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A máquina do clima
Um aumento da temperatura média na Terra pode ocasionar uma elevação dos oceanos, inundando ilhas e cidades costeiras; mas não há, até agora, provas concretas de que isso venha a ocorrer
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Na média, as águas dos oceanos estão subindo 1 a 2 milímetros por ano, segundo dados fornecidos pelo satélite Topex/Poseidon da Nasa, uma taxa considerada aceitável pelos estudiosos
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CÁSSIO LEITE VIEIRA
especial para a Folha
2100. Um banhista chega à praia
com seu equipamento básico:
guarda-sol e uma escada para ser
fincada nas areias submersas. A
temperatura média da Terra está
cerca de 4 graus mais alta e, como
resultado, as água dos oceanos dilataram e subiram 1 metro.
A maioria das cidades asiáticas
está inundada. Centenas de ilhas
do Pacífico formam uma versão
moderna da fantástica civilização
Atlântida. Refugiados ambientais
vagam aos milhões pela Terra. Segundo o mais importante documento sobre mudança climática, o
cenário descrito, é possível.
A máquina que governa o clima
global é muito complicada. Envolve interações complexas entre
oceanos, massa dos continentes,
regime de chuvas, correntes marítimas, geleiras, fauna, flora, radiação solar, entre outros fatores.
O clima é mais ou menos como o
mecanismo de um relógio suíço.
Desregular minimamente uma só
das centenas de diminutas peças
pode causar alterações imprevisíveis em seu funcionamento.
A diferença é que o olho clínico
de um relojoeiro poderia dizer se
sua máquina vai adiantar ou atrasar -e quanto. Já a ciência, mesmo com sua parafernália tecnológica, não é capaz de diagnóstico
semelhante. É o preço que paga
por trabalhar com um mecanismo
infinitamente mais complexo.
Como o clima não pode ser simulado em laboratórios, estudá-lo é tarefa para supercomputadores que devoram trilhões de dados por segundo. Mas mesmo esses mastigadores vorazes de números não conseguem abocanhar
por completo os fenômenos climáticos, já que são alimentados
por modelos matemáticos. E, como o nome diz, eles são só modelos teóricos, simplificações da realidade com muitas limitações. Assim, o comportamento do clima
está longe de ser traduzido em
uma só fórmula.
Quando se tenta então entender
a relação entre aquecimento global e as causas da subida das águas
dos oceanos, a situação não se
simplifica muito. Nem mesmo especialistas chegam a um consenso.
Em meio a várias hipóteses, pelo
menos dois pontos de comum
acordo parecem aflorar:
a) a comunidade científica concorda que a temperatura média da
Terra sofreu um aumento, desde o
século passado, entre 0,3 e 0,6
grau Celsius. Parece pouco, mas,
para um mecanismo sensível a pequenas variações, esses décimos
de grau causam desarranjo considerável na máquina climática
Boa parte desse aumento se deve
ao acúmulo de dióxido de carbono
(CO2) na atmosfera. Esse gás é
emitido pela queima de derivados
de petróleo e florestas, por exemplo. O CO2 age como isolante, impedindo que parte do calor do planeta escape para o espaço, o que
gera aumento de temperatura;
b) O nível dos oceanos subiu entre 10 cm e 25 cm nos últimos cem
anos, e muito disso foi causado
pela elevação da temperatura média do planeta. Para entender o
porquê, basta lembrar que a maioria das substâncias (e, em quase
todas as temperaturas, a água não
é exceção) dilata à medida que é
aquecida. Como os oceanos estão
presos na "panela" gigantesca
dos continentes, não resta outra
alternativa à água senão subir.
Cenários para 2100
O mais importante documento
sobre clima é o relatório do IPCC
(sigla, em inglês, para Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática). Ele é consensual para a
maioria dos pesquisadores e resume o que a ciência tem a dizer sobre clima neste final de século.
Na parte que relaciona aquecimento global e elevação do nível
dos oceanos, o IPCC mostra três
cenários. Todos baseados em modelos matemáticos, que a temperatura do planeta a partir das concentrações de CO2 ma atmosfera.
Em 2100, se a quantidade de CO2
na atmosfera dobrar em relação à
de hoje, a humanidade terá de enfrentar o seguinte:
a) uma elevação na temperatura
global média de 1 grau Celsius,
com a consequente elevação de 15
centímetros nos níveis da água.
Aqui, até mesmo os que não acreditam em efeito estufa aceitam essa hipótese. E alegam que isso não
seria nada trágico para a Terra, já
que nos últimos cem anos o nível
dos oceanos sofreu variação semelhante e a humanidade sobreviveu;
b) o aumento da temperatura
média poderia bater na casa dos 2
graus Celsius. Aí o nível das águas
subiria alarmantes 50 cm, o que já
causaria problemas às cidades litorâneas e aos chamados países-ilhota do Pacífico. Haveria significativo aumento da erosão de zonas costeiras, principalmente durante eventos como tempestades e
furacões, quando a força dos ventos faz o mar avançar sobre o continente;
c) o mais trágico dos cenários
vislumbra uma subida de 3,5
graus a 4,5 graus e águas 1 metro
mais altas. Nessa situação, a coisa
ficaria realmente complicada. A
maioria das cidades na Ásia, construídas em torno de deltas de rios,
seria inundada, juntamente com
partes costeiras de países como
Argentina e EUA, por exemplo. A
maioria das 300 ilhotas do Pacífico
não teria destino melhor.
Mas vale lembrar que, nos últimos 40 anos, a concentração de
CO2 aumentou só 13%, o que de
certo modo torna fictícios os cenários do IPCC. Não há, por enquanto, provas concretas de que mesmo o menos calamitoso dos cenários deva ocorrer. São baseados
em modelos teóricos, com uma
gama considerável de "poréns".
Então, por ora, é melhor acreditar em fatos concretos: na média,
as águas dos oceanos estão subindo de 1 a 2 milímetros por ano, taxa fornecida pelo satélite da Nasa
Topex/Poseidon e encarada com
seriedade por gente do setor. E, segundo especialistas, essa elevação
não é nada assustadora. Dá para
conviver com ela sem problemas
-sem que, no final do próximo
século, os banhistas, com as areias
da praia submersas, tenham que
fincar o guarda-sol no asfalto.
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