São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Feministas no sofá

Com idades e experiências bem diferentes entre si, as entrevistadas dessa página discutem desde a atitude diante de um pneu furado até o direito ao aborto

Bertrand Guay/Reuters
Da esq. para a dir., a metroviária Rosa, a executiva Elaine, a modelo Adriane, a cantora Ana e Rosalu, da Liga das Senhoras Católicas


PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A pós décadas de movimentos de mulheres pela igualdade, a Folha reúne um grupo de cinco representantes do gênero para ver como estão hoje os direitos -e deveres- delas. No sofá, Rosa Anacleto, 50, metroviária, militante feminista, membro da coordenadoria estadual da UBM (União Brasileira de Mulheres) e da Unegro (União de Negros Pela Igualdade); Elaine Simões, 50, executiva; Adriane Grott, 25, modelo e apresentadora; Ana Gelinskas, 28, cantora e hostess; Rosalu Queiroz, 44, diretora da Liga das Senhoras Católicas.
 

FOLHA - Nada mais justo que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens na vida profissional, sexual e doméstica. Espera-se que assumam também a contrapartida. Vocês trocam pneu?
(Três entrevistadas dizem trocar sem problema: Elaine, Rosalu e Ana) ADRIANE - Normalmente, aparece alguém e troca, né?
ELAINE - (rindo) É mais prático.
ADRIANE - Quando aconteceu, liguei para a assistência, mas passou um cara de moto e trocou rapidinho.
ANA - Eu já troquei pneu.

FOLHA - Ninguém se ofereceu?
ANA
- Era um lugar escuro.
ROSA - O problema nem é trocar ou não. É ficar esperando um homem pra trocar.

FOLHA - A igualdade sexual fez com que a mulher dispusesse mais do homem como objeto de prazer, mas, eventualmente, ela reclama que precisa de afeto e quer casar.
ADRIANE
- A maioria, por mais liberal que diga ser, espera o cara ligar no dia seguinte. Tenho amigas que ficam com várias pessoas, depois têm receio de que não as assumam. Só que também não assumem.
ANA - Homem galinha também tem momento de ressaca.
ELAINE - Meus amigos se queixam de que não dá pra levar as mulheres a sério.
ANA - Minhas amigas não esperam ligação no dia seguinte.

FOLHA - É comum encontrar mulheres solteiras, na faixa dos 40, atrás de um pai para realizar o sonho da maternidade. Quando a criança nasce, reclamam das tarefas domésticas, da falta de colaboração do homem e contratam babás.
ELAINE
- Eu não tive filhos por opção, sempre soube o que eu queria, mas fui muito cobrada.
ANA - Eu, particularmente, não pretendo ser mãe.

FOLHA - Você é a favor do aborto?
ROSALU
- (pausa) A mulher deve ter o direito de escolha. ANA - Sou contra a intervenção do Estado em um assunto que diz respeito à mulher. Fazer abortos em clínicas clandestinas, como a maioria faz, aumenta o risco de complicações.
ROSA - Nenhuma mulher escolhe abortar. É muito ruim, um trauma. Tem de ter métodos contraceptivos para não chegar a esse ponto. Se chegou, tem de ter a possibilidade de escolha.
ADRIANE - Mas já fornecem métodos contraceptivos.

FOLHA - E se isso falhar?
ADRIANE
- Eu vou ter o filho. Se eu tenho uma vida sexual, devo arcar com as conseqüências.
ELAINE - Você diz isso porque teve acesso a educação. Muitas crianças não têm diálogo com os pais e abortam com 12 anos.
ANA - A educação é tudo.
ADRIANE - Todo colégio tem educação sexual.
ELAINE - Muitas meninas nem sabem o que é uma relação sexual quando têm uma. Como não ser a favor do aborto?
ADRIANE - Em casos de estupro ou má-formação fetal, tudo bem. Mas não dá para todas poderem abortar.
ROSALU - A gente está em um processo de educação. Mas, às vezes, só o professor de ciências falar na aula não é suficiente.
ADRIANE - A TV mostra o tempo todo: "Use camisinha!'

FOLHA - Nas novelas, as relações afetivas são bastante romanceadas.
ROSALU
- Tudo bonito, café na cama... Mas a menina mora num cortiço. Não vai arrumar um namorado para sair dali?
ROSA - Com a dificuldade econômica, nenhuma mulher acha que pode encontrar um homem que dê uma casa pra ela.
ROSALU - Pensa, sim.
ROSA - As acostumadas a batalhar não se prendem a isso.

FOLHA - Se ela for bonita, a chance de se prostituir cresce?
ROSA
- A prostituição é a última etapa a que se chega.
ANA - Conheço mulheres que são extremamente felizes fazendo programa. Têm um padrão de vida que não conseguiriam trabalhando.
ADRIANE - Está ali porque quer.
ELAINE - Quantas não miram um sujeito bem de vida, casam e vão gastar o dinheiro dele?
ANA - Exato. Não são pagas com dinheiro, mas com diamantes, um apartamento...

FOLHA - Mas você não pode chamar isso de garota de programa...
ANA
- Depende da quantidade de homens que as presenteiam.
ROSALU - Todo mundo tem culpa nessa história.
ROSA - Há diferentes tipos de prostituição. Tem uma em que não há saída, ela passa fome.

FOLHA - A prostituta é uma vítima e o cliente, um nojento?
ROSA
- Tem a escolha que você faz e a que você é levada a fazer. Se escolhi, estou feliz e acabou. Se foram as circunstâncias, isso não é bom e os homens, de fato, são uns cachorros.

FOLHA - Essa última prostituta seria "perdoável"?
ELAINE
- Se eu vivesse na África, daria tudo por uma comida.

FOLHA - A revolução feminista parece não incluir a mulher pobre que trabalha, a que engravidou do irmão ou a que cria o filho sozinha.
ROSA
- Eu, como negra, tive de trabalhar muito cedo.
ANA - Já a minha avó era imigrante, analfabeta, e meu avô não a deixava trabalhar.
ROSALU - Se você olhar historicamente, verá que se chegou a um equilíbrio desde a época em que as mulheres queimavam sutiã e tinham de ir à luta, dirigir trator e tanque de guerra.


Texto Anterior: Em busca da mulher completa
Próximo Texto: Sexo: Da reprodução à banalização
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.