São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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Presidente diplomata fez sucesso lá fora

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Fernando Henrique Cardoso para exportação fez bem mais sucesso do que para consumo interno, tanto que termina seu período com um grau de aprovação no exterior (pelo menos nos salões acadêmicos e de governo) superior aos aplausos internos.
"FHC não inventou a diplomacia presidencial brasileira, mas elevou-a a um novo patamar em relação à boa base deixada por alguns de seus antecessores, e o fez graças ao fato de o Brasil apresentar maior interesse para a comunidade internacional e regional, com a estabilização e a abertura econômica", depõe o diplomata Sérgio Danese, ex-porta-voz da Fazenda (gestão Rubens Ricupero) e autor precisamente de "Diplomacia Presidencial", livro em que analisa as relações externas quando executadas pelo próprio presidente.
"Ele fez sucesso", admite um oposicionista como o historiador Marco Aurélio Garcia, secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo e assessor de Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais.
Ressalva, no entanto, Garcia: "O desempenho pessoal dele foi muito bom, mas os resultados para o Brasil foram frágeis".
A ressalva é parcialmente aceita por um observador neutro, o historiador britânico Kenneth Maxwell (Council on Foreign Relations, de Nova York), talvez o mais reputado "brasilianista".
Maxwell acha que o fato de FHC ser "charmer" (charmoso) funcionou "muito bem quando se tratava de diplomacia pessoal e de encontros individuais", como, por exemplo, com Bill Clinton e Tony Blair. Mas, emenda o historiador, "no conjunto da política externa, os resultados não têm uma só face".
A face boa está dada pelo fato de que a relação pessoal com Clinton ajudou o Brasil e o próprio FHC na crise cambial de 1998/99. "A administração Clinton fez tudo o que podia para respaldar FHC durante a crise e, de fato, ajudou-o a conseguir um segundo mandato e a evitar o derretimento financeiro do Brasil", diz Maxwell.
Mas, no conjunto da obra externa de FHC, "a afirmação de liderança do Brasil ficou praticamente em palavras apenas (o Brasil evitou cuidadosamente envolver-se nos problemas da Colômbia) e não pôde evitar as crises da Argentina e do Mercosul", completa.
Garcia, Maxwell e também o uruguaio Francisco Panizza, especialista em América Latina da London School of Economics, coincidem quase por inteiro na análise sobre as causas do sucesso pessoal de FHC no exterior e do relativo fracasso de sua política externa.
Diz Garcia: "O presidente acreditou que o mundo vivia de fato um novo Renascimento e embarcou nele. Mas o suposto novo Renascimento não deu certo".
Reforça Maxwell: "Parte do sucesso de FHC se deveu à habilidade de apresentar uma imagem do Brasil como país que se estava modernizando, abrindo mercados e seguindo uma agenda moderada de reformas na linha social-democrática. Mas muito disso, na prática, era para inglês ver e não representava plenamente nem a realidade do que estava acontecendo internamente nem a crescente vulnerabilidade do Brasil a choques financeiros internacionais".
Completa Panizza: "Fernando Henrique Cardoso representou a imagem narcisista do que teria sido a América Latina se o projeto refundador do capitalismo democrático, lançado no fim da década de 80 e início da de 90, tivesse dado certo. Seria uma América Latina liberal economicamente e liberal-democrática politicamente, estável, afastada das tentações populistas, aberta ao mundo globalizado (e a seus capitais), reconciliada com os EUA (diferenças comerciais à parte) e em diálogo fácil com as culturas européias".
Panizza diz que "poucos estadistas encarnaram melhor essa versão da modernidade (da América Latina) como FHC".
O problema é que essa versão supostamente moderna da América Latina desvaneceu-se com o fracasso do chamado Consenso de Washington, o modelo dito neoliberal cujas linhas mestras foram resumidas por Panizza.
Ficou, para FHC, o charme apontado tanto por Maxwell como por Panizza. Com um acréscimo vital, como lembra o especialista da London School of Economics: "Uma qualidade única a compor a imagem de FHC no exterior é sua dupla condição de intelectual e de político e o fato de ter sido bem-sucedido nas duas profissões, que muito dificilmente andam juntas".
Essa junção de condições lhe permitiu, completa, "discorrer sobre temas globais com a elegância do acadêmico e a autoridade do político, com o que pôde ser recebido igualmente na academia e nos palácios".
No plano externo, Luiz Inácio Lula da Silva herda a convivência com esse charme do antecessor, como aponta o diplomata Sérgio Danese: "FHC deixa para o sucessor uma herança dupla: um patrimônio (um notável aumento da visibilidade e da interlocução da diplomacia presidencial brasileira) e um desafio (o estabelecimento de um novo padrão a partir do qual a diplomacia presidencial do sucessor será medida e a expectativa criada em torno da continuação do uso desse instrumento de política externa".
Garcia aceita que Lula assumirá de fato um desafio formidável: "Vamos enfrentar um mundo bastante mais hostil do que tínhamos há oito anos". Mas ele acha que Lula, se não tem o charme para consumo externo de FHC, tem uma vantagem interna: "Está mais fortalecido internamente do que FHC esteve inicialmente".


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