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RENDA
Governo elevou carga tributária para pagar juros, mas os pobres não têm renda para investir em fundos; segundo pesquisa, concentração de renda no Brasil é a quarta maior do mundo, perdendo apenas para três países africanos
Juro consome alta de impostos; gastos sociais contêm miséria
ÉRICA FRAGA e MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A distribuição de renda não mudou nos anos FHC. A estabilização da moeda
diminuiu a pobreza, mas a economia brasileira continuou a gerar injustiça
social e concentra nas mãos de 10% da população metade de toda a riqueza
produzida no país. Não fosse o aumento das transferências sociais, a economia do
Real teria gerado mais desigualdades. A política fiscal da era FHC, baseada na emissão de títulos públicos, foi altamente concentradora de renda.
A política fiscal da era FHC foi
altamente concentradora de renda. O principal mecanismo de financiamento do governo, nos últimos oito anos, foi a emissão de
títulos no mercado financeiro.
Para pagar os juros da dívida
que foi vencendo, o governo-
que não conseguiu cortar despesas-teve de aumentar receitas.
Isso se deu principalmente com a
elevação da carga tributária, que
saltou de 27,9% do PIB, em 1994,
para 34,36%, em 2001.
Para Antoninho Trevisan, sócio
da consultoria Trevisan, a arrecadação fiscal foi a "verdadeira âncora do Plano Real".
"Foi a crescente arrecadação de
impostos que garantiu solvência
ao país, permitindo que o governo honrasse o pagamento dos juros", diz o especialista.
Ele lembra que o governo aumentou a carga tributária principalmente com a criação de impostos indiretos, cuja cobrança
afetou de forma indiscriminada
quase toda a população.
Mas, se a maioria dos brasileiros
ajudou o governo a se financiar ao
pagar impostos, poucos conseguiram lucrar diretamente às custas do endividamento público,
comprando os títulos emitidos e
embolsando os ganhos proporcionados pelos altos juros que remuneram esses papéis.
Os gastos do governo com juros
da dívida pública foram considerados concentradores de renda.
"Esses gastos beneficiam apenas
quem tem capital para investir",
afirma Marcelo D'Agosto, sócio
da consultoria InvestMate.
Renda insuficiente
Segundo cálculo feito pelo Dieese, o salário mínimo necessário
para garantir a uma família (pai,
mãe e dois filhos) acesso a itens de
necessidade básica -alimentação, moradia, saúde, transporte,
vestuário, lazer e previdência-é
de R$ 1.247,97. Para investir, portanto, uma família teria de ganhar
acima disso.
Mas a realidade da maior parte
das famílias brasileiras está longe
desse cenário ideal. Dados da última Pnad (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios), realizada em 2001 pelo IBGE, mostram
que cerca de 65% das famílias brasileiras têm rendimento mensal
médio entre menos de um e cinco
salários mínimos. Ganham, no
máximo, R$ 1.000. Outras 3,78%
não têm rendimento nenhum.
Dificilmente essas famílias terão
poupança para aplicar em fundos
de investimento, como os DI e de
renda fixa, principais alternativas
para pessoas físicas que querem
investir em títulos públicos.
Benefícios sociais
Por isso, a economia brasileira
continua a promover desigualdades. Segundo Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), "uma maior concentração de
renda só foi evitada por causa do
aumento das transferências de
renda feitas pelo Estado".
Sem o aumento do número de
benefícios do INSS e dos gastos de
assistência social, a situação da
população mais pobre seria hoje
pior do que no início dos anos 90.
Isso porque o governo não adotou políticas específicas de combate à concentração de renda.
Uma das principais ferramentas
para medir a desigualdade -o índice de Gini- mostra pouca mudança nos últimos dez anos. O indicador varia de 0, perfeita igualdade, a 1, caso de maior desigualdade possível.
Em 1993, o índice brasileiro era
de 0,60. Em 2001, havia caído para
0,57. Só são mais desiguais do que
o Brasil três países africanos muito pobres: Serra Leoa, República
Centro-Africana e Suazilândia.
Um brasileiro do grupo dos 10%
mais ricos ganha, em média, mais
de 30 vezes o que recebe os que estão entre os 10% mais pobres. Essa relação, segundo o Ipea, não
tem precedentes no mundo.
O debate sobre desigualdade de
renda remonta à década de 60,
quando as primeiras estatísticas
sobre o assunto mostraram o alto
grau de exclusão social do Brasil.
Especialistas dizem que o crescimento econômico ajuda a distribuir a renda. Mas não basta.
Investir apenas em educação
também não resolve o problema,
já que esse tipo de política demora
décadas para surtir efeito.
Segundo Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Ipea, 64% dos
países têm renda per capita menor do que a brasileira. Ainda assim, em quase todos a concentração é menor do que no Brasil.
Pobreza
Os níveis de pobreza diminuíram durante as duas gestões
(1995/2002) de Fernando Henrique Cardoso. Mas essa redução
foi quase um efeito colateral do
Plano Real, cujo objetivo era controlar a escalada inflacionária.
Com a estabilização, a inflação
deixou de corroer os salários da
população mais pobre e que tem
menos proteção contra ela. Segundo Sonia Rocha, pesquisadora do Ipea, os trabalhadores também foram beneficiados pela queda dos preços, devido à concorrência de produtos estrangeiros.
Com isso, a proporção de pobres caiu de 41,7% da população
em 93 para 33,5% em 99.
"Essa primeira fase foi a lua-de-mel do Plano Real", diz Marcelo
Neri, pesquisador da FGV. Mas os
efeitos positivos da estabilização
se esgotaram. Desde 1996, o número de pobres aumentou 3 milhões. Atualmente, 54 milhões de
brasileiros vivem abaixo da linha
da pobreza.
Para especialistas, sem uma política adequada e organizada de
distribuição, não há como combater a desigualdade social.
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