São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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ARTIGO

11 de setembro será lembrado?

ARTHUR SCHLESINGER JR.

O ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, mudou nosso mundo para sempre, e esse dia foi descrito por Roosevelt, numa frase que ficaria famosa, como "uma data que viverá na infâmia".
Daqui a um século, serão os ataques de 11 de setembro vistos como outro grande instante de virada na história? Ou será que terão caído no relativo esquecimento?
Foi o que ocorreu com o dia 15 de fevereiro de 1898, quando o encouraçado Maine foi afundado em Havana, matando 260 marinheiros americanos. O incidente, atribuído aos espanhóis, causou revolta nacional. Ajudou a nos colocar em guerra com a Espanha e prometeu tornar-se uma data que viveria para sempre na infâmia.
Porém, no centenário do afundamento, em 15 de fevereiro de 1998, a maioria dos americanos se esquecera do Maine. Hoje, 15 de fevereiro é um dia comum.
Tanto Pearl Harbor quanto o 11 de setembro foram ataques surpresa, golpes perversos desferidos sem aviso prévio. Mas existem diferenças importantes entre eles.
Pearl Harbor representou um ataque de um Estado soberano contra outro. O alvo era a Marinha americana, sabíamos quem era o inimigo e sabíamos que as consequências do ataque nos envolveriam numa guerra global.
Em 11 de setembro, não fomos atacados por um Estado soberano. O alvo era a moral civil americana. Os ataques não nos comprometeram com uma guerra entre Estados soberanos.
O inimigo saiu das sombras para nos golpear e fugiu novamente para as sombras, e os ataques nos forçaram a empreender uma ação policial contra conspiradores clandestinos e os países que lhes dão guarida, não a mobilização total de uma Terceira Guerra.
Houve uma diferença entre os dois, também, no que diz respeito ao impacto deles sobre os americanos. Afinal, Pearl Harbor aconteceu numa ilha distante no meio do Pacífico. Já os ataques da Al Qaeda geraram um sentimento de vulnerabilidade até então desconhecido pelos americanos.
Quem sabe onde Osama bin Laden pode atacar da próxima vez? Hoje em dia, inspetores olham com desconfiança para os sapatos de passageiros nos aeroportos, e passageiros olham com desconfiança para outros passageiros. Se o secretário da Justiça americano conseguir seu intento, todo americano vai passar a desconfiar de todos os outros americanos.
Naturalmente, as pessoas sentem que seu mundo mudou para sempre. Mas será que vão continuar a sentir isso, sempre? Isso depende da guerra contra o terror, o que significa que conservamos um certo grau de capacidade de determinar nosso futuro.
Hoje temos pela frente mais ou menos a mesma escolha do início da Guerra Fria. Naquela época, alguns defendiam a contenção para fazer frente à hostilidade soviética. Outros eram a favor da destruição do poderio soviético, por meio de uma guerra preventiva.
As democracias fizeram a escolha sábia, nas palavras de George Kennan, pela "contenção a longo prazo, paciente, mas firme e vigilante", que, ao final dos anos 80, levou, conforme previra Kennan em 1947, à quebra do poderio soviético, sem a Terceira Guerra.
Hoje, a guerra contra o terror causa discussão comparável -se bem que não seja tão comparável assim, já que nenhum inimigo de estatura semelhante se perfila à nossa frente. Não foi comprovado nenhum vínculo entre o extremista religioso Bin Laden e o secular Saddam Hussein.
Apesar disso, Saddam, devido ao suposto fato de possuir armas de destruição em massa, tornou-se o maior alvo da guerra contra o terror. É o pivô do "eixo do mal" descrito pelo presidente Bush.
Nosso presidente declarou como objetivo nacional a "mudança de regime" no Iraque, e informações sobre planos militares vazam diariamente do Pentágono.
Diferentemente da Guerra do Golfo, que foi, em essência, bancada por Arábia Saudita, Kuait e Japão, nós teríamos de pagar por esta guerra, e o impacto econômico disso pode ser desastroso. E travaríamos esta guerra em grande medida sozinhos. Nossos supostos amigos no Oriente Médio se opõem à ação militar.
Ademais, tal guerra poderia gerar o grande inimigo que ainda não temos. Se bombardearmos e invadirmos o Iraque, se desestabilizarmos os países árabes, se permitirmos que Israel negue aos palestinos um Estado, correremos o risco de unir o mundo muçulmano contra nós e desencadear o tão temido "choque de civilizações".
Isso poderia levar à Terceira Guerra, conflito pavoroso que envolveria guerra biológica, química e até mesmo nuclear. Se essas consequências se concretizarem, então 11 de setembro será, de fato, uma data que viverá na infâmia.
Por que correr esses riscos? Uma característica espantosa do ano que se passou vem sendo nossa aceitação passiva da idéia da guerra preventiva. Igualmente espantosa é nossa aceitação passiva da idéia de que a decisão em favor da guerra cabe a Bush -como se o artigo da Constituição que confere ao Congresso o poder exclusivo de autorizar guerra, tivesse sido cancelado misteriosamente.
A guerra preventiva se baseia numa ilusão: a de que seria possível prever o que está por vir. Mas a história possui um hábito preocupante de passar a perna em todas as nossas certezas.
Por que não, portanto, tentarmos a contenção, que nos possibilitou vencer a Guerra Fria? É pouco provável que Saddam ataque outros países, pois estaria se colocando à mercê de Bush. A retaliação será imediata, e Saddam não pretende cometer suicídio.
O terrorismo, como tal, jamais desaparecerá. Mas, com a contenção das conspirações globais, será dirigido principalmente contra governos específicos e operará no interior de Estados específicos. Até mesmo os EUA têm seus terroristas próprios, nascidos aqui.
Nós, americanos, podemos aprender a conviver com o terrorismo em escala menor, como Reino Unido, Espanha, Índia, Irlanda, Itália, Rússia, Sri Lanka e a maior parte do mundo. Com isso, garantiremos que 11 de setembro não conduza à Terceira Guerra.
Se a contenção, em lugar da guerra preventiva, for nossa escolha, então a catástrofe do World Trade Center vai começar a perder espaço na memória coletiva da república, como aconteceu com o afundamento do Maine.
Mas ela não apagará o horror puro e simples do assassinato em massa de pessoas inocentes, nem o heroísmo dos bombeiros e policiais. Essa memória vai permanecer conosco por muito tempo ainda e deve renovar nossa confiança no vigor da promessa americana.


Arthur Schlesinger Jr. é escritor e historiador e foi assessor especial do presidente John F. Kennedy.


Tradução de Clara Allain

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