|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NAS RUAS
Blecaute e filme na TV
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
A noite da última quinta-feira
é para ser guardada na memória. Eu estava num cinema. Às
22h15, puft, breu total. Não
acendeu a luz de emergência.
Não apareceu ninguém para
dizer o que fazer. Na platéia, risos, gritos, piadas e uma palavra de ordem: "Fora, FHC!".
Alguns ligaram seus celulares. "Porto Alegre também está
sem luz", gritava um. "Rio também". Apareceu, 15 minutos
depois, o lanterninha, que organizou a evacuação da sala.
Caímos todos na rua Augusta. Bares com velas. Polícia passando. Sirenes. Brecadas nos
cruzamentos. E garotas de programa reclamando que ficariam sem programas.
Filas nos orelhões. Frases soltas eram ditas por pedestres.
Montava-se o quebra-cabeça:
"O metrô não funciona"; "Problemas em Furnas".
Poucos arriscam dirigir. Rádio ligado, AM, Jovem Pan e
CBN, que avisam em quais
bairros a luz já voltou.
Começa a chover forte. Estão
todos nas ruas, celebrando o
dia do juízo final e o fato de a
cerveja estar ainda gelada.
Rodas se formam. Policiais,
executivos, estudantes, mendigos e garotas de programa têm
uma só pergunta: "O que aconteceu com o Brasil?"
Pego meu carro. Chego à minha casa à 1h30, depois de atravessar a avenida Paulista, 9 de
Julho e Rebouças às escuras,
com o rádio ligado, atento aos
bairros em que a luz voltara,
imaginando qual amigo me
hospedaria. Chego preparado
para dormir no carro. Mas a luz
volta assim que estaciono.
Subo no elevador rezando o
pai-nosso; deixara o computador ligado; poderia encontrar
eletrodomésticos em chamas.
Entro em casa. Tudo funciona. Ligo a TV, eufórico. O que
vejo?! Um filminho na Globo,
uma orquestra na Cultura, uma
reza na Record, Amaury Jr. na
Band, e um jornal no SBT.
Que papelão. A TV brasileira
deixou a população (sua audiência, seus clientes) às escuras. Deixou de prestar um serviço fundamental. Um descaso.
Ignorou a notícia quente.
Não. Lilian Witte Fibe aparece, num plantão. Fala quatro
bobagens e diz, com um ar patético: "Mais notícias no "Jornal
Bom Dia Brasil", às 7h15". E
volta o filminho. Só na manhã
seguinte saberemos o que
acontece na noite que será
guardada na memória.
O que acontece com o telejornalismo brasileiro? As emissoras de TV aberta, escravas de
suas grades, são incapazes de
notar o fato "quente", romper
com a mesmice e prestar um
serviço, informar.
Toda a cara tecnologia digital
de imagens leva um olé diário
das rádios AM, invenção do começo do século. Imagine se tivessem desinventado o rádio...
O jornalista e escritor
Marcelo Rubens Paiva é autor de, entre outros livros, "Blecaute" (ed. Mandarim, 1986).
Texto Anterior: Dependência de Itaipu é muito grande Próximo Texto: Chesf nega problema com água de reservatório Índice
|