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CAPITAL
Com visão de mundo homogênea, grupo de economistas tem origem social elevada, foi militante de esquerda, fez pós-graduação em universidades de primeira linha dos EUA, atuou no mercado e em órgãos internacionais
Trânsito entre mercado e poder cresce na privatização
VINICIUS MOTA
EDITOR DE OPINIÃO
Metamorfose. Essa é uma boa palavra para caracterizar a geração de economistas que vem ocupando posições de poder desde a fase de elaboração do Plano Real. A Folha realizou uma enquete para averiguar de onde vieram (e para onde foram) economistas que ocupam (ou que
ocuparam) nos anos FHC cargos de destaque na gestão da economia nos ministérios da Fazenda e do
Planejamento, no BC, no BNDES, no Banco do Brasil, na Petrobras e em agências reguladoras.
O resultado em parte confirma a
intuição: como regra, quanto
mais alto o cargo no governo,
mais comuns são os casos em que
o currículo de seu ocupante registra alternância de posições entre
bancos, consultorias, empresas
privadas, poder público e burocracia multilateral. Por seu turno,
agências e estatais tendem a dispor, nos cargos de chefia, de
maior proporção de funcionários
públicos de carreira.
Cientes de que a passagem imediata de altos cargos no governo
para o exercício de atividades privadas lhes poderia render críticas,
muitas autoridades, ao deixarem
a administração pública, se auto-impuseram uma quarentena
-caso, por exemplo, dos ex-presidentes do Banco Central Pérsio
Arida, Gustavo Loyola e Gustavo
Franco.
Metamorfose financeira
Nos anos FHC, duas peculiaridades marcam as trocas de posição dos economistas. Com a abertura ao capital estrangeiro e as
privatizações, ampliaram-se as
chances de trabalho no mercado.
E, com o papel de crescente destaque exercido nesse período pelo
capital financeiro, bancos e fundos de investimento (nacionais
ou globais) ganharam importância como locais de atuação.
A necessidade de o economista
atuar em mais de um flanco para
ascender na carreira vem de longe. Formar economistas, no Brasil, sempre se confundiu com formar (ou reciclar) elites dirigentes.
A socióloga e professora da
Fundação Getúlio Vargas em São
Paulo Maria Rita Loureiro narra,
no livro "Os Economistas no Governo", os momentos decisivos
da ascensão desses profissionais
no Brasil.
A competência específica do
economista viceja nos grupos de
assessoria a presidentes e nas
agências governamentais que vão
sendo criadas a partir dos anos 30.
As primeiras faculdades de economia no país nasceram justo
com a preocupação de garantir
formação modernizante às elites
que assumiriam funções de liderança na sociedade e no Estado.
Em meados da década de 60,
deu-se o passo que marcaria a
identidade dos mais destacados
economistas brasileiros: o surgimento da pós-graduação. O diagnóstico era que os cursos regulares não preenchiam o papel de selecionar a elite modernizada que
se desejava. Era preciso uma instância com maior respaldo técnico e maior prestígio. E, para isso,
era preciso contar com o auxílio
de professores e de faculdades estrangeiras, preponderantemente
dos Estados Unidos. Começa, então, a ser contada a história da geração de técnicos-políticos que
ascendeu com FHC.
Metamorfose americana
Para Loureiro, o traço que marca os economistas que detiveram
maior poder político nos anos
FHC é a pós-graduação feita em
universidades norte-americanas
de primeira linha.
Mas não param por aí as coincidências que permitem identificar
esse grupo de economistas, altamente homogêneo no que diz respeito a sua visão de mundo -ela
mesma transformada ao longo
dos anos.
Na biografia do ministro Pedro
Malan estão sintetizadas algumas
outras semelhanças do grupo.
Como Francisco Lopes, Armínio Fraga, André Lara Resende e
Gustavo Franco, Malan cresceu
numa família de corte intelectual
elevado para padrões brasileiros e
com inserção nos estratos sociais
superiores do Rio de Janeiro
-capital federal até 1960.
O pai de Malan, Elísio, foi funcionário público e, em seu núcleo
familiar, Pedro conviveu com oficiais militares que exerceram papel de destaque na vida pública
brasileira. Pedro Malan se formou
em engenharia elétrica pela PUC
(Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
Foi, aos poucos, se convertendo
em economista. Teve passagem
inicial pela Cepal (núcleo de pensamento de esquerda latino-americano) e pela área técnica do governo.
O relacionamento com um professor americano interessado no
Brasil (Albert Fishlow) lhe permitiu o passo acadêmico decisivo: o
PhD em economia em Berkeley.
Fishlow, John Williamson,
Stanley Fischer, Jeffrey Sachs e
Rudiger Dornbusch (morto em
25 de julho deste ano) foram alguns dos professores americanos
com interesse em países periféricos que exerceram influência na
formação do grupo de economistas que marcou os anos do governo FHC.
De volta ao Brasil, Malan ocupa
postos no governo e exerce a docência na mesma PUC em que se
formou. Também passa a ser designado para cargos em organismos multilaterais (ONU, Bird e
BID). Essa trajetória "pré-política" tem seu ponto máximo quando exerce a função de negociador-chefe da dívida externa em Washington na gestão de Marcílio
Marques Moreira (governo Collor), processo que culminou na
volta do Brasil ao circuito financeiro internacional e do qual Armínio Fraga e Gustavo Franco
também participaram.
O percurso de Malan destoa do
da maioria de seus companheiros
economistas de escalões principais de governo pelo fato de nunca ter incluído o trabalho na iniciativa privada. Mas ele concentra, talvez de maneira incontrastável, outros aspectos fundamentais: origem socialmente elevada,
militância de esquerda e de oposição ao regime militar na fase inicial da carreira, doutorado nos
EUA, relacionamento com o
"mainstream" acadêmico e da
burocracia internacional e, no
Brasil, vínculo ao grupo intelectual da PUC do Rio de Janeiro.
Sem metamorfose
O próprio Malan identifica a peculiaridade dos mais renomados
economistas brasileiros, talhados,
em muitos casos, para exercer
funções de governo. Na introdução ao primeiro volume de "Conversas com Economistas Brasileiros", o ministro contrasta o perfil
dos entrevistados -uma seleção
dos mais respeitados profissionais da área no Brasil- com o
dos que foram objeto de duas
obras semelhantes publicadas nos
Estados Unidos. No caso dos
americanos, escreve Malan, "todos foram, ou são, acadêmicos
"tout court", tiveram toda a sua vida profissional em universidades".
Nos termos de Maria Rita Loureiro, no Brasil o capital técnico
do economista é capital político.
Aqui, ele acaba por ocupar nichos
do Estado que, em países desenvolvidos, geralmente são preenchidos por políticos profissionais.
E a geração de Malan, acusada
pela oposição à esquerda de ter
patrocinado o "desmonte" do Estado, não fugiu à regra brasileira.
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