São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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MARCO NA SUPERAÇÃO DE 1922, EVENTO FOI APROPRIADO POR OUTROS INTERESSES QUE NÃO OS ARTÍSTICOS

Adeus, modernismo


É DESCABIDO REALIZAR BIENALMENTE MOSTRAS QUE EXIGEM TAL NÚMERO DE OBRAS


Divulgação
"Unidade Tripartida", escultura do suiço Max Bill (1908-1994), premiada na 1ª Bienal e que será exibida no Núcleo Histórico da mostra


FERREIRA GULLAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

A criação, por Ciccillo Matarazzo, da Bienal, em 1951, resultou em mudanças no ambiente artístico brasileiro, sendo a mais importante delas o abandono, por parte dos artistas jovens, da concepção modernista que, de uma maneira ou de outra, continuava a vigorar nas artes plásticas.
A partir daí, as sucessivas bienais contribuíram para ampliar a visão dos artistas e do público, graças ao contato que se estabeleceu com a produção artística contemporânea e com as obras dos movimentos de vanguarda fundadores da linguagem moderna das artes plásticas. Sob este aspecto, a 2ª Bienal foi especialmente marcante; basta dizer que nela se pôde ver, além de obras representativas dos mestres cubistas, futuristas, neoplasticistas, as retrospectivas de Picasso, Klee, Mondrian, Calder, Moore e Munch.
Não é difícil imaginar o impacto que essas obras produziram nos artistas e críticos e mesmo no público, tal a cobertura dada pelos mais importantes jornais e revistas do país.
Para melhor situar este inesperado fenômeno cultural, devemos lembrar que, havia poucos anos, o mundo saíra do pesadelo de uma guerra cruel e desvastadora. A paz chegara como uma aurora de esperança que finalmente despontara. Aquela hecatombe parecia ter ensinado à humanidade que os valores fundamentais a preservar eram, além da paz, a solidariedade, a cooperação, o entendimento entre os povos.
Prestigiar a arte e a cultura era também um modo de afirmar que o ser humano não se transformara definitivamente numa besta fera apenas capaz da destruição e do genocídio.
Deve-se observar também que a guerra -iniciada em 1939- interrompera o intercâmbio cultural e artístico, de modo que as novas tendências surgidas na Europa naquela época permaneceram desconhecidas, não tiveram possibilidade de se difundirem internacionalmente. Por isso, o período de pós-guerra é também marcado pela reativação do intercâmbio artístico, propiciando o conhecimento dessas tendências.
No caso brasileiro, ocorreu uma particularidade: a adesão ao concretismo de Max Bill, artista formado na Bauhaus e que, terminada a guerra, fora convidado a criar uma nova escola de arte que tomou o nome de Hoschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma). Ele ganha o prêmio de escultura da 1ª Bienal e depois realiza uma exposição individual em São Paulo e no Rio. Esses fatos vieram dar impulso à nova tendência de arte geométrico-construtiva que se esboçava nessas duas cidades, sob a influência do grupo Nueva Visión, de Buenos Aires, o primeiro a sofrer a influência de Max Bill e seus companheiros de Ulm.
A linguagem concretista, fundada em formas geométricas, levou Mário Pedrosa a imaginar que ela se tornaria a expressão universal da arte contemporânea finalmente livre das expressões regionais e figurativas. Era uma utopia que felizmente não se cumpriu, já que isso implicaria eliminar a riqueza das culturas nacionais, contrariando a natureza particular da criação estética.
Contrariando aquela profecia, o movimento concretista se divide, dando origem ao neoconcretismo, que rejeita a ortodoxia imposta ao movimento por Waldemar Cordeiro, e abre campo para novos desdobramentos implícitos nos movimentos de vanguarda. E a consequência foi o abandono do suporte pictórico (o quadro) e a progressiva desintegração da linguagem artística.
Antes disso, porém, vindo por caminho que não o da geometria, surge o tachismo que, este sim, se alastra por todos os países, ocupa todas as galerias e museus. A Bienal de 1959 foi inteiramente invadida por essa onda, que tornava impossível alguém perceber se determinado artista era francês, turco ou japonês. Esse movimento veio completar o processo autofágico das vanguardas, abrindo caminho para a antiga proposta de Marcel Duchamp, que, aliás, o conduzira ao impasse. Ele propusera a antiarte, expressa basicamente nos ready-mades, e isso de algum modo coincidia com a desintegração das linguagens da arte. Os quadros, as esculturas dão lugar a instalações e performances que passam a ocupar as bienais. Creio que, a partir desse momento, a crise inevitável das vanguardas provoca a crise das bienais. Mas esse é apenas um dos aspectos da questão. Mário Pedrosa, na série de artigos que escreveu sobre a Bienal de São Paulo, afirma: "Ao arrancar o Brasil de seu doce e pachorrento isolamento, ela (a Bienal) o lançou na arena das especulações não somente comerciais, mas de escusas combinações pessoais e mesmo nacionais em torno de prêmios etc.,

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