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SITUAÇÃO
'Afeganistão enfrenta catástrofe'
Saída de organizações humanitárias piora situação, diz chefe da Médicos Sem Fronteiras
Reuters
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Crianças afegãs ficam em carrinho de mão enquanto sua família pede esmola em estrada próxima à cidade de Peshawar (Paquistão)
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PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
O Afeganistão vive hoje uma
"catástrofe humana", e a saída das
organizações humanitárias após
os atentados nos EUA vai piorar
ainda mais a situação. O país enfrenta a pior seca dos últimos 30
anos, que agravou a falta de alimentos, e a ONU estima que mais
de 1 milhão de pessoas possa
morrer nos próximos meses. A
afirmação é do belga Stephan
Goedgebuur, chefe da organização humanitária MSF (Médicos
Sem Fronteiras) no Afeganistão.
Goedgebuur deixou o país no
último domingo e está no Turcomenistão, de onde falou à Folha.
A MSF, Prêmio Nobel da Paz
em 1999, atua no Afeganistão desde 1980. Contava com 68 integrantes estrangeiros e 406 afegãos
antes da crise. Atualmente, "há no
máximo dez integrantes na região
controlada pela Aliança do Norte", diz Goedgebuur.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Todos os membros da MSF
deixaram o Afeganistão?
Stephan Goedgebuur - Há apenas alguns poucos médicos na região controlada pela Aliança do
Norte, no máximo dez pessoas.
Folha - Vocês foram obrigados a
deixar o país?
Goedgebuur - Nós decidimos
sair. Aparentemente o Taleban
disse aos estrangeiros que deixassem o país, mas nós fomos embora por decisão própria. Até onde
sei, todos os estrangeiros, incluindo os que atuavam em agências
humanitárias, deixaram toda a região controlada pelo Taleban.
Folha - O que mudou após os
atentados na Costa Leste dos EUA?
Goedgebuur - A pressão aumentou muito logo após o anúncio do
que havia acontecido. Houve
muita pressão sobre a organização e seus membros. Tomamos a
decisão já na sexta-feira à noite.
Concretamente, o que mais nos
afetou foi o temor da reação internacional. Ficamos chocados, com
angústia e um certo medo.
Folha - Quantas pessoas tinham
acesso aos serviços da MSF?
Goedgebuur - Cerca de 45 mil
pessoas por mês. Tínhamos mais
de 20 clínicas no país com programas especiais de vacinação, além
de centros de distribuição de comida. Há uma séria crise de desnutrição e pouca água potável no
Afeganistão. A seca, a pior dos últimos 30 anos, só piora isso.
Folha - Como fica a situação após
a saída das agências humanitárias?
Como as pessoas vão ter acesso a
tratamento agora?
Goedgebuur - A situação já era
dramática antes dos atentados.
Há uma catástrofe humana. Com
certeza, a saída dos agentes humanitários só complica as coisas.
Evidentemente, a qualidade e a
quantidade do serviço a que a população tem acesso vai decair
muito. Precisamos de ajuda. A
MSF quer manter suas atividades
a distância, vamos tentar de alguma maneira. É importante entender que, antes de nossa retirada, a
situação já era extremamente
preocupante. O que há hoje é um
desastre humano no país.
Folha - Quais os principais problemas que afetam o país?
Goedgebuur - O problema principal atualmente são os refugiados internos, pessoas que tiveram
de abandonar suas casas para fugir da seca e dos confrontos. A
princípio, elas se instalaram de
maneira absolutamente provisória em campos ao redor de grandes cidades. Há centenas de milhares de pessoas deslocadas internamente. Há um problema de
saúde grave, ligado especialmente
à desnutrição e à falta de abrigo.
Há ainda o inverno, extremamente rigoroso, que chega daqui a
poucas semanas.
Folha - Qual a situação de Cabul?
Goedgebuur - A cidade está
completamente destruída. Aliás,
essa é a realidade do país em geral
após quase 23 anos de guerra. Boa
parte das cidades foi destruída,
apesar de haver algumas regiões
menos devastadas.
Folha - Que tipo de restrição havia antes dos atentados?
Goedgebuur - Uma série de regras a que devíamos obedecer para conseguir oferecer assistência
médica aos afegãos, principalmente às mulheres. Apesar disso,
de maneira geral, ainda era possível proporcionar um serviço médico a mulheres e a crianças.
Folha - Como vocês evitavam problemas com o regime?
Goedgebuur - Eles mantinham
um contato permanente conosco
para verificar se nossa estrutura
obedecia as regras afegãs. Respeitávamos os costumes locais para
evitar problemas. O Afeganistão é
conhecido por sua hospitalidade,
e nós respeitávamos suas regras.
Folha - Como as afegãs recebiam
assistência médica?
Goedgebuur - As mulheres podiam receber tratamento quando
eram atendidas por médicas ou
enfermeiras. Médicos tratavam
apenas homens. Tínhamos médicas e enfermeiras, em respeito à
rígida separação. O atendimento
a mulheres representava cerca de
60% das consultas.
Folha - Há muitos afegãos no Turcomenistão?
Goedgebuur - A fronteira foi totalmente fechada. E os afegãos
não têm o costume de se refugiarem aqui, como fazem no Irã e no
Paquistão, por exemplo.
Folha - Vocês pretendem ficar no
Turcomenistão?
Goedgebuur - Por enquanto,
sim. Nossa equipe quer voltar o
mais rápido possível para o Afeganistão.
Folha - Membros da MSF foram
expulsos do país em 1998 [voltaram em maio de 1999]. Por quê?
Goedgebuur - Foram acusados
de proselitismo, de tentar difundir a religião cristã no país.
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