São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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COMO É NOS EUA
Lei rigorosa e restrições inibem vazamentos, e acordos com infratores flagrados levam à prisão de "tubarões"
País fiscaliza com técnica antidroga

MARCIO AITH
de Washington

Há mais de seis décadas os Estados Unidos combatem com uma lei rigorosa e métodos "detetivescos" o uso indevido de informações privilegiadas em praticamente todos os setores da sociedade.
Em 1934, o Congresso norte-americano aprovou um código de conduta (o "Securities Exchange Act") que criminalizou como princípio geral de mercado o uso de informações privilegiadas e obrigou acionistas com mais de 10% de participação em companhias abertas a comunicar ao público o volume e o preço das ações que compraram e venderam.
Na década de 80, o sistema de prevenção foi fortalecido ainda mais com a instalação de gravadores que registram os diálogos nas reuniões do Fed (Federal Reserve), o poderoso banco central norte-americano.

Como mafiosos
Junto com as leis e o registro detalhado das reuniões oficiais, a SEC (Securities Exchange Commission), órgão fiscalizador do mercado, adotou para a investigação de crimes contra o mercado os mesmos padrões usados contra traficantes de drogas e mafiosos.
Telefones são grampeados, executivos de renome são cooptados para entregar seus colegas em troca de uma redução na pena criminal e as operações de compra e venda de ações são minuciosa e diariamente estudadas para que se detecte eventuais comportamentos suspeitos.
As leis e a fiscalização rigorosa acabaram moldando os hábitos sociais dos agentes de mercado.
Funcionários públicos e executivos de companhias evitam ir a bares, restaurantes e eventos frequentados por especuladores e corretores. Quando num mesmo ambiente, evitam conversas prolongadas.
Essa experiência de seis décadas e meia permitiu milhares de investigações espetaculares, prisões de integrantes da elite burocrática e financeira do país e revelou uma realidade ambígua e inusitada: a obsessão das autoridades em punir os que lucram com informações secretas tem sido tão eficaz quanto a capacidade do mercado de driblar essas autoridades.

Casos históricos
A década de 80 foi pródiga em comprovar a vitalidade do mercado em desafiar os fiscalizadores, por mais rigorosos que esses últimos sejam. Alguns casos que resultaram em prisão também fizeram história.
Em maio de 1985, Dennis Levine, então um dos mais promissores e espertos agentes de mercado, "comprou" de um operador do banco de investimento Lehman Brothers a informação (até então secreta) da fusão entre a gigante da indústria do tabaco R.J. Reynolds e a Nabisco, um dos maiores grupos do setor de alimentação em todo o mundo.
Como assessor da fusão, o Lehman Brothers deveria ter mantido a informação em sigilo. O esperto Levine, que havia convencido um ex-colega a vender essa informação por US$ 10 mil, adquiriu US$ 9 milhões em ações da Nabisco.
Sentou-se em sua cadeira e esperou pelo anúncio oficial da fusão, que aconteceria algumas semanas mais tarde e que provocaria uma enorme elevação no valor das ações da Nabisco. Só nessa operação, Levine lucrou US$ 2,7 milhões. Durante seis anos, ele conseguiu arrecadar um valor estimado em US$ 12 milhões somente com informações privilegiadas que comprou no mercado negro de Wall Street.
Prisão
Levine acabou sendo pego pela SEC alguns anos depois. A agência começou a investigar compras maciças de ações nas semanas que antecederam as maiores fusões do setor privado.
Descobriram que apenas um banco, sediado nas Bahamas (paraíso fiscal no Caribe), havia sido responsável por 80% dessas compras. A quebra do sigilo bancário provou a ligação do banco a Levine, que acabou confessando.
Ele foi preso em 1986, condenado a dois anos de prisão e a uma multa de US$ 11 milhões, pouco menos que arrecadou.
A pena foi considerada branda porque ele colaborou com investigadores e os ajudou a prender outro famoso comerciante de informações privilegiadas: Ivan Boesky, apelidado pelo mercado de "Ivan, o terrível".
Entre dezenas de ilegalidades, Boesky, presente em quase todas as colunas sociais do país e figura poderosa do mundo financeiro, recomprava as informações obtidas por Levine e as usava numa escala ainda maior.
Ele teria lucrado US$ 500 milhões com informações privilegiadas, quase todas obtidas entre um uísque e outro na filial de Nova York do prestigioso Harvard Club.
"Dedado" por Levine, Boesky foi condenado a três anos de cadeia e a uma multa de US$ 100 milhões. Sua pena também foi considerada branda por ter concordado em colaborar com a Justiça num acordo polêmico: entregou Martin Siegel, operador de mercado que lhe vendia informações e que, portanto, tinha importância mais reduzida.
Siegel, no entanto, foi peça chave, alguns meses depois, na prisão do maior "tubarão" das finanças dos EUA, Michael Milken, que descobriu as possibilidades de lucro das ações de pequenas empresas e as comprou maciçamente, dando liquidez a elas.
Sob orientação do FBI, Boesky gravou conversas comprometedoras com Milken, que pegou oito anos de cadeia e pagou US$ 1,5 bilhão em multas.


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