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Presidente diplomata fez sucesso lá fora
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Fernando Henrique Cardoso
para exportação fez bem mais sucesso do que para consumo interno, tanto que termina seu período
com um grau de aprovação no exterior (pelo menos nos salões acadêmicos e de governo) superior
aos aplausos internos.
"FHC não inventou a diplomacia presidencial brasileira, mas
elevou-a a um novo patamar em
relação à boa base deixada por alguns de seus antecessores, e o fez
graças ao fato de o Brasil apresentar maior interesse para a comunidade internacional e regional,
com a estabilização e a abertura
econômica", depõe o diplomata
Sérgio Danese, ex-porta-voz da
Fazenda (gestão Rubens Ricupero) e autor precisamente de "Diplomacia Presidencial", livro em
que analisa as relações externas
quando executadas pelo próprio
presidente.
"Ele fez sucesso", admite um
oposicionista como o historiador
Marco Aurélio Garcia, secretário
de Cultura da Prefeitura de São
Paulo e assessor de Luiz Inácio
Lula da Silva para assuntos internacionais.
Ressalva, no entanto, Garcia: "O
desempenho pessoal dele foi muito bom, mas os resultados para o
Brasil foram frágeis".
A ressalva é parcialmente aceita
por um observador neutro, o historiador britânico Kenneth Maxwell (Council on Foreign Relations, de Nova York), talvez o
mais reputado "brasilianista".
Maxwell acha que o fato de FHC
ser "charmer" (charmoso) funcionou "muito bem quando se
tratava de diplomacia pessoal e de
encontros individuais", como,
por exemplo, com Bill Clinton e
Tony Blair. Mas, emenda o historiador, "no conjunto da política
externa, os resultados não têm
uma só face".
A face boa está dada pelo fato de
que a relação pessoal com Clinton
ajudou o Brasil e o próprio FHC
na crise cambial de 1998/99. "A
administração Clinton fez tudo o
que podia para respaldar FHC durante a crise e, de fato, ajudou-o a
conseguir um segundo mandato e
a evitar o derretimento financeiro
do Brasil", diz Maxwell.
Mas, no conjunto da obra externa de FHC, "a afirmação de liderança do Brasil ficou praticamente em palavras apenas (o Brasil
evitou cuidadosamente envolver-se nos problemas da Colômbia) e
não pôde evitar as crises da Argentina e do Mercosul", completa.
Garcia, Maxwell e também o
uruguaio Francisco Panizza, especialista em América Latina da
London School of Economics,
coincidem quase por inteiro na
análise sobre as causas do sucesso
pessoal de FHC no exterior e do
relativo fracasso de sua política
externa.
Diz Garcia: "O presidente acreditou que o mundo vivia de fato
um novo Renascimento e embarcou nele. Mas o suposto novo Renascimento não deu certo".
Reforça Maxwell: "Parte do sucesso de FHC se deveu à habilidade de apresentar uma imagem do
Brasil como país que se estava
modernizando, abrindo mercados e seguindo uma agenda moderada de reformas na linha social-democrática. Mas muito disso, na prática, era para inglês ver e
não representava plenamente
nem a realidade do que estava
acontecendo internamente nem a
crescente vulnerabilidade do Brasil a choques financeiros internacionais".
Completa Panizza: "Fernando
Henrique Cardoso representou a
imagem narcisista do que teria sido a América Latina se o projeto
refundador do capitalismo democrático, lançado no fim da década
de 80 e início da de 90, tivesse dado certo. Seria uma América Latina liberal economicamente e liberal-democrática politicamente,
estável, afastada das tentações populistas, aberta ao mundo globalizado (e a seus capitais), reconciliada com os EUA (diferenças comerciais à parte) e em diálogo fácil com as culturas européias".
Panizza diz que "poucos estadistas encarnaram melhor essa
versão da modernidade (da América Latina) como FHC".
O problema é que essa versão
supostamente moderna da América Latina desvaneceu-se com o
fracasso do chamado Consenso
de Washington, o modelo dito
neoliberal cujas linhas mestras foram resumidas por Panizza.
Ficou, para FHC, o charme
apontado tanto por Maxwell como por Panizza. Com um acréscimo vital, como lembra o especialista da London School of Economics: "Uma qualidade única a
compor a imagem de FHC no exterior é sua dupla condição de intelectual e de político e o fato de
ter sido bem-sucedido nas duas
profissões, que muito dificilmente andam juntas".
Essa junção de condições lhe
permitiu, completa, "discorrer
sobre temas globais com a elegância do acadêmico e a autoridade
do político, com o que pôde ser
recebido igualmente na academia
e nos palácios".
No plano externo, Luiz Inácio
Lula da Silva herda a convivência
com esse charme do antecessor,
como aponta o diplomata Sérgio
Danese: "FHC deixa para o sucessor uma herança dupla: um patrimônio (um notável aumento da
visibilidade e da interlocução da
diplomacia presidencial brasileira) e um desafio (o estabelecimento de um novo padrão a partir do qual a diplomacia presidencial do sucessor será medida e a
expectativa criada em torno da
continuação do uso desse instrumento de política externa".
Garcia aceita que Lula assumirá
de fato um desafio formidável:
"Vamos enfrentar um mundo
bastante mais hostil do que tínhamos há oito anos". Mas ele acha
que Lula, se não tem o charme para consumo externo de FHC, tem
uma vantagem interna: "Está
mais fortalecido internamente do
que FHC esteve inicialmente".
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