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PRIVATIZAÇÃO
Modelo fracassado da venda das elétricas, que quase fez faltar luz no país, levou governo a tomar cuidado na venda do Sistema Telebrás; fila para telefone fixo praticamente acabou após leilão
Celular fica pop e país raciona energia depois da privatização
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
HUMBERTO MEDINA e GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma operação bem-sucedida na área de telecomunicações, maculada por
acusações de tentativas de favorecimento a grupos privados. E um desorganizado processo de venda no setor elétrico, que desaguou no primeiro
racionamento de energia elétrica de nível nacional (exceto a região Sul) da história
pós-Furnas do setor no Brasil e em sequela na forma de aumento das tarifas de luz.
Esse foi o resumo das privatizações dos principais serviços públicos, carro-chefe no governo
Fernando Henrique Cardoso do
PND (Programa Nacional de Desestatização), iniciado no governo
Fernando Collor de Mello.
Durante o atual governo, o programa federal ganhou a adesão de
vários programas estaduais, estimulados pela União e, na quase
totalidade, assessorados pelo
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), gestor do PND.
No governo FHC, a razão principal das privatizações foi modificada. Na origem, era um programa destinado a desonerar o Estado dos pesados custos de carregar
empresas produtivas, a maioria
delas considerada ineficiente.
Privadas, essas empresas voltariam a investir ou passariam a investir mais e, de quebra, o Estado
faturaria algum dinheiro. Esses
recursos, conforme expresso na
lei nš 8.031 (Lei das Privatizações),
seriam usados, majoritariamente,
para pagar a dívida pública.
A partir de 1995 houve uma explosão da dívida pública e do déficit do país nas suas transações externas. Segundo dados do BC
(Banco Central), a dívida líquida
do setor público saltou de R$
147,19 bilhões em junho de 1994
para R$ 385,87 bilhões em dezembro de 1998 e para R$ 866,21 bilhões em outubro deste ano. O déficit em conta corrente chegou a
US$ 33 bilhões em 1998.
A necessidade de fazer caixa,
preferencialmente com recursos
externos, para cobrir os buracos
nas contas do país passou a ser a
prioridade. De fato, as privatizações contribuíram para que não
houvesse uma explosão definitiva
no endividamento e nas contas
externas. De 1995 até a metade
deste ano, entraram no país US$
31,2 bilhões para o pagamento de
empresas privatizadas. E, segundo dados do BC, as privatizações
permitiram um abatimento de R$
63 bilhões na dívida pública.
O apagão
A privatização das empresas federais e da maior parte das estaduais de distribuição de energia
elétrica ocorreu a partir de julho
de 1995, numa conjuntura de urgência em obter dinheiro.
O setor de geração praticamente
não foi tocado, com exceção da
Gerasul, empresa desmembrada
da antiga Eletrosul.
As outras três grandes geradoras federais -Furnas, Chesf e Eletronorte- seguiram estatais, mas
até hoje fazem parte das empresas
listadas no PND. Ou seja, vivem
uma situação transitória permanente, pagando o preço disso em
restrições a novos investimentos.
Somente em 1997, quando
grande parte das distribuidoras já
estava privatizada, é que foi instalada a Aneel (Agência Nacional de
Energia Elétrica) -o órgão que
deveria ter definido previamente
as novas regras sob as quais o setor deveria operar.
Já em 1996, um estudo encomendado pelo governo à consultora Coopers & Lybrand alertava
para o risco de falta de energia elétrica no final dos anos 90. Não foi
levado em conta. Os investimentos no setor haviam caído de uma
média anual de R$ 13 bilhões nos
anos 80 para R$ 7 bilhões por ano
nos 90. No primeiro governo FHC
(1995-1998), a média foi de R$ 5,3
bilhões por ano.
A consequência da falta de investimentos, secundada pela insuficiência de chuvas no verão
2000-2001, foi o racionamento
iniciado no dia 4 de junho de 2001
e que se prolongou até fevereiro
deste ano, com um abrandamento a partir de dezembro de 2001.
De junho a dezembro, a maioria
dos consumidores residenciais foi
obrigada a economizar 20% de
energia por mês. Na indústria, o
corte chegou a 35%.
Depois, as distribuidoras queriam que o governo pagasse o que
elas deixaram de vender, compulsoriamente, no apagão. O governo transferiu a conta para os consumidores. Os residenciais passaram a pagar 2,9% a mais. Os industriais, 7,9%.
Além disso, o consumidor está
pagando um adicional batizado
de seguro apagão. É o dinheiro
necessário a pagar o aluguel de 58
usinas termelétricas, uma reserva
de energia para o caso de a escassez voltar. Analistas avaliam que
ela pode retornar já em 2004.
Sucesso e grampo
No caso da Telebrás, apesar da
urgência em fazer dinheiro, o
exemplo negativo do setor elétrico serviu para que os erros não
fossem repetidos. O então ministro das Comunicações Sérgio
Motta preparou com cuidado todo o arcabouço legal.
Foram estabelecidas metas que
as novas empresas, resultantes do
desmembramento da Telebrás,
teriam que cumprir. A Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações) já estava a postos quando o leilão para privatizar a empresa ocorreu, em julho de 1998.
Foi a maior privatização da história do país. O governo faturou
em um só dia R$ 22 bilhões, com
ágio médio de 63,74% sobre o
preço mínimo. Da divisão da Telebrás nasceram 12 empresas,
sendo oito de telefonia celular.
Outras empresas surgiram com
os leilões das "empresas espelho"
daquelas que já existiam e com
outras licitações para operadoras
de celulares em novas frequências. O número de celulares no
país cresceu 287% desde 1998,
chegando a 30 milhões. Os preços
dos aparelhos/linhas desabaram.
O número de telefones fixos dobrou. Hoje é possível obter rapidamente uma linha telefônica ao
custo de R$ 70 para instalação.
Antes, havia uma fila de 13 milhões de consumidores não atendidos, mesmo aceitando pagar
quase R$ 1.200 com dois anos de
antecedência.
Semanas depois da privatização, a divulgação de fitas gravadas
por meio de grampo ilegal em telefones do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) levantou suspeitas
de que haveria um esquema montado para favorecer o consórcio liderado pelo banco Opportunity
no leilão da Tele Norte Leste, uma
das empresas nas quais a Telebrás
foi desmembrada.
O escândalo provocou a queda
do ministro das Comunicações,
do presidente do BNDES e de dirigentes do Banco do Brasil e da
Previ, o fundo de pensão dos empregados do banco que seria o pivô das supostas articulações. Embora nada tenha sido provado até
hoje, ainda há investigações em
andamento para elucidar o caso.
No final, tanto a organizada privatização da Telebrás como a caótica venda parcial das elétricas
deixaram um problema adicional. O governo permitiu que todos os contratos de concessão tivessem cláusulas de correção
anual com base no IGP-M (Índice
Geral de Preços do Mercado), tornando os serviços cada vez mais
caros e criando um realimentador
da inflação. O futuro governo já
fala em renegociar essas cláusulas
de correção.
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