São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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NAS RUAS

Blecaute e filme na TV

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

A noite da última quinta-feira é para ser guardada na memória. Eu estava num cinema. Às 22h15, puft, breu total. Não acendeu a luz de emergência. Não apareceu ninguém para dizer o que fazer. Na platéia, risos, gritos, piadas e uma palavra de ordem: "Fora, FHC!".
Alguns ligaram seus celulares. "Porto Alegre também está sem luz", gritava um. "Rio também". Apareceu, 15 minutos depois, o lanterninha, que organizou a evacuação da sala.
Caímos todos na rua Augusta. Bares com velas. Polícia passando. Sirenes. Brecadas nos cruzamentos. E garotas de programa reclamando que ficariam sem programas.
Filas nos orelhões. Frases soltas eram ditas por pedestres. Montava-se o quebra-cabeça: "O metrô não funciona"; "Problemas em Furnas".
Poucos arriscam dirigir. Rádio ligado, AM, Jovem Pan e CBN, que avisam em quais bairros a luz já voltou.
Começa a chover forte. Estão todos nas ruas, celebrando o dia do juízo final e o fato de a cerveja estar ainda gelada.
Rodas se formam. Policiais, executivos, estudantes, mendigos e garotas de programa têm uma só pergunta: "O que aconteceu com o Brasil?"
Pego meu carro. Chego à minha casa à 1h30, depois de atravessar a avenida Paulista, 9 de Julho e Rebouças às escuras, com o rádio ligado, atento aos bairros em que a luz voltara, imaginando qual amigo me hospedaria. Chego preparado para dormir no carro. Mas a luz volta assim que estaciono.
Subo no elevador rezando o pai-nosso; deixara o computador ligado; poderia encontrar eletrodomésticos em chamas.
Entro em casa. Tudo funciona. Ligo a TV, eufórico. O que vejo?! Um filminho na Globo, uma orquestra na Cultura, uma reza na Record, Amaury Jr. na Band, e um jornal no SBT.
Que papelão. A TV brasileira deixou a população (sua audiência, seus clientes) às escuras. Deixou de prestar um serviço fundamental. Um descaso. Ignorou a notícia quente.
Não. Lilian Witte Fibe aparece, num plantão. Fala quatro bobagens e diz, com um ar patético: "Mais notícias no "Jornal Bom Dia Brasil", às 7h15". E volta o filminho. Só na manhã seguinte saberemos o que acontece na noite que será guardada na memória.
O que acontece com o telejornalismo brasileiro? As emissoras de TV aberta, escravas de suas grades, são incapazes de notar o fato "quente", romper com a mesmice e prestar um serviço, informar.
Toda a cara tecnologia digital de imagens leva um olé diário das rádios AM, invenção do começo do século. Imagine se tivessem desinventado o rádio...


O jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva é autor de, entre outros livros, "Blecaute" (ed. Mandarim, 1986).


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