São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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Em busca da "árvore de ouro"

HISTÓRIA Pobreza, fome e falta de perspectiva impulsionaram os imigrantes rumo ao Brasil, que buscava mão-de-obra

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

No Japão, excesso de população e fome em algumas regiões. Em São Paulo, falta de trabalhadores para os cafezais.
É nesse ambiente que começa a imigração japonesa para o Brasil, uma história marcada por contratempos internacionais, coincidências, fugas, perseguições, ascensão e tem como capítulo atual um giro de 180º -a imigração de brasileiros para trabalhar no Japão.
A história, na verdade, começa cerca de 40 anos antes da chegada do Kasato Maru ao porto de Santos. Ao final da década de 1860, há uma profunda reorganização do Japão e o poder volta às mãos do imperador (Restauração Meiji). Até então, o país era praticamente feudal.
A mudança possibilitou que o Japão entrasse na era da Revolução Industrial, o que ocasionou uma forte expansão das cidades. A população da região de Tóquio, por exemplo, dobrou de tamanho em 20 anos (entre 1888 e 1908). As terras para o plantio de alimentos ficaram insuficientes. Chegava a faltar comida em alguns locais.
A Restauração Meiji trouxe dificuldades adicionais para parte da população, pois ficou definido que apenas o filho primogênito teria direito à herança da família. Os demais descendentes ficavam sem nada. Também cresceu a cobrança de impostos sobre as terras.
Uma das alternativas do governo japonês foi incentivar a emigração. Em um primeiro momento, principalmente para os EUA e Canadá. Também houve saídas para o Havaí.
Do outro lado do globo, dois acontecimentos restringiram a mão-de-obra nos cafezais de São Paulo. O primeiro foi a abolição da escravatura, em 1888.
A solução então foi começar a trazer imigrantes. No início da década de 1900, porém, a alternativa definhou, pois o governo italiano parou de subsidiar o envio de pessoas ao Brasil.
O motivo foi o mesmo que, mais tarde, também atrapalharia os imigrantes japoneses: as condições de vida nos cafezais.
"Os italianos foram tratados como escravos. Em seguida, os japoneses foram as vítimas", diz a historiadora Teresa Hatue de Rezende, autora do livro "Ryu Mizuno - Saga Japonesa em Terras Brasileiras", que conta a história daquele que é considerado o pai da imigração japonesa para o Brasil (leia na pág. 18).
Outro fator que influenciou a vinda de japoneses ao Brasil ocorreu em 1907. Em meio a protestos contra a maciça presença de japoneses em seu território, os EUA fecharam um acordo com o Japão para inibir a imigração.
As decisões de Itália e EUA levaram a uma convergência de interesses entre Brasil e Japão: enquanto um estava com falta de trabalhadores para suas fazendas de café, o outro estava sem opções para atenuar o excesso populacional, em boa parte formado por agricultores.
Foi o momento de colocar em prática acordos nipo-brasileiros. O acordo entre o governo do Estado de São Paulo (representando os fazendeiros de café) e a empresa japonesa responsável pela emigração (presidida por Ryu Mizuno) foi firmado em 1907.
Os cafeicultores e a companhia de emigração tiveram de fazer uma intensa propaganda para atrair interessados -poucos japoneses tinham ouvido falar do Brasil ou do café. A estratégia, mais tarde, foi adotada também pelo governo japonês.
O Brasil era apresentado como um "eldorado", um local para enriquecimento rápido e com fartura de recursos.
A publicidade comparava o café a uma "árvore que dá ouro", tamanha a rentabilidade que o produto poderia trazer (o mercado mundial, porém, já enfrentava altos e baixos).
A estratégia convenceu principalmente os moradores de Okinawa e Kagoshima (as duas províncias com mais imigrantes no Kasato Maru).
As despesas da viagem foram bancadas pelos fazendeiros, mas a dívida teria de ser paga com a própria colheita de café, em um contrato de ao menos dois anos -tempos depois, o governo japonês passou a subsidiar a viagem.
"Não vieram os mais miseráveis, porque a família tinha de bancar a viagem até o porto de Kobe. Vieram aqueles que tinham alguns poucos bens, mas que se viam sem perspectivas", afirma Célia Sakurai, doutora em ciências sociais pela Unicamp e pesquisadora da história da imigração.
Em geral, também não vieram os primogênitos, pois eles tinham direito à herança. Cada família tinha de viajar com ao menos três pessoas aptas a trabalhar, entre 12 e 45 anos.
