma. Tem de ter métodos
contraceptivos para não chegar
a esse ponto. Se chegou, tem de
ter a possibilidade de escolha.
ADRIANE - Mas já fornecem métodos contraceptivos.
FOLHA - E se isso falhar?
ADRIANE - Eu vou ter o filho. Se
eu tenho uma vida sexual, devo
arcar com as conseqüências.
ELAINE - Você diz isso porque
teve acesso a educação. Muitas
crianças não têm diálogo com
os pais e abortam com 12 anos.
ANA - A educação é tudo.
ADRIANE - Todo colégio tem
educação sexual.
ELAINE - Muitas meninas nem
sabem o que é uma relação sexual quando têm uma. Como
não ser a favor do aborto?
ADRIANE - Em casos de estupro
ou má-formação fetal, tudo
bem. Mas não dá para todas poderem abortar.
ROSALU - A gente está em um
processo de educação. Mas, às
vezes, só o professor de ciências
falar na aula não é suficiente.
ADRIANE - A TV mostra o tempo
todo: "Use camisinha!'
FOLHA - Nas novelas, as relações
afetivas são bastante romanceadas.
ROSALU - Tudo bonito, café na
cama... Mas a menina mora
num cortiço. Não vai arrumar
um namorado para sair dali?
ROSA - Com a dificuldade econômica, nenhuma mulher acha
que pode encontrar um homem que dê uma casa pra ela.
ROSALU - Pensa, sim.
ROSA - As acostumadas a batalhar não se prendem a isso.
FOLHA - Se ela for bonita, a chance
de se prostituir cresce?
ROSA - A prostituição é a última etapa a que se chega.
ANA - Conheço mulheres que
são extremamente felizes fazendo programa. Têm um padrão de vida que não conseguiriam trabalhando.
ADRIANE - Está ali porque quer.
ELAINE - Quantas não miram
um sujeito bem de vida, casam
e vão gastar o dinheiro dele?
ANA - Exato. Não são pagas
com dinheiro, mas com diamantes, um apartamento...
FOLHA - Mas você não pode chamar isso de garota de programa...
ANA - Depende da quantidade
de homens que as presenteiam.
ROSALU - Todo mundo tem culpa nessa história.
ROSA - Há diferentes tipos de
prostituição. Tem uma em que
não há saída, ela passa fome.
FOLHA - A prostituta é uma vítima
e o cliente, um nojento?
ROSA - Tem a escolha que você
faz e a que você é levada a fazer.
Se escolhi, estou feliz e acabou.
Se foram as circunstâncias, isso
não é bom e os homens, de fato,
são uns cachorros.
FOLHA - Essa última prostituta seria "perdoável"?
ELAINE - Se eu vivesse na África,
daria tudo por uma comida.
FOLHA - A revolução feminista parece não incluir a mulher pobre que
trabalha, a que engravidou do irmão ou a que cria o filho sozinha.
ROSA - Eu, como negra, tive de
trabalhar muito cedo.
ANA - Já a minha avó era imigrante, analfabeta, e meu avô
não a deixava trabalhar.
ROSALU - Se você olhar historicamente, verá que se chegou a
um equilíbrio desde a época em
que as mulheres queimavam
sutiã e tinham de ir à luta, dirigir trator e tanque de guerra.
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