São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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PRIVATIZAÇÃO

Modelo fracassado da venda das elétricas, que quase fez faltar luz no país, levou governo a tomar cuidado na venda do Sistema Telebrás; fila para telefone fixo praticamente acabou após leilão

Celular fica pop e país raciona energia depois da privatização

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
HUMBERTO MEDINA e GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma operação bem-sucedida na área de telecomunicações, maculada por acusações de tentativas de favorecimento a grupos privados. E um desorganizado processo de venda no setor elétrico, que desaguou no primeiro racionamento de energia elétrica de nível nacional (exceto a região Sul) da história pós-Furnas do setor no Brasil e em sequela na forma de aumento das tarifas de luz.
Esse foi o resumo das privatizações dos principais serviços públicos, carro-chefe no governo Fernando Henrique Cardoso do PND (Programa Nacional de Desestatização), iniciado no governo Fernando Collor de Mello.
Durante o atual governo, o programa federal ganhou a adesão de vários programas estaduais, estimulados pela União e, na quase totalidade, assessorados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), gestor do PND.
No governo FHC, a razão principal das privatizações foi modificada. Na origem, era um programa destinado a desonerar o Estado dos pesados custos de carregar empresas produtivas, a maioria delas considerada ineficiente.
Privadas, essas empresas voltariam a investir ou passariam a investir mais e, de quebra, o Estado faturaria algum dinheiro. Esses recursos, conforme expresso na lei nš 8.031 (Lei das Privatizações), seriam usados, majoritariamente, para pagar a dívida pública.
A partir de 1995 houve uma explosão da dívida pública e do déficit do país nas suas transações externas. Segundo dados do BC (Banco Central), a dívida líquida do setor público saltou de R$ 147,19 bilhões em junho de 1994 para R$ 385,87 bilhões em dezembro de 1998 e para R$ 866,21 bilhões em outubro deste ano. O déficit em conta corrente chegou a US$ 33 bilhões em 1998.
A necessidade de fazer caixa, preferencialmente com recursos externos, para cobrir os buracos nas contas do país passou a ser a prioridade. De fato, as privatizações contribuíram para que não houvesse uma explosão definitiva no endividamento e nas contas externas. De 1995 até a metade deste ano, entraram no país US$ 31,2 bilhões para o pagamento de empresas privatizadas. E, segundo dados do BC, as privatizações permitiram um abatimento de R$ 63 bilhões na dívida pública.

O apagão
A privatização das empresas federais e da maior parte das estaduais de distribuição de energia elétrica ocorreu a partir de julho de 1995, numa conjuntura de urgência em obter dinheiro.
O setor de geração praticamente não foi tocado, com exceção da Gerasul, empresa desmembrada da antiga Eletrosul.
As outras três grandes geradoras federais -Furnas, Chesf e Eletronorte- seguiram estatais, mas até hoje fazem parte das empresas listadas no PND. Ou seja, vivem uma situação transitória permanente, pagando o preço disso em restrições a novos investimentos.
Somente em 1997, quando grande parte das distribuidoras já estava privatizada, é que foi instalada a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) -o órgão que deveria ter definido previamente as novas regras sob as quais o setor deveria operar.
Já em 1996, um estudo encomendado pelo governo à consultora Coopers & Lybrand alertava para o risco de falta de energia elétrica no final dos anos 90. Não foi levado em conta. Os investimentos no setor haviam caído de uma média anual de R$ 13 bilhões nos anos 80 para R$ 7 bilhões por ano nos 90. No primeiro governo FHC (1995-1998), a média foi de R$ 5,3 bilhões por ano.
A consequência da falta de investimentos, secundada pela insuficiência de chuvas no verão 2000-2001, foi o racionamento iniciado no dia 4 de junho de 2001 e que se prolongou até fevereiro deste ano, com um abrandamento a partir de dezembro de 2001.
De junho a dezembro, a maioria dos consumidores residenciais foi obrigada a economizar 20% de energia por mês. Na indústria, o corte chegou a 35%.
Depois, as distribuidoras queriam que o governo pagasse o que elas deixaram de vender, compulsoriamente, no apagão. O governo transferiu a conta para os consumidores. Os residenciais passaram a pagar 2,9% a mais. Os industriais, 7,9%.
Além disso, o consumidor está pagando um adicional batizado de seguro apagão. É o dinheiro necessário a pagar o aluguel de 58 usinas termelétricas, uma reserva de energia para o caso de a escassez voltar. Analistas avaliam que ela pode retornar já em 2004.

Sucesso e grampo
No caso da Telebrás, apesar da urgência em fazer dinheiro, o exemplo negativo do setor elétrico serviu para que os erros não fossem repetidos. O então ministro das Comunicações Sérgio Motta preparou com cuidado todo o arcabouço legal.
Foram estabelecidas metas que as novas empresas, resultantes do desmembramento da Telebrás, teriam que cumprir. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) já estava a postos quando o leilão para privatizar a empresa ocorreu, em julho de 1998.
Foi a maior privatização da história do país. O governo faturou em um só dia R$ 22 bilhões, com ágio médio de 63,74% sobre o preço mínimo. Da divisão da Telebrás nasceram 12 empresas, sendo oito de telefonia celular.
Outras empresas surgiram com os leilões das "empresas espelho" daquelas que já existiam e com outras licitações para operadoras de celulares em novas frequências. O número de celulares no país cresceu 287% desde 1998, chegando a 30 milhões. Os preços dos aparelhos/linhas desabaram.
O número de telefones fixos dobrou. Hoje é possível obter rapidamente uma linha telefônica ao custo de R$ 70 para instalação. Antes, havia uma fila de 13 milhões de consumidores não atendidos, mesmo aceitando pagar quase R$ 1.200 com dois anos de antecedência.
Semanas depois da privatização, a divulgação de fitas gravadas por meio de grampo ilegal em telefones do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) levantou suspeitas de que haveria um esquema montado para favorecer o consórcio liderado pelo banco Opportunity no leilão da Tele Norte Leste, uma das empresas nas quais a Telebrás foi desmembrada.
O escândalo provocou a queda do ministro das Comunicações, do presidente do BNDES e de dirigentes do Banco do Brasil e da Previ, o fundo de pensão dos empregados do banco que seria o pivô das supostas articulações. Embora nada tenha sido provado até hoje, ainda há investigações em andamento para elucidar o caso.
No final, tanto a organizada privatização da Telebrás como a caótica venda parcial das elétricas deixaram um problema adicional. O governo permitiu que todos os contratos de concessão tivessem cláusulas de correção anual com base no IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), tornando os serviços cada vez mais caros e criando um realimentador da inflação. O futuro governo já fala em renegociar essas cláusulas de correção.


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