São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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RENDA

Governo elevou carga tributária para pagar juros, mas os pobres não têm renda para investir em fundos; segundo pesquisa, concentração de renda no Brasil é a quarta maior do mundo, perdendo apenas para três países africanos

Juro consome alta de impostos; gastos sociais contêm miséria

ÉRICA FRAGA e MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A distribuição de renda não mudou nos anos FHC. A estabilização da moeda diminuiu a pobreza, mas a economia brasileira continuou a gerar injustiça social e concentra nas mãos de 10% da população metade de toda a riqueza produzida no país. Não fosse o aumento das transferências sociais, a economia do Real teria gerado mais desigualdades. A política fiscal da era FHC, baseada na emissão de títulos públicos, foi altamente concentradora de renda.
A política fiscal da era FHC foi altamente concentradora de renda. O principal mecanismo de financiamento do governo, nos últimos oito anos, foi a emissão de títulos no mercado financeiro.
Para pagar os juros da dívida que foi vencendo, o governo- que não conseguiu cortar despesas-teve de aumentar receitas. Isso se deu principalmente com a elevação da carga tributária, que saltou de 27,9% do PIB, em 1994, para 34,36%, em 2001.
Para Antoninho Trevisan, sócio da consultoria Trevisan, a arrecadação fiscal foi a "verdadeira âncora do Plano Real".
"Foi a crescente arrecadação de impostos que garantiu solvência ao país, permitindo que o governo honrasse o pagamento dos juros", diz o especialista.
Ele lembra que o governo aumentou a carga tributária principalmente com a criação de impostos indiretos, cuja cobrança afetou de forma indiscriminada quase toda a população.
Mas, se a maioria dos brasileiros ajudou o governo a se financiar ao pagar impostos, poucos conseguiram lucrar diretamente às custas do endividamento público, comprando os títulos emitidos e embolsando os ganhos proporcionados pelos altos juros que remuneram esses papéis.
Os gastos do governo com juros da dívida pública foram considerados concentradores de renda. "Esses gastos beneficiam apenas quem tem capital para investir", afirma Marcelo D'Agosto, sócio da consultoria InvestMate.

Renda insuficiente
Segundo cálculo feito pelo Dieese, o salário mínimo necessário para garantir a uma família (pai, mãe e dois filhos) acesso a itens de necessidade básica -alimentação, moradia, saúde, transporte, vestuário, lazer e previdência-é de R$ 1.247,97. Para investir, portanto, uma família teria de ganhar acima disso.
Mas a realidade da maior parte das famílias brasileiras está longe desse cenário ideal. Dados da última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada em 2001 pelo IBGE, mostram que cerca de 65% das famílias brasileiras têm rendimento mensal médio entre menos de um e cinco salários mínimos. Ganham, no máximo, R$ 1.000. Outras 3,78% não têm rendimento nenhum.
Dificilmente essas famílias terão poupança para aplicar em fundos de investimento, como os DI e de renda fixa, principais alternativas para pessoas físicas que querem investir em títulos públicos.

Benefícios sociais
Por isso, a economia brasileira continua a promover desigualdades. Segundo Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), "uma maior concentração de renda só foi evitada por causa do aumento das transferências de renda feitas pelo Estado".
Sem o aumento do número de benefícios do INSS e dos gastos de assistência social, a situação da população mais pobre seria hoje pior do que no início dos anos 90. Isso porque o governo não adotou políticas específicas de combate à concentração de renda.
Uma das principais ferramentas para medir a desigualdade -o índice de Gini- mostra pouca mudança nos últimos dez anos. O indicador varia de 0, perfeita igualdade, a 1, caso de maior desigualdade possível.
Em 1993, o índice brasileiro era de 0,60. Em 2001, havia caído para 0,57. Só são mais desiguais do que o Brasil três países africanos muito pobres: Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.
Um brasileiro do grupo dos 10% mais ricos ganha, em média, mais de 30 vezes o que recebe os que estão entre os 10% mais pobres. Essa relação, segundo o Ipea, não tem precedentes no mundo.
O debate sobre desigualdade de renda remonta à década de 60, quando as primeiras estatísticas sobre o assunto mostraram o alto grau de exclusão social do Brasil.
Especialistas dizem que o crescimento econômico ajuda a distribuir a renda. Mas não basta.
Investir apenas em educação também não resolve o problema, já que esse tipo de política demora décadas para surtir efeito.
Segundo Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Ipea, 64% dos países têm renda per capita menor do que a brasileira. Ainda assim, em quase todos a concentração é menor do que no Brasil.

Pobreza
Os níveis de pobreza diminuíram durante as duas gestões (1995/2002) de Fernando Henrique Cardoso. Mas essa redução foi quase um efeito colateral do Plano Real, cujo objetivo era controlar a escalada inflacionária.
Com a estabilização, a inflação deixou de corroer os salários da população mais pobre e que tem menos proteção contra ela. Segundo Sonia Rocha, pesquisadora do Ipea, os trabalhadores também foram beneficiados pela queda dos preços, devido à concorrência de produtos estrangeiros.
Com isso, a proporção de pobres caiu de 41,7% da população em 93 para 33,5% em 99.
"Essa primeira fase foi a lua-de-mel do Plano Real", diz Marcelo Neri, pesquisador da FGV. Mas os efeitos positivos da estabilização se esgotaram. Desde 1996, o número de pobres aumentou 3 milhões. Atualmente, 54 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza.
Para especialistas, sem uma política adequada e organizada de distribuição, não há como combater a desigualdade social.


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