A restrição foi imposta na tentativa de evitar fuga dos cafezais, como ocorreram com outros imigrantes, que chegaram solteiros.
Os japoneses tinham a expectativa de enriquecer rapidamente no Brasil. A maioria foi para fazendas em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo), onde a cafeicultura se expandia.
"A idéia era ficar três, quatro anos, pegar uma grana e cair fora", relata Masato Ninomiya, professor da USP, que também pesquisa a imigração.
O mercado de café, porém, não estava tão aquecido, a safra de 1908 foi ruim e os orientais tiveram dificuldades em trabalhar com uma planta que desconheciam. Os imigrantes se endividaram, tanto para a devolução do gasto da viagem como para as despesas nos armazéns das fazendas.
Além disso, eram vigiados o tempo todo por capatazes e, em geral, moravam em barracões sem estrutura -muitos herdados dos antigos escravos.
Cornetas marcavam a hora de acordar e de comer. A jornada, que passava das 12 horas diárias de trabalho, começava invariavelmente às 6h. Não entendiam a língua, sofriam com doenças como a malária e estranhavam a alimentação.
Muitos então decidiram abandonar as fazendas, mesmo antes do fim do contrato. Dos 781 imigrantes do Kasato Maru, menos de 200 seguiam nos cafezais um ano e três meses depois da chegada.
"A maioria fugiu e começou a se dispersar por São Paulo", afirma o sociólogo Koichi Mori, professor da USP.
Uma parte seguiu a linha do trem em direção ao noroeste paulista, para localidades como Bauru e Marília, onde as terras eram baratas e era possível comprar ou arrendar um terreno -as levas seguintes de imigrantes também já não se concentravam em Ribeirão Preto.
Quando começaram a produzir, decidiram deixar o café em segundo plano. Uma das apostas foi o algodão, para abastecer as indústrias de São Paulo.
As famílias japonesas passaram a se agrupar em colônias. Criaram associações culturais e de lazer e também as primeiras escolas, que ensinam tanto japonês quanto português.
Quando começam a prosperar nas novas propriedades, os imigrantes começam a mandar ao menos um dos filhos para a capital ou para outra cidade grande, para estudar.
Em 1923, Kinjo Yamato, passageiro do Kasato Maru, se formou na Escola de Odontologia de Pindamonhangaba -é o primeiro registro de um imigrante japonês a se graduar no país.
A vida dos imigrantes japoneses começa a sofrer restrições na metade da década de 1930, às vésperas da Segunda Guerra Mundial (em que Brasil e Japão ficam de lados opostos).
Passada essa fase, intensifica-se o fluxo rumo à capital paulista, em busca de novas oportunidades.
Os imigrantes procuram principalmente atividades que não precisam de uma intensa comunicação com os brasileiros (pois muitos ainda tinham dificuldades com a língua) e que pudessem ocupar a família inteira. "Por isso, viraram feirantes, donos de quitandas, tintureiros", diz Célia Sakurai. Em 1948, Yukishigue Tamura é eleito vereador em São Paulo e se torna o primeiro membro da comunidade a ocupar um cargo eletivo na capital.
A imigração por barcos terminou em 1973, com a chegada dos 285 passageiros do Nippon Maru. De 1908 a 1973, foram cerca de 250 mil os imigrantes.
Cerca de 15 anos depois, o fluxo se inverte. O Brasil vivia uma crise econômica, enquanto o Japão se desenvolvia intensamente, já como a segunda economia do mundo.
Segundo os dados do Fundo Monetário Internacional, o produto interno bruto do Japão cresceu mais de 6% em 1988, quando começou a emigração de moradores brasileiros para o Japão. No mesmo período, a economia brasileira estava estagnada, após um período de recessão.
No primeiro momento, ocorre o retorno dos japoneses que vieram ao Brasil como imigrantes. A partir de 1990, passam a ir filhos ou netos -após o Japão permitir que descendentes pudessem trabalhar legalmente no país.
De acordo com dados do governo japonês, há 312 mil brasileiros no Japão (dado de 2006, último disponível) -número já maior do que o de japoneses que vieram para o Brasil. Após a explosão da imigração nos anos 1990, o fluxo permanece, mas em um ritmo menor. Em 2006, a comunidade brasileira cresceu apenas 3,6%.


Fontes: Associação para Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, Embaixada do Brasil no Japão, Museu Histórico da Imigração Japonesa e pesquisadores

FÁBIO TAKAHASHI é neto de japoneses. Seu avô chegou ao Brasil em 1930 e sua avó, em 1934


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